Читать книгу Um conto portuguez: episodio da guerra civil: a Maria da Fonte - Miguel J. T. Mascarenhas - Страница 3
PROLOGO
ОглавлениеNão ha forças humanas que nos destruam as tendencias.
Quando o pae d'um antigo poeta latino castigou severamente o filho por escrever poesias, ouviu do castigado um famoso verso heroico, como promessa de não compôr mais versos.
Desde os onze annos de idade que sinto uma irresistivel attracção para as letras.
Não frequentei escólas: apenas me ensinaram o--a, b, c. Em tal ignorancia, como chegar á realisação dos meus ambiciosos sonhos, que todos eram de vêr em letra redonda a minha «letra de mão»?!
Tive por unicos auxiliares da minha ambiciosa quanto ardua empreza, a muita leitura, de boa ou má digestão, o muito ouvido, a muita vontade, e a muita audacia, que é o fructo da ignorancia.
Tenho soffrido decepções amargas, por muitas das minhas impensadas obrinhas: se eu fui escrevedor de gazetas!...
Remirei os meus peccados, com a publicação d'este livro?...
Sugeitei a primeira parte do «Conto portuguez» á censura d'um dos mais eruditos litteratos do Minho, que se dignou fazel-a, com a pericia e imparcialidade dignas d'elle. Os seus prudentes e sabios conselhos, a que dei todo o peso, estiveram, por um triz, a matar a obra: depois de ler o bom juizo do meu sensor, tudo que eu havia escripto me parecia horrendo.
Resolvi, pois, concluir, e dar publicidade ao meu «Conto» sem continuar o prévio exame da pessoa competente a que me refiro. A rasão d'este proceder, que parece atrevido, está no vehemente desejo de ver publicada a obra, e na minha indole de hoje: tive já tanto de audacioso, quanto agora tenho de poltrão. O estudo, os annos, e tambem as doenças, concorreram para a mudança: vem sempre tarde o perfeito conhecimento da nossa ignorancia. Não curo do concerto, para não desabar o edificio. Se continuasse a apresentar o meu trabalho, como tencionei, ao mesmo excellente critico, e elle como é de crer, lhe notasse os defeitos,--morria o «Conto» com toda a certeza: morria, porque eu, por um erro apontado, desconfiava que fossem erros todas as palavras.
Seria melhor?...
São exactissimas as citações que faço tanto na parte historica como na romantica, colhidas em livros insuspeitos; e o que é acção do «Conto», sem ter allusões determinadas, é, com tudo, verdadeira: são muitos factos, meus conhecidos, desviados das épocas e logares em que se deram, atados e compostos com a arte de que posso dispôr, e postos a cargo de imaginarios personagens.
Resta-me dizer que, na pontuação, segui o systema de regular a escriptura pelas pausas do discurso. Regras, deduzidas dos principios ideologicos, e da grammatica geral, não estão ainda assentadas, e já é tarde para o serem. Assim, entendi que não errava, seguindo opiniões esclarecidissimas, que podem ser capitaneadas pela mui douta opinião do nosso immortal padre Vieira, manifestada, por exemplo, n'este famoso periodo:
«Arranca o estatuario uma pedra d'essas montanhas, tosca, bruta, dura, informe; e depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão, e começa a formar um homem; primeiro, membro a membro, e depois, feição por feição, até a mais miuda: ondeia-lhe os cabellos; aliza-lhe a testa; rasga-lhe os olhos; afila-lhe o nariz; abre-lhe a bocca; avulta-lhe as faces; torneia-lhe o pescoço; estende-lhe os braços; espalma-lhe as mãos; divide-lhe os dedos; lança-lhe os vestidos: aqui desprega; alli arruga; acolá recama: e fica um homem perfeito, e, talvez, um sancto, que se póde pôr no altar.»
Guimarães, 12 de Agosto de 1873.
Miguel J. T. Mascarenhas.