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HISTÓRIA COLONIAL E ESCRAVIZAÇÃO NO BRASIL

Ninguém ouviu

Um soluçar de dor

No canto do Brasil

Um lamento triste

Sempre ecoou

Desde que o índio guerreiro

Foi pro cativeiro

E de lá cantou

Negro entoou

Um canto de revolta pelos ares

No Quilombo dos Palmares

Onde se refugiou

Fora a luta dos Inconfidentes

Pela quebra das correntes

Nada adiantou

E de guerra em paz

De paz em guerra

Todo o povo dessa terra

Quando pode cantar

Canta de dor

E ecoa noite e dia

É ensurdecedor

Ai, mas que agonia

O canto do trabalhador

Esse canto que devia

Ser um canto de alegria

Soa apenas

Como um soluçar de dor

(Canto das Três Raças, Mauro Duarte e Paulo Cesar Pinheiro; intérprete Clara Nunes, 1976)

Para conhecimento e compreensão da nação brasileira e de seus habitantes, faz-se necessário conhecer sua história e como ela foi constituída. Saber quais foram as primeiras percepções sobre esse Novo Mundo, a construção de um imaginário sobre a terra e os povos originários, sua formação social com a colonização europeia inicial (portuguesa, holandesa e francesa) e o regime de trabalho escravo, bem como os sistemas de governo e as transições políticas, econômicas, a mistura de culturas e costumes que influenciaram sua identidade. Considerar a hierarquização vertical nas relações raciais (indígenas, brancos e negros), suas condições subjetivas e simbólicas. E fundamentalmente o silêncio, tentativas de esquecimento, negando sua própria realidade e a amplitude das consequências desastrosas e estruturantes dessa escolha deste país na vida política, social e psíquica até os tempos atuais.

Somos seres humanos; nossas histórias e trajetórias não podem ser esquecidas, precisam ser resgatadas para ressignificação e valorização do lugar que ocupamos na sociedade. Os negros e os indígenas são os que mais sofrem com a escolha deliberada desse esquecimento, com a desqualificação de povos, o extermínio de etnias e a não demarcação de suas terras. Negros e povos originários desta terra constroem o país até hoje com sua força, seus braços, seus conhecimentos, na luta pela preservação ambiental. Com um recente passado ainda presente, estamos todos traumatizados com a devastação provocada pela violência da colonização e do tráfico humano, e pela guerra constante pelo direito à terra e à sobrevivência.

Estima-se que viviam em torno de oito a quarenta milhões de habitantes em nosso território; algumas tribos com uma história de 2000 a 3000 anos e os guaranis tendo em torno de 4000 anos na compreensão de si como povo. Habitavam aqui mais de mil povos, em sociedades complexas e estratificadas; falavam diferentes línguas e tinham diferentes culturas (AS GUERRAS DA CONQUISTA, 2018)8. Entre 1516 e 1557, durante a chegada invasiva dos europeus a este território, as primeiras impressões do contato desses povos com os nativos foram carregadas de um olhar distorcido em relação a essa outra cultura e comportamentos, desconhecidos pelo branco. Alguns relatos revelam o encantamento com um lugar percebido como paradisíaco, mas também a estranheza com relação aos costumes do povo nativo, os verdadeiros donos das terras.

“Nus estão os homens e as mulheres.” [....] Foi, aliás, outro cronista, o português Pedro Gândavo, que sintetizou tal tipo de percepção, concluindo que a língua dos gentios pela costa carecia “de três letras, scilicet, não se acha nela F, nem L e nem R, coisa digna de espanto, porque assim não tem Fé, nem Lei, nem Rei.”

O suposto era que os habitantes deste Novo Mundo – que só era “novo” em relação à designação que os europeus deram a si próprios, como habitantes de um Velho Mundo – eram “outros” e apreendidos pela “falta”. Nesse caso, a diferença não era sinal de mais, e sim de menos, pois implicava a carência de costumes, de ordem e responsabilidade. Foi assim que hábitos como o canibalismo, a poligamia ou a nudez incendiaram a imaginação europeia, que migrava do Oriente para a América maravilhada com os trópicos, porém avessa a essa que seria uma nova humanidade, mas já decaída de costumes.

[....] Em 1534, Paulo III estabelecia uma bula papal que confirmava a “humanidade” dos nativos do Novo Mundo e lhes conferia “alma”. Mas a desconfiança se mantinha e os nativos brasileiros seriam motivo para todo tipo de teoria (SCHWARCZ, 2018, p. 403-404).

Nos diversos territórios ocupados fora da Europa, os relatos históricos foram feitos por brancos que, muitas vezes, sustentavam as versões que lhes convinham, brancos intelectuais que propagavam versões sobre o povo negro. O povo negro comporia, em sua visão, certos aspectos negativos, como inferioridade intelectual, serem feiticeiros, de beleza inferior e outros desqualificativos. Inicia-se, assim, o processo de construção de uma ideologia universal da brancura. O homem europeu, olhando para si diante do espelho, narcisicamente constrói a ideia do branco como tendo o sentido universal de humanidade, civilização, razão, desenvolvimento cultural, religião, ciência, beleza, tecnologia – correspondendo em termos psicanalíticos ao Ego e ao Superego - e uma determinada ideia do outro (o indígena, o asiático e o negro) como tendo o sentido específico, como um corpo sensualizado, instintivo, profano, emocional, selvagem – correspondendo ao Id.

