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PREFÁCIO

Tenho de agradecer a Maria Cristina Francisco pelo privilégio de fazer esta pequena apresentação de um livro tão necessário, que nos prende a atenção do início ao fim. Cristina denuncia e esclarece, em uma linguagem ao mesmo tempo forte e delicada. Como manter a delicadeza e a poesia quando a verdade está nua e exposta? Precisamos entender os sentimentos que estão na raiz do silenciamento de toda uma cultura sem voz. Segundo Hector Fiorini, as culturas indígenas e africanas se entrelaçaram à portuguesa e foram perdendo a voz, até desaparecerem no vórtice da cultura europeia.

Nesse aspecto, o livro traz à luz o que de fato aconteceu na chegada dos portugueses ao Brasil e mostra como a hospitalidade do povo indígena foi ignorada pela narrativa do descobrimento. A forma como a obra ilumina a bondade dos índios, ao ajudarem os portugueses em sua chegada às terras brasileira, tocou meu coração.

Se pensarmos na questão narcísica e na analogia com Narciso e Eco, tão bem apresentada por Cristina, cabe perguntar: Em qual espelho a pessoa poderia se olhar e se identificar se a construção da imagem era distorcida e sem reflexo? No espelho das identificações, aparecem idealizações e carências narcísicas. Então, como se espelhar numa mãe sofrida, abusada, deprimida, escravizada e se ver inteira e construir o próprio narcisismo com idealizações e orgulho de si mesma? Foi uma construção de um corpo solitário e resiliente parindo a si mesmo; uma construção de imagem fragmentada que provocou tanto espanto e estranhamento na criança, no momento da descoberta da cor. No contato com essa realidade, e percebendo-a de forma distorcida, se escondia, na tentativa de se proteger dos ataques da branquitude vigente.

“Cair no corpo é cair em si”, afirma Alexander Lowen. Nesse contexto de exclusão, como cair num corpo tão sofrido, reprimido, cortado de seu país e de seu chão? Como fazer esse grounding tão necessário quando se está em terra estranha?

A leitura deste livro é um soco na alma! Traz um novo olhar sobre o preconceito sofrido por um povo inteiro, por gerações e gerações. Preconceito que não dá trégua para que se possa respirar e se tomar fôlego. E nos tornamos testemunhas de como o silêncio e a distância desses homens e mulheres de si mesmos e das próprias emoções se transformam em dor e submissão.

Bert Hellinger (1925-2019)2 estava convencido de que, enquanto o Brasil não pedir desculpas aos escravizados e honrá-los, o país nunca terá paz e progresso. Será que isso basta?

A branquitude tem que descer de seu altar e pedir perdão. O silêncio tem que ser rompido, e a história deve ser contada e recontada para que todos possam ouvi-la.

É imperativo que a transgeracionalidade seja regra, e que as grandes rainhas, reis e chefes de tribos da África, que existiram de fato e que, no Brasil, perderam o direito de reinar, sejam reconduzidos ao lugar a que têm direito.

Liane Zink

Trainer Internacional de Análise Bioenergética e Trainer Senior em Biossíntese

2 “Hert Hellinger estudou filosofia, teologia e pedagogia e trabalhou durante 16 anos como membro de uma ordem missionária católica junto aos zulus na África do Sul. Mais tarde, estudou psicanálise e chegou, através da dinâmica de grupo, da terapia primal, da análise transacional e de diferentes processos hipnoterapêuticos à sua própria terapia familiar e sistêmica. Com o desenvolvimento de sua forma condensada de constelações familiares, Bert Hellinger conseguiu ampliar as possibilidades de intervenção terapêutica que, hoje em dia, é alvo de muito respeito também no âmbito internacional. A atuação de Hellinger ultrapassa em muito a sua área, pois ele transmite de maneira clara e compreensível aspectos essenciais sobre as ordens do amor e da vida” (NEUHAUSER, 2006, primeira orelha da capa).

Olhos negros atravessaram o mar

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