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Capítulo 3
ОглавлениеSullivan apareceu à porta do todo-o-terreno.
– Idiota! – gritou Rachel. – Assustaste-me! O que estás a fazer aqui?
– Vim… ajudar.
A tempestade levou parte da sua resposta, mas Rachel captou o essencial.
– As crianças? – gritou, preocupada.
Ele aproximou-se para lhe falar directamente ao ouvido.
– No parque. A dormir. Despacha-te para que possamos acabar isto e voltar para dentro.
Ela abanou a cabeça. Não ia passar por cima da alavanca de mudanças com aquele casaco enorme e as botas.
– Dá a volta.
Surpreendentemente, ele fê-lo sem discutir.
Rachel conduziu muito devagar até ao velho celeiro que servia de garagem. Deixou o todo-o-terreno com o motor ligado enquanto Sullivan lutava para abrir as portas enormes. Uma vez lá dentro, Rachel procurou uma manta velha e taparam o veículo.
– Podia tê-lo feito sozinha – declarou, ressentidamente.
– Guarda as unhas, gatinha. Isto não tem nada a ver com as tuas capacidades – declarou ele, sem deixar de segurar no seu lado da manta. – Sou demasiado educado para te deixar sozinha.
– Mas as crianças não estão bem sozinhas.
– Por isso é melhor trabalharmos juntos para podermos voltar para ao pé delas o mais depressa possível – argumentou ele, dando a volta ao carro. Vestira o impermeável amarelo de Rachel, que ficava justo.
Parecia forte, tranquilo, confiante e um pouco divertido enquanto tirava o seu saco do banco de trás.
Ela dirigiu-se para onde guardava o combustível para o gerador. Sentiu um aperto no coração ao ver que só teriam o suficiente para alguns dias.
Sullivan aproximou-se para pegar no combustível.
– É só isso?
Rachel sentiu-se irritada.
– Não costumo ficar sem combustível, mas estive um pouco distraída desde que os gémeos vieram viver comigo.
Todo o seu mundo mudara com a chegada de Cody e Jolie. Felizmente, a clínica veterinária dera-lhe uma baixa por maternidade para que se habituasse à sua presença e horário, mas tudo o resto mudara, até os seus artigos tinham sofrido as consequências.
Não se ocupara das suas tarefas habituais e, naquele caso, podia custar-lhe muito caro.
– É normal. Tiveste de fazer um grande esforço – assentiu ele, sacudindo a lata. – Para quantos dias chegará isto?
A sua compreensão deixou-a sem saber o que dizer.
– Para alguns dias. Um pouco mais, se tivermos cuidado. É provável que fiquemos sem electricidade, mas há muita lenha e propano. E um congelador bem recheado.
Se tivessem sorte, a tempestade de neve teria passado antes de ficarem sem combustível.
Ainda que, depois, as estradas demorassem outro dia ou dois a serem limpas. Demasiado tempo para estar com um homem que não tinha nada que invejar Brad Pitt e que tinha a mania de reagir como menos se esperava. E com dois bebés que ainda estavam inquietos depois de terem sofrido a maior tragédia das suas curtas vidas.
Que sorte!
– Então, teremos cuidado – declarou ele, com uma segurança que indicava que estava habituado a viver situações difíceis. – Precisamos de mais alguma coisa daqui?
– Sim – Rachel abriu um armário e tirou uma lanterna enorme.
Ele pegou na lanterna e saiu à frente dela, que esperou que ele fechasse as portas do celeiro.
Para ir para casa, tinha de lutar contra um muro de neve.
Com os dentes a bater e as mãos trémulas, Rachel esticou a corda que atara à cintura até ela ficar tensa, uma tarefa que foi muito difícil porque não conseguia sentir os dedos das mãos.
Sullivan também agarrou na corda. Rodeou Rachel com a sua força e o seu calor, ajudando-a a avançar.
Era difícil andar, o esforço era cansativo e o frio debilitava-a. Cada passo era uma batalha contra a natureza. O corpo de Sullivan protegeu-a do pior da tempestade e ajudou-a a continuar. Quando viu que chegavam ao canto do alpendre, sentiu-se realmente agradecida pela sua ajuda.
Faltara a luz. Rachel preocupou-se com os bebés, que estavam sozinhos em casa. Esperava que o fogo desse luz suficiente para que não estivessem assustados.
Parou e apontou para a lenha que havia ao lado da casa.
– Temos de encher o depósito de lenha! – gritou. – Talvez não possamos sair de casa durante vários dias.
Ele falou-lhe ao ouvido.
– Eu faço-o. Tu tens de entrar em casa.
– Ajudar-te-ei.
– Poupa-me os heroísmos. Se continuares a bater os dentes com tanta força, vais ficar sem eles.