No entanto, para sermos justos, a história deveria ter três versões. Abaixo estão impressões do povo africano, apresentando no mínimo estranheza ao avistar as caravelas europeias:

[....] Quem olhasse da praia uma caravela, bem podia tê-la, com efeito, por um grande pássaro pousado no oceano, as duas velas latinas a simularem asas.

[....] De perto, os forasteiros não diferiam muito dos árabes e dos berberes azenegues do Saara: o mesmo cabelo liso e longo, o mesmo nariz comprido, os mesmos lábios estreitos e uma pele ainda mais desbotada. Quase tão desbotada quanto a dos albinos. A sua cor mais assemelhava à dos espíritos, que são brancos, do que à de gente viva. [....] E como cheiravam mal os que desciam dos escaleres para a praia! O branco fedia a defunto – fede a carne podre até hoje. Naquela época, quando só raramente se banhavam – e quase nunca nos barcos -, o mau odor dos portugueses devia ser acentuado pelas roupas pesadas, que, nos marinheiros e soldados, não se trocavam desde o início da viagem. As condições higiênicas nos navios eram mais do que precárias: os seus cascos tresandavam a urina, fezes, inhaca, ratos mortos e comida estragada, e seus tripulantes vinham cheios de pulgas e piolhos (SILVA, 2002, p. 149).

Transcrevo abaixo o discurso do indígena, historiador e filósofo Ailton Krenak, no episódio “As guerras da conquista” do documentário já citado, sobre os primeiros contatos entre os povos originários do Brasil com a chegada dos europeus:

Os povos (diversas tribos) se relacionavam entre si. Quando os brancos chegaram foram admitidos como mais um na diferença e se os brancos tivessem educação eles poderiam ter continuado vivendo com aqueles povos e produzido outro tipo de experiência, mas chegaram com a má intenção de assaltar esta terra e escravizar o povo que vivia aqui. Foi o que deu errado. [...] Quando os europeus chegaram aqui, eles podiam ter todos morrido de inanição, escorbuto ou qualquer outra pereba neste litoral e se os indígenas não tivessem acolhido eles e ensinado a andar aqui, dando comida para essa gente, porque eles não sabiam nem pegar um caju, aliás não sabiam que caju era uma comida. Eles chegaram aqui famélicos, doentes e fediam, segundo Darcy Ribeiro9. Baixou uma turma na nossa praia que estavam simplesmente podre. A gente podia ter matado eles afogado. Durante muitos mais de cem anos o que os índios fizeram foi socorrer brancos flagelados chegando na nossa praia (AS GUERRAS DA CONQUISTA, 2018).

Os povos têm suas referências, práticas e entendimento, e sua maneira própria de transmissão de valores. O conhecimento do povo africano se faz tradicionalmente pela transmissão oral, conhecida como Griot ou Griotte (no caso de mulheres) – pessoa, contador de histórias, conhecido por sua sabedoria e transmissão de conhecimento (canções, lendas, mitos) (LIMA; NASCIMENTO; OLIVEIRA, 2009). Os povos indígenas também se utilizam dessa técnica oral para transmissão de conhecimento, contando sobre as aventuras dos antepassados ao se reunirem de maneira interativa e imaginativa, formando futuros adultos.

Na colonização, tudo isso é desconsiderado. Conduz-se o corpo para o lugar de produção e mão-de-obra, entretanto estando os brancos cientes de que muitos escravizados eram sabedores da riqueza das matas (indígenas) e que alguns povos da África dominavam a técnica da mineração, eram letrados e comerciantes. Os senhores dos engenhos e mineração, no momento da compra, levavam essas qualidades em consideração e posteriormente se apropriavam desse conhecimento, expropriando o saber do verdadeiro conhecedor.

Podemos verificar um resultado dessa narrativa enviesada sobre o povo negro, esse outro já de início desqualificado, em algumas elaborações do pensamento ocidental. Machado e Loras (2017), por exemplo, citam Immanuel Kant, um dos principais filósofos da Era Moderna, para evidenciar o eurocentrismo desse filósofo e, claro, todo o parecer moral sobre o que está fora da universalidade da beleza e inteligência (a do branco). Trata-se de uma citação da obra Observações sobre o sentimento do belo e do sublime, de 1764:

Os negros da África não possuem, por natureza, nenhum sentimento que se eleve acima do ridículo. O senhor Hume desafia qualquer um a citar um único exemplo em que um negro tenha mostrado talentos e afirma: dentre os milhões de pretos que foram deportados de seus países, não obstante muitos deles terem sido postos em liberdade, não se encontraram um único sequer que apresentasse algo grandioso na arte, ou na ciência, ou em qualquer outra aptidão; já entre os brancos, constantemente se arrojam aqueles que, saídos da plebe mais baixa adquirem no mundo certo prestígio, por força de dons excelentes. Tão essencial é, portanto, a diferença entre essas duas raças humanas, a qual parece ser tão grande em relação às capacidades mentais quanto à diferença de cores. A religião do fetiche, tão difundida entre eles, talvez seja uma espécie de idolatria, que se aprofunda tanto no ridículo quanto parece possível à natureza humana (KANT, 1993 apud MACHADO; LORAS, 2017, p. 18-19).

