Читать книгу Um Julgamento de Contos de Fadas a Colarinho Branco - Marcos Sassungo - Страница 5

Capítulo II
O Desastre do Amor

Оглавление

"No mercado da vida, os homens são convidados e desafiados a sonhar… O sonho desafia o homem a vencer a dor, a lágrima e o punhal do sofrimento. O sonho desafia o homem a treinar o seu eu para formação do seu carácter e personalidade. Os sonhos maltratam homens sonhadores de sonhos. Alguns bons e outros ruins…"

O silêncio reinou, naquela noite de quinta-feira, e, sob a ordem da luz escura negra, à simpatia da lua cheia. Não houve gritos de nenhum animal sequer, excepto o dos grilos, que interrompiam a beleza do silêncio daquela noite trôpega. A noite estava tão abstratamente bela quanto o país das maravilhas no mundo da Alice. Um luar cheio de brilho e pacato. Pela janela, tudo se podia ver. Eram duas da manhã de sexta-feira, quando eu me pus em pé e, silenciosamente, convidei a porta a abrir sob total silêncio e fiquei no claustro do quintal sob um olhar atento ao luar e às estrelas que não paravam de concorrer no brilho; uma brilhando melhor que a outra. O silêncio, enfim amadureceu os meus pensamentos e na minha imaginação nasceu os feixes da sua imagem Santa. Ela estava vagando nos meus pensamentos e a busquei propositadamente para tornar aquele momento mais hipoteticamente romântico. Indubitavelmente, o espaço se tornou o lugar mais romântico que eu já tive. Cheio de um brilho e com uma coragem romântica. Emaranhado e num mundo fantasticamente de paixão a cor Preto e Branco, construí arquitetonicamente um plano de poder declarar-me. Foi a ideia mais absurda que eu já tive. E saber que aconselhei o meu amigo Batinho a fazer o mesmo, perdi-me na minha própria ideia, e no meu próprio princípio. Enfim, estava perdido no deserto dos meus pensamentos triturados com aquela ideia oca. E percebi que no mercado da vida, os homens são convidados e desafiados a sonhar e o sonho desafia o homem a vencer a dor, as lágrimas e o punhal do sofrimento. O sonho desafia o homem a treinar o seu eu para formação do seu carácter e personalidade. Os sonhos maltratam homens sonhadores de sonhos. Alguns bons e outros ruins. Mas a verdade é que nenhum sonho é completamente ruim, se formos capazes de alimentá-lo com a dor do compromisso e com o sofrimento da persistência. Um sonho é uma semente; ela precisa de todas as condições suficientes para brotar, crescer e dar frutos. Eu tenho várias sementes de sonhos como qualquer um. Por isso, não sei ao certo quem eu me tornarei de verdade ou a que status responderei nessa casa universal; médico, advogado, engenheiro, escritor, cantor. Eu não sei. Naquele momento, procurei, de alguma maneira, convidar a minha atenção a lei de Newton; toda força quando aplicada a um corpo, provoca deslocamento e o deslocamento consumado, gera trabalho, logo, a força aplicada será nula, se não houver deslocamento e todo um sonho, precisa de uma força que quando aplicada, o mova, o desloque, o empurre para as alturas da vida igual a uma águia e a realização de qualquer sonho é nula, se não houver um desejo autodiegético ou ainda se os esforços aplicados a eles forem igual a zero. Por isso, todo homem devia ter um mentor. Qual é o meu sonho? O que realmente preciso fazer para movê-lo? Qual é o propósito da minha vida nessa casa universal? Uma coisa eu tinha a certeza naquele momento, a Santa era a mulher que tornaria o meu coração mais adolescente. Conheci-a há dois anos e até agora ainda vivo corrompido com a tentação de a conquistar. E amanhã começam as aulas, o que farei? Já lá se passaram dois anos e eu nunca tive a oportunidade de dizer a ela o que há muito tempo se formou dentro de mim. Convivo com esse apêndice, com esse nódulo que contraria o metabolismo normal da minha cárdia e, dessa vez, vou tentar ser mais ousado ainda. Voltei enfim ao meu quarto, na minha cama, ali, onde eu ensaio todos os dias o silêncio da morte.

