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LA MARCHESA DE MIRAMAR[2]

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A miserrima Dido

Pelos paços reaes vaga ululando.

GARÇÃO.

De quanto sonho um dia povoaste

A mente ambiciosa,

Que te resta? Uma pagina sombria,

A escura noite e um tumulo recente.


Ó abysmo! Ó fortuna! Um dia apenas

Viu erguer, viu cahir teu fragil throno

Meteoro do seculo, passaste,

Ó triste imperio, allumiando as sombras.

A noite foi teu berço e teu sepulcro.

Da tua morte os goivos inda acháram

Frescas as rosas dos teus breves dias;

E no livro da historia uma só folha

A tua vida conta: sangue e lagrimas.


No tranquillo castello,

Ninho d'amor, asylo de esperanças,

A mão de aurea fortuna preparára,

Menina e moça, um tumulo aos teus dias.

Junto do amado esposo,

Outra corôa cingias mais segura,

A corôa do amor, dadiva santa

Das mãos de Deus. No céu de tua vida

Uma nuvem sequer não sombreava

A esplendida manhã; extranhos eram

Ao recatado asylo

Os rumores do seculo.

Estendia-se

Em frente o largo mar, tranquilla face

Como a da consciencia alheia ao crime,

E o céu, cupula azul do equoreo leito.

Alli, quando ao cair da amena tarde,

No thalamo encantado do occidente,

O vento melancolico gemia,

E a onda murmurando,

Nas convulsões do amor beija a areia,

Ias tu junto d'elle, as mãos travadas,

Os olhos confundidos,

Correr as brandas, somnolentas aguas,

Na gondola discreta. Amenas flôres

Com suas mãos teciam

As namoradas Horas; vinha a noite,

Mãe de amores, solicita descendo,

Que em seu regaço a todos envolvia,

O mar, o céu, a terra, o lenho e os noivos.


Mas além, muito além do céu fechado,

O sombrio destino, contemplando

A par do teu amor, a etherea vida,

As santas effusões das noites bellas,

O terrivel scenario preparava

A mais terriveis lances.


Então surge dos thronos

A prophetica voz que annunciava

Ao teu credulo esposo:

«Tu serás rei, Macbeth!» Ao longe, ao longe,

No fundo do oceano, envolto em nevoas,

Salpicado de sangue, ergue-se um throno.

Chamão-no a elle as vozes do destino.

Da tranquilla mansão ao novo imperio

Cobrem flôres a estrada,—estereis flôres

Que mal podem cobrir o horror da morte.

Tu vais, tu vais tambem, victima infausta;

O sopro da ambição fechou teus olhos....

Ah! quão melhor te fôra

No meio d'essas aguas

Que a regia nau cortava, conduzindo

Os destinos de um rei, achar a morte:

A mesma onda os dous envolveria.

Uma só convulsão ás duas almas

O vinculo quebrára, e ambas iriam,

Como raios partidos de uma estrella,

Á eterna luz juntar-se.


Mas o destino, alçando a mão sombria,

Já traçára nas paginas da historia

O terrivel mysterio. A liberdade

Vela n'aquelle dia a ingenua fronte.

Pejam nuvens de fogo o céu profundo.

Orvalha sangue a noite mexicana....

Viuva e moça, agora em vão procuras

No teu placido asylo o extincto esposo.

Interrogas em vão o céu e as aguas.

Apenas surge ensanguentada sombra

Nos teus sonhos de louca, e um grito apenas,

Um soluço profundo reboando

Pela noite do espirito, parece

Os échos acordar da mocidade.

No emtanto, a natureza alegre e viva,

Ostenta o mesmo rosto.

Dissipam-se ambições, imperios morrem,

Passam os homens como pó que o vento

Do chão levanta ou sombras fugitivas,

Transformam-se em ruina o templo e a choça.

Só tu, só tu, eterna natureza,

Immutavel, tranquilla,

Como rochedo em meio do oceano,

Vês baquear os seculos.

Sussurra

Pelas ribas do mar a mesma briza;

O céu é sempre azul, as aguas mansas;

Deita-se ainda a tarde vaporosa

No leito do occidente;

Ornam o campo as mesmas flôres bellas...

Mas em teu coração magoado e triste,

Pobre Carlota! o intenso desespero

Enche de intenso horror o horror da morte.

Viuva da razão, nem já te cabe

A illusão da esperança.

Feliz, feliz, ao menos, se te resta,

Nos macerados olhos,

O derradeiro bem:—algumas lagrimas!

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