No entanto, uma questão importante se coloca: por que traficar e explorar pessoas? Normalmente, a resposta é econômica: o mercado capital sobre a necessidade humana. O termo “economia” vem do grego oikos (casa) e nomos (costume ou lei); logo, economia teria o significado original de satisfazer as necessidades da casa. Os recursos da Europa estavam limitados e as necessidades eram cada vez mais ilimitadas, seja pelo crescimento populacional, seja pelo desejo de elevação do padrão de vida. Era preciso abastecer esse continente com matéria-prima para o mercado. Para encontrar e explorar novos territórios, conseguir especiarias e localizar pedras preciosas (ouro, diamante) para a mineração e para a agricultura, seria necessário obter mão-de-obra.

Com o pioneirismo de Portugal, a África passou a ser um local para fornecer esse produto de comércio, os corpos negros (adquiridos, vendidos, arrendados ou herdados), pois os portugueses tinham contato com o continente africano desde o século XIV. Eles foram responsáveis pelo tráfico da maioria dos 12 milhões escravizados. Só no Brasil chegou a quase metade de todo o comércio do corpo humano, mudando drasticamente a realidade da vida e costumes, desenraizando o nativo do seu habitat.

Resquícios desse passado se apresentam em nosso presente, de maneira que a pessoa negra, mesmo nascida no Brasil nos tempos de hoje, passa a se sentir um estranho, alguém a quem foi negado seu espaço, sua voz, melhor dizendo, foi instituído, sim, um lugar, mas de subalternidade. Eis um relato de uma pessoa negra: “Meu lugar é da indigência, como se eu não existisse, tenho vergonha”.

Podemos dizer que um país é racializado quando há uma fixação de valores e sua manutenção sobre o outro humano é estabelecida na hierarquização racial. O racismo se utiliza dessa lógica classificatória relacional na pretensão de dominar ou exterminar um povo.

No século XIX, o racismo se sustentou nos conceitos da biologia para explicar a diversidade humana e as diferenças entre as raças no campo moral, psicológico e intelectual, alegando o clima tropical, o local de origem e a diferença da cor da pele não branca como responsáveis pelo surgimento de comportamentos não civilizados e subdesenvolvidos. Nesse período ganha abrangência o racismo científico, sendo a cor da pele, a origem geográfica e seus costumes características de um povo considerado inferior10.

A escravidão humana ocorre de diferentes formas desde a Antiguidade e é praticada por várias civilizações, como pelos povos que guerreavam entre si e faziam dos perdedores seus prisioneiros e mulheres como escravas sexuais, ou ao lhes retirar os direitos em todos os sentidos. Alinhada às necessidades sociais de cada época, a escravização posteriormente tornou-se um valor econômico. Consolidadas as justificativas para validar o comércio de humanos, escravizar passou a representar o maior lucro encontrado para o enriquecimento e o tráfico passou a ser a mais próspera das práticas mercantis da época. Assim, ampliou-se a possibilidade de expandir a escravização, sendo Portugal o principal país na massificação do comércio do tráfico atlântico.

No início do século XVI, as populações indígenas já eram submetidas ao trabalho forçado nos engenhos de açúcar, não sem antes guerrear e tentar livrar-se dos invasores. Mas, com o declínio dessa população devido à violência colonial – costumes e tradições violadas, desumanização, crueldade, desprezo pela vida humana, contágio por doenças trazidas pelo homem branco -, a África seria o local encontrado para traficar mais mão-de-obra. Países como Portugal, Espanha e posteriormente Inglaterra, Holanda e França tinham como destino o Caribe e América do Norte; Dinamarca, Prússia, Suécia também foram fomentando os cativeiros. Antes do tráfico negreiro, o destino dos vencidos nas tribos do continente africano costumava ser a morte em combate ou o aprisionamento.

A constituição social de um país se conhece através da sua organização socioeconômica, seu modo de produção. No século XVI, no Brasil, ocorreu o regime escravista colonial português, que durou até 1888, portanto por 354 anos, e marca ainda hoje profundamente a vida cotidiana brasileira, estruturada a partir das relações de mando e obediência.

[...] Do século XVI até 1850 no período colonial e no imperial, o país foi o maior importador de escravos africanos nas Américas. Foi ainda a única nação independente que praticou maciçamente o tráfico negreiro, transformando o território nacional no maior agregado político escravista americano [...] (ALENCASTRO, 2018, p. 57).

Quase seis milhões de africanos traficados de diversos países desse continente passaram a viver em terras brasileiras. Com esse imenso contingente humano e uma sociedade com os brancos em minoria, o recurso da violência se sustentou como marcador de intimidação e dominação.

Propriedade e sujeição pessoal. A escravidão é uma categoria social que, por si mesma, não indica um modo de produção. Como escravidão doméstica – forma exclusiva sob a qual existiu em vários povos – sua função é improdutiva. Mesmo com função produtiva, a escravidão pode aparecer de maneira mais ou menos acidental e ser meramente acessória de relações de produção de tipo diferente. No entanto, desde que se manifesta como tipo fundamental e estável de relações de produção, a escravidão dá lugar não a um único, mas a dois modos de produção diferenciados: o escravismo patriarcal, caracterizado por uma economia predominantemente natural, e o escravismo colonial, que se orienta no sentido da produção de bens comercializáveis. [...] cabe indagar o que caracteriza a escravidão como categoria sociológica.

A característica mais essencial, que se salienta no ser escravo, reside na condição de propriedade de outro ser humano (GORENDER, 1985, p. 46).