E pela manhã, a minha mãe, do paladar daquele silêncio delongo, e com a voz a nascer de uma nota musical, tocou-me:

– Tino, acorda, levanta-te, homem. São seis da manhã. É teu primeiro dia, precisas de chegar mais cedo à escola.

– Obrigado, mãe.

– Então, filho, como tu passaste a noite?

– Ansioso com o meu primeiro dia de aula na escola. E você, Mamusca, como está?

– Graças a Deus passei bem cassule. Seu pai disse-me que ontem chegaste tarde… filho…meu primogênito, não cresças tão rápido. Pare de sair ou vir a casa fora do horário. O mundo é grande e tu não precisas de pegar tudo o que tem nele.

– Mas, mãe, estive ontem com o Batinho, peço desculpas, não vai voltar a acontecer. Eu prometo.

– Eu sei que sim, meu filho. Tu alegraste meu coração quando nasceste. Eras tão pequeno que pensei que alguma coisa mal haveria de acontecer. Orei a Deus para que me devolvesse a ti. Eras tão pequeno e escondido do mundo. Agora que cresceste, filho, por favor, cuida da tua vida por mim. Na rua ou na escola, lá a onde eu não te poder proteger ou cuidar, por favor, ajuda-me a cuidar de ti.

– Está bem, mãe. Não precisas de ficar triste, mãezinha. E quer saber?

– O que filho?

– Eu amo-te, Mamusca.

– Eu também te amo, meu bonequinho lindo… bujujo da mamãe.

– Mãe!? Eu já não sou bebê…

– Rsrs, está bem, meu filho.

– Mas o café já está na mesa? Perguntou o Sr. Américo, pai do Tino.

– Mãe, o pai quer saber se o café está pronto.

– Está sim, amor. Respondeu a minha mãe com uma voz alta e acresceu: “filho, vai lá, faz companhia ao teu pai na mesa.

– Mãe, eu não posso tomar café.

– Eu sei, filho. Para ti, há leite e fiambre na geladeira.

– Está bem, mãe.

– Agora vai, antes que esfrie.

– Está bem, mãe. Pai, dás-me uma carona?

– Claro filho, coma calmamente, que eu te espero, ok?

– Está bem, pai.

O Tino levantou-se, despediu-se da mãe e dos irmãos e aproveitou a boleia do Sr. Américo. Pela estrada, vários feixes de pensamentos cruzaram as ideias do Tino. A conversa com o pai no dia anterior, a confusão provocada pelo Marquitos, o pastor na igreja, o vizinho que pedia ajuda, a música que tocava pelo rádio no carro etc. Mas dentre todos eles, o pensamento que mais governava a sua atenção naquele momento foi o de Santa.

A distância não diminui a importância. És especial. No claustro do salão dos meus pensamentos, no lugar mais claro perguntei-me: Como alguém pode provocar tantos sentimentos mesmo estando longe? Por que você teve que morar tão longe e viver tão dentro de mim? O tempo me alistou a fila de espera à um diagnóstico conclusivo, depois de tão longos e dolorosos exames. O conclusivo diagnóstico deu positivo a “deepfeeling in Love”. Feliz ou infelizmente, estudos revelam que em 100 pessoas afectadas, apenas 10 % delas vivem a felicidade como resultado do mesmo vírus e 90 % delas são infelizes por não haver compatibilidade. Nesse momento, considero-me objecto de estudo dessa pesquisa. Estou tecnicamente infectado de paixão e você pressupõe o antídoto Sanguita. E para sempre é muito tempo, mas eu não me importaria de passar ao seu lado… a eternidade. Acabei de provar que de longe também se ama, pois o verdadeiro amor é uma opção consciente e livre do medo e do fracasso. Ficar longe de ti, está cada dia mais insuportável. A distância nos impede de beijar, abraçar, mas nunca de amar. Para alguns, amar é uma perda de tempo. Para mim, é um dos tipos de sentimentos mais sincero que existe. Isso se houver uma tipologia no amor. E nunca alguém vai entender como um certo tipo se apaixonou por alguém telepaticamente. Mas a distância não impediu que eu te amasse. A distância é grande, mas o sentimento é, sem nenhum revés, maior. Santa, será que estarei eu a pedir demais ter-te comigo? Seria perigoso demais se acreditássemos no facto de um destino existir para nós? Não te vou dizer que seja fácil. Mas eu prometi esperar-te. És o claro na escuridão, o branco no preto, o candelabro no escuro, a esperança na guerra, és a mais perfeita mulher que os meus olhos acharam entre as mulheres, a pesar de mil defeitos. Queria saber qual é a sensação de ter quem eu mais amo do meu lado. Aceitas namorar comigo?…Meu Deus, e se ela disser não!? E se ela disser que já tem namorado e por isso não vai dar? Meu Deus, ajuda-me, o que farei então? Que palavras seguiriam a minha língua para traduzir o que realmente quero? E que palavras me seriam amistosas agora para dizer a ela o quanto a quero do meu lado?