Ajudou-a a chegar ao alpendre e deu-lhe o combustível e a lanterna. Ela aproximou-se para lhe dizer onde era a porta do depósito de lenha.
Ele assentiu.
– Entra em casa. Cuida dos bebés – e virou-se.
Rachel agarrou-o pelo braço.
– A corda – indicou, tentando desfazer o nó que tinha na cintura.
– Não precisarei dela. Estarei perto da casa.
Tentou ir-se embora, mas ela agarrou-o pelo casaco.
– Não. Leva a corda.
Em vez de discutir, Sullivan pegou na corda. Depois, aproximou-se dela e subiu-lhe o cachecol para lhe tapar as orelhas.
– Entra no calor da casa. Vou-me embora.
Meio congelada, cansada, e mais preocupada com ele do que queria admitir, Rachel entrou em casa com o combustível e a lanterna.
Não conseguia parar de tremer.
Para além do frio e da preocupação de estar isolada do resto do mundo, incomodava-a o facto de se inquietar pela segurança do homem que queria destruir-lhe a vida.
De todos os modos, porque é que a vida havia de começar a ser justa de repente?
Depois de tirar toda a roupa que vestira para sair, Rachel tentou aquecer as mãos com a respiração e foi aos tombos até ao tanque, que ficava ao lado da cozinha. Tinha uma lanterna e uma vela numa estante, por trás da porta. Depois, pôs o gerador a funcionar e foi ver como estavam os bebés.
Sentiu um aperto no coração ao vê-los abraçados e a dormir. Balançou-se, aliviada. Agarrou no corrimão do parque com força. Sentiu-se espantada com a sua inocência e os seus recursos.
Depois de um instante, ouviu a porta e sentiu uma corrente de ar frio.
– Como estão? – perguntou Sullivan, ficando ao seu lado.
Com sentimentos contraditórios, Rachel olhou para ele e viu que tinha o cabelo molhado e a pele vermelha do frio. Apesar de nunca o confessar, fora um alívio vê-lo aparecer.
– Bem. Continuam a dormir.
– Parecem tão tranquilos.
– Sim – Rachel virou-se para que ele não visse que tinha os olhos cheios de lágrimas. – É uma pena que não vá durar muito tempo.
– O que queres dizer?
– Se levares a tua avante, as pessoas em que deviam confiar estarão a tirar-lhes a pouca normalidade que encontraram desde que perderam os seus pais.
– Isso não é assim.
– Claro que é, mas não esqueças que eu não vou abandoná-los.
– Eh, eh! – ele segurou no rosto dela e limpou-lhe uma lágrima com o dedo polegar. – Sei que é difícil. Mas o meu amigo e a tua irmã confiaram-nos o cuidado dos seus filhos porque sabiam que o faríamos. Mesmo que seja difícil.
– Não é justo – declarou ela, afastando-se dele.
Sullivan seguiu-a e abraçou-a.
– Não – admitiu. – Não é. Mas não estás sozinha. Superá-lo-emos juntos.
Rachel queria lutar contra ele, afastá-lo do seu lado e contrariá-lo. Mas era demasiado bom poder apoiar-se em alguém finalmente. Em alguém com um peito forte e uns braços musculados, que cheirava muito bem e que a aquecia com o seu corpo. Rendeu-se e apoiou a cabeça no seu ombro. Fechou os olhos para que ele não conseguisse ver a sua angústia.
– Não quero gostar de ti.
Ele riu-se e acariciou-lhe o cabelo como fizera com Cody. Aquilo tranquilizou-a.
– Bom, continua a pensar assim, amanhã será outro dia. Escuta, tens frio, estás cansada e faminta. Falaremos da custódia das crianças noutro momento. Porque não tomas um duche enquanto eu faço alguma coisa para o jantar?
Tanto a trégua como o duche pareceram excelentes para Rachel.
– Devíamos guardar a água quente.
– Esta noite não. Precisamos de descongelar. Vai tu primeiro enquanto eu vou ver o que há na cozinha.
– E os gémeos?
Sullivan suspirou com força.
– Deixa-os dormir. Não dormiram bem esta noite.
– Passaram a semana toda sem dormir bem.
Talvez fosse essa a razão pela qual Rachel tinha a sensação de que podia ter adormecido assim, com a cabeça apoiada no seu ombro, ouvindo os batimentos do seu coração.
– Sofreram muito – acrescentou.
– Superá-lo-ão com o tempo – declarou ele, apertando-lhe o braço.
Sullivan tinha calor como um aquecedor e aquecia-lhe não só o corpo, como também o coração. Quanto tempo passara desde que um homem a reconfortara?