A experiência de ser capturado ocorria muito antes de estar no lugar alojado no navio negreiro, por vezes distante da costa africana. Eram amarrados pelo pescoço e pernas; caminhavam distâncias longas, eram privados de água e alimento, sob o sol escaldante do continente. A tortura iniciava desde a sua captura. A viagem do navio negreiro durava em torno de três meses no cruzamento do Atlântico11.

Sobre a experiência de estar no navio negreiro, trazemos relatos do romance Um defeito de cor.

[...] O navio tinha dois porões, e o de baixo, onde fomos colocadas, era um pouco menor. Também não tinha qualquer entrada de luz ou de ar.

[....] Os tocheiros iluminavam rapidamente o caminho e os rostos dos que chegavam, acompanhados da ordem de nos deitarmos um ao lado do outro, com as cabeças apoiadas na parede do navio, que déssemos uma volta completa. E depois mais uma volta no interior, e mais uma terceira, sendo que muitos ainda sobraram de pé e foram empurrados por cima dos que já estavam deitados. [....].

Durante dois ou três dias, não dava para saber ao certo, a portinhola no teto não foi aberta, ninguém desceu ao porão e estava quase impossível respirar. Algumas pessoas se queixavam da falta de ar e do calor, mas o que realmente incomodava era o cheiro de urina e de fezes. [....]. As pessoas enjoaram inclusive nós, que vomitamos o que não tínhamos no estomago, pois não comíamos desde o dia da partida. O corpo também doía, jogado contra o chão duro, molhado e frio. [....]. Quando uma pessoa queria se mexer, as que estavam ao lado dela também tinham que se mexer, o que sempre era motivo de protestos. [....].

Os guardas colocaram os homens em fila e, um por um, tiveram que dizer o nome africano, o que podia ser revelado, e é claro, e o lugar onde tinham nascido, que eram anotados em um livro onde também acrescentavam um nome de branco. Era esse nome que eles tinham que falar para o padre, que então jogava água sobre suas cabeças e pronunciava algumas palavras que ninguém entendia.

[....] Alguém lembrou que o padre também tinha dito que, a partir daquele momento, eles deviam acreditar apenas na religião dos brancos. [....].

[...] Talvez tivessem nos deixado tantos dias sem comer para que, mesmo com raiva, ficássemos suficientemente fracos para não reagir. [....] Cada um recebeu a sua parte (carne salgada, farinha e feijão). Cada um recebeu a sua parte em cumbucas de casca de coco, e foram distribuídas algumas vasilhas de água que passaram de mão em mão e não foram suficientes nem para metade de nós, tamanha a sede. Mas, na manhã seguinte, três homens apareceram mortos, tinham se enforcado durante a noite. [....].

[....] e nos dias seguintes outras pessoas adoeceram. [....]. Alguns diziam que era porque estávamos ali havia muitos dias, no meio daquela imundície toda, respirando um ar que não era de gente respirar, sem ver o sol, sem tomar chuva, sem nos lavarmos, sem comer e sem beber água direito. [....] Olharam pela portinhola aberta no teto e logo mandaram fechar. Voltaram mais tarde, com os rostos cobertos por panos [....]. Somente os olhos deles estavam de fora, e percebi que tinham um olhar de nojo e medo. [....] Escolheram alguns homens mais fortes e fizeram com que eles tirassem dali mais dez pessoas, todas muito doentes, que depois soubemos terem sido jogadas ao mar.

[....] A comida começou a apodrecer por todo o chão do navio, porque muitos, e eu também, já não tínhamos mais apetite, e ao cheiro dela se juntava o cheiro de xixi, de merda, de sangue, de vômito e de pus. Acho que todos nós já queríamos morrer no dia em que abriram a portinhola e mandaram que nos preparássemos para sair. [....].

[....] Tentei me levantar e caí várias vezes antes de conseguir me manter de pé, não só por causa da fraqueza, mas porque as pernas pareciam ter se desacostumado do peso do corpo, sempre deitado. [....].

[....] Foi só à luz do dia que percebi como parecíamos bichos, sujos e feios...[....].

[....] Não sei dizer o que senti, se tristeza, se felicidade por continuar viva ou se medo. Mas a pior de todas as sensações, mesmo não sabendo direito o que significava, era a de ser um navio perdido no mar, e não a de estar dentro de um. Não estava mais na minha terra, não tinha mais a minha família, estava indo para um lugar que não conhecia (GONÇALVES, 2012. p. 45-46, 48-51, 53, 56-58, 61).

O povo negro chegava da África de vários portos, direcionado para todo o território do país (Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Porto Alegre, Bahia, Pernambuco, norte do país - Amazônia). Já nos EUA, a concentração ocorreu predominantemente no sul, pois no norte havia outro modelo econômico. Com essa observação, nota-se que todo o território brasileiro passou a conviver com os estereótipos negativos sobre o corpo negro.

A migração forçada foi principalmente de homens jovens adultos. Uma vez comprados por um “senhor”, eram transportados para as fazendas, para os engenhos de cana-de-açúcar e depois para a produção de café. Durante o século XVIII, algumas regiões se destinavam à mineração de ouro e diamante. Os demais iam para a região urbana (sobrados, igrejas), e as mulheres puérperas serviam como amas de leite.