Surpreendentemente, uma voz aproximou-se interrompendo a catarse dos meus pensamentos. Era, no entanto, a voz do meu pai a chamar-me.

– Tino….

– Tino….

– Tino….

Papai gritou, Tino…

– Pai. Desculpa, estava a pensar alto.

– Oh filho, então, onde estavas? Hoje é teu primeiro dia de aulas e já estás distraído, é isso? Ansiedade de mais em ter a primeira aula ou nem por isso?

– Nem por isso, pai.

– Então, diz lá, o que tu andaste por aí a pensar?

– A Santa, pai.

– Está bem, filho, eu entendo. Mas, filho, não fiques com medo. Isso é normal, a primeira vez. Eu senti-me assim também quando conheci a sua mãe. Hoje quando tu a vires, não digas nada, apenas sê tu mesmo e espera ela vir ao teu encontro. Isso significa que ela teve saudades. E quando estiveres a sós com ela em algum lugar da escola, na cantina ou por aí, diz tudo o que tens aí dentro. Tudo. Não guardes nada.

– Está bem, pai. Mas, pai, já fez dois anos que eu nunca disse nada a ela e esse é o último ano e queria que ela soubesse do resultado da agressão genética que ela causou em mim com a sua beleza.

– Filho, fica calmo e não te desconcentres. Disse ele e acresceu: “vais conseguir, amigão, sê firme. Agora me dá um abraço”.

– Bom trabalho, pai.

– Bons estudos, filho. Eu amo-te.

– Eu também te amo, pai.

O Tino saiu do carro, cumprimentou o segurança radiante, e juntou-se aos colegas, abraçando-os afectuosamente. Marcos era um dos seus melhores amigos na academia. Seus valores e princípios eram semelhantes. Ambos celebravam a amizade profunda e Marcos, sabendo da afeição de Tino por Santa, disse:

– Tino advinha quem está aí ma men!

– A Santa, é claro! RespondeuTino.

–É isso aí, meu caro. A Santa Joaquina e penso ser desta vez que tens que ser sério. Aquela conversa que tivemos ao telefone nas férias eu não a esqueci não, meu!

– Tem razão, brother, eu preciso de me declarar a ela e tem de ser para breve.

E avistando de longe a Santa, disse o Tino, olha para ela, seu sorriso é um encanto natural, sua voz é a melodia mais colorida que já terei ouvido. Ela é simplesmente linda aos meus olhos e no meio de todas, eu quero escolhê-la como minha namorada. Mas tu me falaste da Zenga e como ficou o teu caso? Perguntou Tino ao Marcos.

– Sonhador… Para de sonhar, vai dizer isso a ela. – Disse Marcos e acresceu: o meu caso é outro e precisa de uma outra abordagem. E por agora precisas de te conconcentrar no teu caso.

– Agora ainda não. Respondeu Tino. A professora de Língua Portuguesa já aí vem e por hoje teremos os dois primeiros tempos.

Desafiar as mentes jovens a pensar e criticar, é a missão dos professores pelo mundo todo e desafiar o mercado da vida com uma mente crítica e sagaz é a missão dos estudantes. E lá estava a professora com mais uma missão.

– Bom dia, turma. Comprimentou.

– Bom dia, senhora professora.

– Tomai os vossos assentos. Disse ela e acresceu:

Como vocês já sabem, eu sou a professora e coordenadora desta disciplina de Língua Portuguesa. Juntos analisaremos minuciosamente o livro Aparição de Vergílio Ferreira. Durante o semestre estaremos viajando nas ideias do autor, colocaremos a nossa mente à disposição de concorrer ao pináculo do saber. Pelo que, vos convido a comprar o livro de leitura obrigatória da décima segunda classe nesta instituição, pelo que o mesmo será o nosso objecto de estudo e a Gramática do Português Moderno bem como o tradicional Dicionário “Prestígio” de Português, fará parte desta viagem no espaço do conhecimento. Há alguma pergunta por acaso?