Os escravizados passavam a viver em alta vulnerabilidade de vida devido à ausência de tudo; as mulheres sofriam a ameaça da violência sexual do seu “senhor”; a maioria vivia em péssimas condições nas senzalas (moradia) - locais insalubres, desumanizados, brutalizados -, além de haver o uso da chibata e do tronco como formas de castigo e opressão (“lição pública”). Nessa exposição, eram exibidas a todos as consequências da rebeldia. As crianças não saíam impunes - a surra de vara e de palmatória ou purgantes amargos tinham seu uso recorrente como reprimenda. Essa cotidiana realidade perversa vivenciada certamente levava a um estado de tensão corporal absurdo. Sentimentos como banzo (melancolia - luto pela falta de sua terra natal) e desconfiança constante eram presentes. Viver sem esperança de liberdade ou de sonhos de alforria, praticamente impossíveis - acreditamos que essa condição gerou muito desalento, raiva e desamparo, uma tragédia na condição humana.

No entanto, na luta pela sobrevivência, mesmo em condições dificílimas de fuga, com a prática da luta capoeira, os quilombos se firmaram como uma realidade possível. Durante esse período, houve outras formas de resistência do povo negro, como suicídios (comer terra até a morte ou infligir-se envenenamentos).

Neste ponto, será importante discorrer um pouco sobre o significado dos quilombos. Ao fazer a crítica do conceito de quilombo estabelecido pelo Conselho Ultramarino, Alfredo Wagner Berno de Almeida, em Os quilombos e as novas etnias (2011, p. 39), mostra que aquela definição se constitui basicamente de cinco elementos: 1) fuga; 2) quantidade mínima de “fugidos” definida com exatidão; 3) localização marcada por isolamento relativo, isto é, em “parte despovoada”; 4) moradia consolidada ou não; 5) capacidade de consumo traduzida pelos “pilões” ou pela reprodução simples que explicaria uma condição de marginal aos circuitos de mercado.

O conceito de quilombo não pode ser territorial apenas ou fixado num único lugar geograficamente definido, historicamente “documentado” e arqueologicamente “escavado”. Ele designa um processo de trabalho autônomo, livre da submissão aos grandes proprietários. Neste sentido, não importa se está isolado ou próximo das casas-grandes. Há uma transição econômica do escravo ao camponês livre, que só indiretamente passa pelo quilombo no caso do Frechal. O que não foi concebido no lugar onde se ergueu o quilombo, foi obtido a partir de debilitado o poder da casa-grande e bem junto a ela. Este talvez seja o elemento mais controvertido e que dificulta aos historiadores ortodoxos entender a dinâmica do que seria a “essência” do significado de quilombo (ALMEIDA, 2011, p. 45).

Se por um lado existia a Senzala, por outro existia a Casa Grande, que representava o poder nos engenhos e fazendas, habitadas pelos senhores das terras e seus familiares, lugar de privilégios para os brancos.

A senzala foi uma forma de moradia de populações escravizadas, vindas do continente africano num movimento conhecido por Diáspora Africana, ou a vinda compulsória de sujeitos para o trabalho no sistema escravista na colônia portuguesa.

A forma de moradia das populações escravizadas, conhecidas por senzalas, estavam diretamente relacionadas à casa-grande. Enquanto os senhores e suas famílias viviam sob a casa-grande, escravizados serviam a eles e moravam em habitações com poucos recursos e conforto. Essa relação traz o aspecto da intimidade para as relações entre senhores e escravizados e são essas relações que Gilberto Freyre utiliza para pensar a formação da sociedade brasileira patriarcal em seu livro Casa Grande e Senzala, datado de 1933. O intelectual destacava que tanto a casa-grande como a senzala representavam um sistema político, econômico, social e sexual. As relações que se davam entre essas duas esferas serviam para equacionar as diferenças gritantes existentes na sociedade.

A experiência das senzalas existe desde o início da experiência da escravidão na América Portuguesa. Desta forma a moradia em questão esteve presente do século XVI ao XIX, ou seja, dos engenhos de açúcar, das minas de ouro às fazendas do cultivo de café. Elas foram a principal forma de moradia dos períodos colonial e imperial.

A senzala faz, portanto, parte da vida cotidiana de sujeitos escravizados, envolvendo formas de organização social, resistência e convívio social. A palavra tem origem africana e significa morada, entretanto a forma de moradia era estabelecida pelos senhores, que cuidadosamente preveniam fugas colocando grades nas poucas janelas existentes e instalando à frente da senzala o pelourinho – tronco destinado aos castigos físicos da população escravizada. Essa estratégia era utilizada a fim de utilizar o castigo como forma exemplar aos demais e inseria as sevícias na vida cotidiana e na morada desses homens e mulheres (ANDRADE, s.d., s.p.)

Outra faceta da violência estava no lugar destinado às amas de leite12. Amas de leite, mulheres que amamentavam e que precisavam abandonar seu próprio filho recém-nascido, tirando o leite, a proteção, a educação, o contato do afeto para ambos, e passavam a amamentar os bebês e cuidar das crianças menores dos senhores. Dentro do estereótipo estabelecido naquele período, criou-se um imaginário sobre essas amas. Idealmente vistas como dóceis, benevolentes, símbolos de carinho e devoção aos senhores, essas mulheres negras puérperas eram designadas para esse lugar quando as senhoras brancas não podiam ou não queriam cuidar ou amamentar. Isso também ocorria por carregarem a crença de que a mãe branca seria frágil e seu leite seria fraco, e o leite das mulheres negras seria mais abundante e forte13, além de serem consideradas mais robustas.