Silêncio total.

– Ok, então, vos convido a convidar as vossas mentes a um exercício, eu vou ler um texto e vocês acompanham.

Tristezas… Plural de um mar de sentimentos que chicotea a alma e o espírito. Paradigma de um coração provocado pelas lutas dessa sociedade humanamente desumana com a dor da bondade. É só por isso que eu não mais confio nela. Pois ela, a alma mo aliciou. Sem dó e sem piedade roubou-me o tudo que tinha e deixou-me no vazio do nada. Agora essa sociedade já não me é amistosa, pois nela não há mansidão e ignorou os meus sonhos, não visitou as minhas lágrimas e não enxugou as minhas tristezas. Usei as suas cores de preto no branco e do amarelo no vermelho para catapultar a sua fama e engrandecer o seu joio. Mas ele não deixou que me apaixonasse, transplantou-me a felicidade, e em troca a tristeza, me implantou na alma do meu espírito. E no âmago da minha dor, no labirinto da minha alegria triste e profunda de mais para minha alma e coração, ouvi um sussurro das lágrimas e das dores das lágrimas, uma voz de tristeza, mas com um soar de alegria. Mostrou-me o céu, mostrou-me o mar imperfeitamente perfeito, mostrou-me a felicidade escrita ao lado de alguém que não me parecia familiar, era esbelta e linda de mais para descrever… Perdoe a sociedade e ande comigo disse ele. Aí eu percebi que a voz no fundo era de Jesus.

– Ponto final. Autor é desconhecido e agora a vossa tarefa é dar um título ao texto e comentá-lo.

– Posso? – Perguntou Juelcy à professora.

– Claro, filha. Tenha bondade.

– Obrigada Senhora professora. Disse a Juelcy e acresceu: “A dor da alma. É esse o título que dou”.

– E porque a dor da alma? Perguntou a professora.

– Porque pressupõe um texto poético e autodiegético, e com uma linguagem corrente. O autor se apossa das palavras tristeza, alma e espírito para exprimir seus sentimentos profundos, causados pela solidão. E por ela, critica o comportamento da sociedade versus a desvalorização do ser humano em si. O autor ainda usa palavras como lágrimas, dor, bondade, mansidão e perfeição para fazer menção a Tristeza de uma alma insatisfeita por não se conformar com a realidade.

– Muito bem, Juelcy… mais alguém para argumentar?

– Sim, professora. Respondeu o Angelino.

– Então, Angelino, que título darias ao texto e diga o porquê.

– Esperança. Esse é o título que eu daria ao texto. Justificativa: É um texto poético, e tal como a colega Juelcy disse, eu confirmo ser autodiegético e o autor descreve a perturbação da sua agonia, diante da sociedade e atribui a culpa a ela pelo facto de havê-lo trazido à tristeza e solidão. Mas ao perder a sua amada vê-se agonizado. E aí, ele ouve uma voz, estranhamente, esperançosa, irreconhecível no princípio e que o convida a perdoar a sociedade pelos seus feitos maléficos. Percebe-se logo que, a voz irreconhecível no princípio e reconhecível no final era a de Jesus, tal como o autor desconhecido o descreve.

– Obrigado, Angelino. Mais alguém? Bem, o silêncio diz que não. Mas obrigada. Juelcy, obrigada Angelino. É esse tipo de exercícios e outros também, que faremos nesse livro “Aparição” de Vergílio Ferreira. E estou ciente dos vossos conhecimentos em Língua Portuguesa aprendidos através do professor Nascimento Dinis na décima e na décima primeira classe. É, pois, através destes conhecimentos que estaremos viajando nos feixes do pensamento de Vergílio ferreira e de certeza aprenderemos outras técnicas que sem nenhum revês nos ajudarão. Relativamente ao livro, quero dizer-vos, de antemão, que também a presença de um narrador autodiegético é uma característica determinante. O sujeito enunciador revela-se a si mesmo à medida que se vai apropriando linguisticamente do fluxo das vivências que decorrem no mundo, como é evidente nos textos de abertura e fechamento do romance, que, situados num tempo pós-trágico de reflexão, funcionam como parênteses que sugerem uma libertação da visão do narrador em face da acção contida entre eles: "Sento-me aqui nessa sala vazia e relembro". Portanto, a acção inicia-se com a chegada a Évora de um novo professor, Alberto Soares, no início de mais um ano lectivo. Alberto, o narrador, cedo se relaciona com o Doutor Moura, antigo colega do seu pai e o seu círculo familiar, nomeadamente Ana, casada com Alfredo Cerqueira, Sofia, de quem se tornará explicador de Latim e Cristina, a filha mais nova da família.

Neste espaço familiar, circulam também as figuras de Carolino, um dos seus alunos do Liceu e o engenheiro Chico, um amigo da família, espécie de neorrealista militante. O espaço urbano de Évora tem como contraponto o espaço rural da montanha onde Alberto viveu a sua infância, e ao qual temos acesso através de analepses que nos dão conta do crescimento dessa personagem, designadamente, a descoberta do seu próprio eu, em face de um espelho, o primeiro contacto com o não-sentido da morte e a aquisição de consciências da morte de Deus. Assim, o seu passado evolutivo vai iluminando o seu desenvolvimento no presente da ação principal: a interacção da sua verdade com aquela das outras personagens, oscilando entre os polos da aparição e da desaparição, da revelação e da dissimulação, da integração e da desintegração. A acção principal estrutura-se em dicotomias combinadas em triângulos trágicos: Alberto, Sofia e Carolino; Alberto, Sofia e Ana; Ana, Sofia e Cristina etc. Alberto é aquele que introduz o vírus da interrogação no seio da comunidade eborense: Era absolutamente necessário que a vida se iluminasse na evidência da morte e como professor, caber-lhe-ia, além disso, trazer respostas. No entanto, ele cumpre apenas ambígua e incompletamente esse estatuto. As suas interrogações desintegram definitivamente Sofia de quem será amante, e corporiza toda a despolaridade potencial que as interrogações comportam. E Carolino que destruído pela corrosividade das interrogações da vida e perplexo diante do poder que percebe em si, acabará por assassinar Sofia infelizmente, esta de quem também se tinha tornado amante.

Queridos estudantes, minhas senhoras e meus senhores, quando falamos das interrogações, falamos da problematização da vida em face da morte. E logo, perceberão, durante a leitura, que Alberto não cessa de verbalizar o absurdo da mortalidade, tal como ela é expressa no sacrifício de Cristina, a criança loura que tocava Chopin divinamente, sugerindo através da música uma autonomia da realidade humana. Todavia, é exactamente através da morte de Cristina que se torna possível a exaltação integral da condição humana desde as suas raízes mortais – a sua aparição.

A professora, olhando atentamente para os alunos, disse:

– Minhas senhoras e meus senhores, sejam bem-vindos ao mercado da vida. Aí onde a dor e lágrima são sacrificadas para a ressurreição da felicidade. Nas minhas aulas, é imperioso que tragam convosco o livro que será o nosso objeto de estudo, a gramática do Português Moderno que será a nossa ferramenta indispensável, o meio através do qual estudaremos morfológica e sintaticamente a natureza das palavras que foram convidados a construir o livro “Aparição”, e, sem vos esquecerdes, por favor, do Dicionário. Vós, no entanto, sereis autores das vossas notas. Haverá encenação dos personagens em forma de teatro e trabalharão arduamente nos textos. Esses exercícios bem feitos e mais outros que adiante actualizarei, determinarão a vossa passagem de ano. Sendo assim, está aberto o ano académico na disciplina de Português. Há alguma pergunta?

– Sim, professora. – Disse o Francisco.

– Diga Francisco.

– Onde encontraremos o material e quanto custa?

– Na secretaria do colégio, e os custos variam desde quatro mil a três mil kwanzas ou, contactar, por favor, o Padre Carlos. E mais alguma pergunta? Está bem, então, nada mais havendo, dou por terminada a nossa aula de hoje. Até a próxima.

– Até a próxima, Senhora Professora. Responderam os estudantes, entusiasticamente.

Era a hora do intervalo. A aula de português dividia opiniões entre os estudantes. Como isso seria feito? Perguntavam-se. Outros ainda aplaudiam a competência comunicativa e gramatical da nova professora. Ela é uma excelente professora. – Disse o Angelino ao Tino.