Era uma prática da elite europeia, introduzida nos costumes das colônias. Esse imaginário foi sendo construído, uma vez que as mucamas (as que prestavam serviços domésticos) e as amas de leite, principalmente, conviviam no espaço interno da casa da família senhorial de modo mais íntimo. É possível que desempenhassem outras tarefas domésticas, quando os menores estivessem dormindo. Na intimidade, as relações chegavam a ser tensas; as amas pareciam ter sentimentos de desalento14.

Essa relação vertical e de ilusória intimidade tornou-se complexa. Nas polaridades, se posicionavam sentimentos de afeto e tensão, proximidade e violência. Essas mulheres negras conviviam com o controle, as humilhações, os castigos físicos e os caprichos das mães e senhores. Acreditamos que sentimentos de inveja e ciúmes poderiam surgir por parte dos pais, pois naturalmente o bebê passava a ter vínculos afetivos mais fortes com as amas.

As mulheres negras precisaram desenvolver um lugar de resistência para suportar o luto, a dor pela ausência do filho, e propiciar paradoxalmente um sentimento afetivo para com a criança branca, que não era seu filho e nunca seria. As consequências dessa violência, no mínimo, destituíram a mulher negra de sua essência feminina, do seu lugar de entrega de afeto relacional amoroso, perpetrando um lugar solitário e de solidão.

As amas tinham valor comercial muito rentável para os senhores e, com isso, evidenciava-se mais uma forma de exploração do corpo feminino, além da prática de serem objeto de exploração sexual. Entre os indígenas e os negros, a amamentação era valorizada, mas para o branco a prática era considerada deselegante na época colonial, sem valor social e afetivo, daí a função da ama de leite. Essa configuração se torna perversa e traumática na história dessas mulheres. Afastadas do convívio da comunidade e família, sua maternidade era negada por não poder cuidar de seus próprios filhos; eram obrigadas ao desmame precoce de seus bebês, que se tornavam ignorados nesse sistema. Muitas vezes foram colocados na roda dos expostos (abandonados) das instituições religiosas e foram vendidos. Com os vínculos afetivos e de amor rompidos, gerou-se maior mortalidade infantil, muitas vezes por fome e alimentação inadequada. Quando seu bebê permanecia consigo, seu trabalho era dobrado e o bebê branco era prioridade. Mesmo com melhor alimentação e vestuário, o cansaço era extenuante e cruel.

Em relação às crianças nascidas em condição de cativas, podemos afirmar que sua infância foi roubada. Mesmo com pouca idade, por volta dos cinco anos estavam envolvidas com tarefas domésticas, como cuidar dos animais. Passavam a ser “brinquedo” das crianças brancas e alvo de tiranias infantis. Fora da Casa Grande, desempenhavam tarefas na lavoura, recolhiam grãos de café caídos ao chão. Aos catorze anos, já eram considerados adultas. As relações de desigualdade entre a criança branca e a negra foram naturalizadas desde cedo. No período pós-abolição, algumas crianças foram mantidas pelos senhores na intenção enganosa de lhes ensinarem um ofício, uma instrução, mas na verdade estiveram submetidas por anos a trabalhos de exploração, sem salário, na forma de “tutoria”15. Eram tratadas como membros da família, porém trabalhavam como serviçais, sem ter acesso à educação (FARIAS, 2017, p. 19).

Diante das condições exploratórias, as doenças eram agravadas por carências nutricionais e pelo trabalho extenuante e castigos. Certamente não incidiam apenas nessa população, no entanto, dependendo do tipo de doença, pode-se associar uma doença ao tipo de trabalho a que se está submetido. Havia uma rede de solidariedade horizontal entre os iguais, com confiança principalmente nos curandeiros. O tratamento vinha do conhecimento e da religiosidade ancestrais e do uso de ervas medicinais. Na metade do século XIX, surgiram nas cidades casas de saúde e maternidade, onde passaram a ser admitidos.

Alguns que conseguiam comprar sua liberdade faziam diversas tarefas, como de carregadores de liteiras, barbeiros, curadores; negociavam frutas ou fabricavam doces caseiros e refrescos; faziam a prática de sangradores – sangrar e aplicar sanguessugas e ventosas. Podiam ser “escravos de ganho”, alugados, emprestados; vendiam de tudo para “seus senhores e/ou sinhás”, e algumas mulheres eram parteiras.

No estado de São Paulo, a população foi formada pelo povo indígena, pelo branco e pelo negro, e a formação da população integrada por esses povos esteve engendrada no processo de trabalho escravizado desde o início do século XVI. No final do século XVIII, o estado passou a ser o local apropriado para o plantio e produção do café e, em 1870, já abrigava a terceira maior população escravizada negra do país.

O processo de abolição da escravatura no Brasil foi gradual. Houve muita luta e pressão da sociedade através de libertos, abolicionistas e simpatizantes à causa. Iniciou com a Lei Eusébio de Queirós, de 1850, seguida pela Lei do Ventre Livre, de 1871, a Lei dos Sexagenários, de 1885, e foi finalizada pela Lei Áurea. Essa lei foi apresentada formalmente ao Senado Imperial por Rodrigo Augusto da Silva, em 11 de maio de 1888. Sofreu influência da Guerra do Paraguai, pois os negros lutaram nesse período e passaram a ser vistos como “irmãos de arma” (TORAL, 1995).