– Afor tior. – Respondeu o Tino.

– Vamos à cantina?

– Estou sem dinheiro, a não ser que me pagues uma sandes hoje.

– Está bem, eu pago. “Ars Longa Vita Brevis”. – Disse o Marcos ao Tino.

Ao descerem as escadas, Marcos avistou a Santa e disse:

– Tino, olha quem está na cantina.

– A sério?! Eu não vou. Vamos mais tarde. Respondeu o Tino com um ar medonho.

– Fica calmo, seu medroso, seja homem.

– Está tudo bem.

Naquele dia, apesar de todos os planos de tentativa de poder se aproximar e declarar-se, Tino não conseguiu. A timidez abraçou-o e não conseguiu sequer falar com ela e o dia foi passando e passando, e já era meio-dia, hora de sair da escola para a casa.

A cobardia é o inimigo da coragem quando a felicidade nos convida a passar pela ponte da dor. E naquele dia, mais uma vez o Tino não conseguiu falar com ela. Triste e interiormente solitário sentiu-se réu das suas próprias dúvidas e condenado pela sua própria consciência e pelo seu próprio medo; eu sou um fracasso dizia ele. E desesperado dizia; eu sou um aaaa obviamente eu não sei quem eu sou.

Por conseguinte, e já de saída da escola, o telefone chama.

– Aló, mestre.

– Sim, Tino, onde estás?

– Estou a descer a rua da Sé Catedral em direcção à oficina.

– Estamos a tua espera porque há aqui um cliente. De momento, vou ausentar-me, mas assim que chegares, dê um jeitinho.

– Está bem, mestre.

Os dias eram difíceis e Tino além de estudante, era mecânico de geradores domésticos, numa oficina no bairro do São João popular. Na verdade, todos os seus amigos eram mecânicos e trabalhavam juntos, com excepção de Marquitos que embora também o fosse, a oficina onde trabalhava era diferente. Todos os dias ao meio-dia, era uma obrigação Tino aparecer na oficina para reparar geradores. O tipo era um médico de geradores.

– Boa tarde, colegas.

– Boa tarde, Tibox. Respondeu o Vavá, um dos seus colegas e acrescentou:

– O Sr. Miguel está cá a reclamar da prontidão do seu gerador e nós dissemos que apenas você autorizaria a saída do gerador pelo facto de o ter reparado. E isso se está mesmo reparado. E o mestre saiu. Foi ver uma obra e disse para tomar as devidas decisões de negócio com o Sr.Miguel.

– Está bem, Vavá.

– Então, Sr. Miguel, boa tarde.

– Boa tarde, Tibox.

– Sr. Miguel, o seu gerador está pronto, fiz as devidas alterações. Inicialmente pelo estator e o induzido queimado, trocámos por outro. Trocámos a anilha do carburador, o condensador também queimou e troquei-o por outro.

– Está bem, está bem…só me diga quanto eu devo pagar e prontos. Disse o Sr. Miguel.

– Seis mil Kwanzas pelas peças substituídas e mil e quinhentos pela mão-de-obra. Ao total sete mil e quinhentos.

– Está bem, aqui tens. E posso levá-lo, agora?

– Pode, sim, à vontade, senhor.

– Está bem. Obrigado pelo serviço.

– Nada por isso, Sr. Miguel e volte sempre.

Era um dia de sol, naquela tarde de segund. – feira, e no trabalho do Sr. Américo as coisas iam calmamente.

– Chefe, como foi o almoço? Perguntou o Sr. Américo, pai do Tino ao Sr. Rafael, pai de Batinho.

– Foi óptimo, o almoço… a Petisco Gigi hoje ofereceu um prato novo à disposição dos seus clientes. É uma comida portuguesa, um tal framboesa… E advinha quem esteve hoje como convidado no restaurante a cantar.

– Bessa Teixeira? Perguntou o Sr. Américo.

– Não. Ela nasceu cá, mas vive na capital. Suas músicas têm sido um referencial angolano… vai lá, tu consegues Américo.

– Hammm, ok, Pérola?

– Positivo. Ela esteve deslumbrante hoje. Música ao vivo, comida boa e saúde boa e devias ter ido, certamente não te arrependerias. Isso eu posso assegurar-lhe.

Um Julgamento de Contos de Fadas a Colarinho Branco

Подняться наверх