Sancionada a Lei Áurea (Lei Imperial n.º 3.353, sancionada pela princesa regente do Brasil Dona Isabel, em 13 de maio de 1888, no Rio de Janeiro), colocando fim ao trabalho forçado, abruptamente mudou-se um regime. Podemos notar nos dois artigos da lei:

Art. 1º É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil.

Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário – Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888 (BRASIL, 1888).

Não houve políticas públicas de educação, saúde ou habitação para inclusão dessa população na sociedade. Com o povo nas ruas sem nenhuma reparação, inclusive psíquica, a reprodução da condição imposta de exclusão por centenas de anos continua a existir, e nas elites revela-se o medo de conflitos e de mudanças em sua posição social de privilégios.

Após um ano da abolição da escravatura, o Império se enfraquece e a ideia de República se fortalece. Em uma das estrofes do Hino da Proclamação da República citada abaixo, nota-se a intenção dos republicanos em “esquecer” a barbárie da escravidão. Assim, percebe-se que não houve elaboração desse processo, e o silêncio opressor, a surdez e a cegueira da visão passaram a ser estratégias defensivas de negação da realidade.

Nós nem cremos que escravos outrora

Tenha havido em tão nobre País...

Hoje o rubro lampejo da aurora

Acha irmãos, não tiranos hostis.

Somos todos iguais! Ao futuro

Saberemos, unidos, levar

Nosso augusto estandarte que, puro,

Brilha, avante, da Pátria no altar!

(HINO DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA).

Sem o tráfico humano, o povo antes escravizado estava envelhecendo e a mão-de-obra tornava-se insuficiente. Uma vez que a maioria da população era composta por descendentes de africanos e negros, certos intelectuais, preocupados com a construção da identidade nacional, optaram pela vinda de imigrantes europeus brancos para “melhorar” os brasileiros, com o ideal do branqueamento.

Mas o mais impressionante sobre a população livre de cor no Brasil, em comparação com os regimes escravistas das Índias Ocidentais e dos Estados Unidos, é o seu rápido crescimento e o tamanho desse segmento populacional, que superava a população escrava total do início do século XIX. No primeiro censo nacional do Brasil, em 1872, a população livre de cor somava 4,2 milhões de pessoas, contra 1,5 milhão de escravos, o que significa que as pessoas livres de cor representavam 74% da população total não branca. A população livre de cor não só superava numericamente a população branca, mas, sozinha, representava 43% da população brasileira, que era de 10 milhões de pessoas. No fim da escravidão nos Estados Unidos, as pessoas livres de cor correspondiam a apenas 11% da população total não branca e a somente 3% da população nacional (KLEIN, 2018, p. 190).

Segundo a professora Giralda Seyferth, em seu artigo “Colonização, Imigração e a questão social no Brasil” (2002, p. 117-149), a questão imigratória dos europeus ao Brasil estava em discussão desde 1818, na intenção de civilizar a nação com um novo modelo econômico, distinto do baseado em grandes propriedades e com diversificação da agricultura. No século XIX na Europa, difundiam-se os ideais do racismo científico, e intelectuais tentavam defender isso. Com esse propósito, passou-se a pensar a imigração com um duplo objetivo: branquear e europeizar o país. Consequentemente, com a vinda dos europeus, os negros libertos foram substituídos e preteridos pelo mercado de trabalho, empurrados para a margem da sociedade (bairros periféricos, com o início da formação das favelas). Ocorreu a exclusão de um povo que contribuiu para o desenvolvimento desta nação por séculos, sem nenhuma preocupação política de estabelecer critérios para diminuir a desigualdade entre os grupos formadores da sociedade brasileira. Na verdade, sem sequer considerar a contribuição do povo negro nessa formação.

Nesse período, a partir de 1889, a questão da identidade nacional e o futuro da nação eram discutidos por intelectuais brasileiros, como Oliveira Viana, Silvio Romero e Euclides da Cunha, sobre o que fazer com a grande massa de recém-libertos e a formação nacional (AGUILAR FILHO, 2011)16. Passou-se a defender a miscigenação como um valor positivo para o progresso. Desenvolveu-se a tese do “branqueamento” e, com o passar do tempo, estabeleceu-se o mito da cordialidade racial no Brasil, difundido pelos formadores de opinião no país e propagado na Europa.

Com o golpe militar em 1964, instalando-se a ditadura no Brasil, as discussões sobre a questão racial foram silenciadas em boa parte. Na década de 1970, ainda durante a ditadura, surgiu a formação do Movimento Negro Unificado (MNU) contra a discriminação racial, impulsionando ações de pertencimento e denúncias de racismo. Após a ditadura, com a Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011, instituiu-se o dia 20 de novembro como sendo o Dia da Consciência Negra. A data faz referência à morte de Zumbi, líder negro do Quilombo dos Palmares, como símbolo de resistência à opressão.

Atualmente, após 131 anos, continuamos a reproduzir essa exclusão social, negando nossa formação social, negando a barbárie e a violência sofrida pelo povo escravizado e seus descendentes. Todos nós, em lugares sociais diferentes, sofremos as consequências de negar o sofrimento, vemos a reprodução do preconceito e discriminação, muitas vezes considerada naturalizada nas mortes da juventude negra (a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil), percebemos a desigualdade prevalecendo, mas certamente nenhum cidadão brasileiro sente-se seguro e livre diante de um quadro social pontuado pelo medo e pela violência como marcadores de controle.

8 Relatos do indígena, historiador e filósofo Ailton Krenak e de outros historiadores e antropólogos no documentário Guerras do Brasil.doc., Temporada 1 - Episódio 1 – As guerras da conquista. Essa série documental detalha como o Brasil foi formado durante séculos de conflito armado, desde os primeiros conquistadores até a violência nos dias de hoje. Disponível em: https://www.netflix.com/br/title/81091385 .

9 Darcy Ribeiro (1922-1997), antropólogo, escritor e político brasileiro, conhecido por seu foco em relação aos indígenas e à educação no país. Suas ideias de identidade latino-americana influenciaram vários estudiosos latino-americanos posteriores. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Darcy_Ribeiro .

10 Sobre o tema da racialização: “Defendo que a racialização do judeu é um elemento diferenciado no antissemitismo moderno, com base na “cientifização” da sociedade. Para os intelectuais do século XIX, não caberia mais uma argumentação de inferioridade racial dos homens baseada em superstições ou meramente no argumento religioso, eram necessárias comprovações científicas, com base em pesquisas, em dados adquiridos a partir da observação e dos estudos sociais e biológicos para se definir a inferioridade de um grupo social, e/ou povo, normalmente denominado de raça ou sub-raça, com o interesse de apartar e/ou exterminar o “objeto” de estudo da sociedade após a comprovação científica da impossibilidade de assimilação, ou de assimilação condicional, daquele indivíduo ou grupo numa determinada sociedade” (REHEM, 2013, p. 3).

A dominação de povos utilizando a justificativa racista ocasionou efeitos drásticos, exterminando pessoas (Holocausto) e povos indígenas, e causando a desestruturação social no continente africano. [...]“Ao estimular guerras e a expansão territorial entre reinos rivais, o tráfico gerou um quadro de instabilidade sistêmica nas sociedades africanas. Ao expor os africanos a redes de comércio responsáveis pela introdução de armas, têxteis e álcool, alimentou-se a escravização por débito. Através de guerras, sequestros ou métodos judiciais, produziu escravização crônica e difusa” (FERREIRA, 2018, p. 53).

11 Podemos ver ilustrações das condições desses navios registradas nos anexos do capítulo “Demografia da escravidão”, de Klein (2018, p. 195-196).

12 Isabel Löfgren (Estocolmo, Suécia, 1975) e Patrícia Gouvêa (Rio de Janeiro, Brasil, 1973) são artistas visuais que criaram o projeto de exposição e pesquisa Mãe Preta, originalmente de 2015 (LÖFGREN; GOUVÊA, 2018, p. 7-12). Nesse trabalho, narram a complexidade das relações da maternidade no período da escravidão e que se perpetua com nova roupagem na contemporaneidade.

13 Esse imaginário sobre a mulher negra ainda permanece; elas são vistas como mais resistentes à dor e, dessa maneira, julga-se que não necessitam de muita anestesia em certos procedimentos de saúde. No artigo “É pela vida das mulheres; violência obstétrica precisa ser debatida no país”, de Mariana de Mesquita e Ana Cristina Duarte, as autoras dizem: “Em 2018 ocorreram 44 mortes maternas para cada 100 mil partos no Brasil – 14 nos EUA e 3 na Finlândia. O assustador é que 92% destas mortes são evitáveis e 90% das vítimas são negras. E, para cada morte, outras 30 mulheres quase morrem e ficam com sequelas” – do artigo “É pela vida das mulheres; violência obstétrica precisa ser debatida no país”. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/05/e-pela-vida-das-mulheres.shtml

14 Ver algumas ilustrações da época nos anexos do capítulo “Pós-abolição; o dia seguinte”, de Fraga (2018, p. 351, figuras 115-123).

15 O documentário “Menino 23”, direção de Belisário Franca, desnuda o pensamento higienista do país em torno de 1930 e revela a nova roupagem da escravidão sob o exercício da tutela. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rYSspBodYSQ .

16 Tese de doutorado do prof. Sidney Aguilar Filho, Educação, autoritarismo e eugenia – exploração do trabalho e violência à infância desamparada no Brasil (1930-1945). “Resumo: Este texto analisa aspectos da educação brasileira entre 1930 e 1945 a partir de relatos de vida de cinquenta meninos “órfãos ou abandonados” sob a guarda do Juizado de Menores do Distrito Federal. Eles foram retirados do Educandário Romão de Mattos Duarte, da Irmandade de Misericórdia do Rio de Janeiro e levados para uma propriedade privada em Campina do Monte Alegre - SP. A transferência dessas crianças de nove a onze anos de idade foi respaldada pelo Código do Menor de 1927. Por uma década, estas crianças, foram submetidas a uma escolaridade precária, a uma educação baseada em longas jornadas de trabalho agrícola e pecuário sem remuneração. Foram submetidos a cárcere, a castigos físicos e a constrangimentos morais em fazendas de membros da cúpula da Ação Integralista Brasileira, também adeptos declarados do nazismo. Esta tese defende que os “meninos do Romão Duarte” foram vítimas de uma política do Estado brasileiro que ao estimular a educação eugênica, como definia o artigo 138 da Constituição de 1934, favoreceu a segregação de crianças e adolescentes. A documentação utilizada na narrativa fez uso de fontes oficiais, midiáticas articulando-as de forma complementar aos registros de depoimentos orais na reconstrução do período”. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/251194 e ilustrada no documentário Menino 23 (ver sinopse no final do livro).

Olhos negros atravessaram o mar

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