Na verdade, nunca acontecera. E muito menos o seu pai.
Aquele pensamento fez com que se afastasse dele e recuasse. Não tinha de se apoiar em nenhum homem. No entanto, ele tinha razão, os pais das crianças tinham confiado neles para que fizessem o que fosse melhor para eles. Mas isso não significava que pudesse confiar nele.
No que se referia aos gémeos, por enquanto não estavam de acordo.
Rachel perguntou-se se devia deixá-lo a sós com eles, embora não tivesse muito para fazer. A tempestade impedia que se fosse embora e já lhe demonstrara que sabia tratar deles com carinho.
– Irei tomar um duche – declarou finalmente, indo para o quarto. Ao chegar à porta, virou-se. – Obrigada.
Ele estava a observá-la. Na verdade, estivera a observar o seu rabo. Levantou o olhar para olhar para ela nos olhos; não se desculpou por ter estado a desfrutar da vista, só demonstrou a sua aprovação masculina. Levantou o queixo e fez um gesto de reconhecimento.
Ela tremeu e sentiu aquele instinto feminino que com tanto empenho tentava reprimir.
Fechou a porta, pondo uma barreira entre ela e aquele homem tão perigoso que despertava nela sentimentos que preferia manter enterrados.
Era o momento de fazer uma pausa. Como podia ter passado um segundo nos braços do inimigo? E não exagerava. Qualquer um que quisesse arrebatar-lhe as crianças era o seu inimigo.
Não entendia porque ele queria levar os gémeos. Era militar e solteiro, o seu comandante também lhe dera essa informação e os gémeos só lhe dariam dores de cabeça, mesmo que a sua família o ajudasse.
Talvez quisesse que fosse a sua família a tratar deles.
Sem dúvida, a família era o ponto fraco de Rachel. Uma vez na casa de banho, despiu-se e entrou no duche, deixando que a cascata de água quente lhe tirasse o frio.
Ficou a pensar em Crystal. Quando Rachel saíra de casa, o que mais lhe custara fora deixar a sua irmã mais nova, de apenas dez anos. Mas não conseguira ficar num lugar onde não a amavam.
Quando fizera dezassete anos, descobrira que o homem a quem sempre chamara «pai» não era o seu pai biológico. A notícia destruíra-a, embora graças a ela tivesse entendido muitas coisas, como porque é que se sentira sempre como uma estranha na sua própria casa.
Finalmente, começava a descongelar e pegou no seu sabonete favorito, que cheirava a pêssego.
Rachel compreendia que as coisas tivessem sido muito difíceis para Dan. Tinham-lhe mentido, enganado para que criasse a filha de outro homem. No entanto, dera-lhe de comer, vestira-a, nunca lhe batera… Havia crianças que tinham sofrido mais do que ela.
Rachel culpava a sua mãe. Ela é que mentira, que preferira o seu bem em vez do da sua filha. Stella Adams podia ter dado a Rachel as coisas que Dan lhe negara: tempo, atenção e carinho. Mas Stella preferira não o fazer.
E Rachel nunca a perdoara por isso.
Passou-se por água, fechou a torneira e saiu da banheira. Enrolada numa toalha enorme, foi para o quarto.
Rachel aprendera bem a lição durante a sua infância e não ia mudar como adulta. Antes de lhe partirem o coração, preferia estar sozinha. Tinha relações, mas nenhuma prosperava. Por culpa dela. Ela não queria arriscar-se a deixar que alguém que amasse a rejeitasse.
Outra vez.
Infelizmente, a sua relação com a sua irmã também sofrera por causa daquilo. Mas, ao contrário do que Sullivan dissera, tinham forjado uma nova relação depois da morte dos seus pais.
Rachel recusava-se a acreditar que Crystal tivesse fingido que não tinham essa relação.
Entrou na sala com umas meias grossas e uma camisola velha e parou para verificar se os bebés continuavam a dormir antes de ir para a cozinha. Imaginara que Sullivan teria aberto algumas latas de sopa, mas não fora assim. O cheiro a cebola e tomate fez com que o seu estômago se queixasse.
– Cheira bem!
Ele levantou o olhar, estava a untar pão com manteiga.
– Sim – respondeu, com segurança. – É esparguete, pensei que precisávamos de algo consistente.
Enquanto ela tomava banho, ele mudara de roupa. As calças de ganga e a t-shirt cinzenta realçavam a sua masculinidade. Aquela roupa informal marcava ainda mais os seus ombros largos, as suas coxas musculadas e o rabo firme.
Uma madeixa de cabelo escuro caía-lhe sobre a testa. Rachel lutou contra o desejo de a afastar e de sentir o seu toque suave nos dedos.
Ainda recordava como se sentira bem nos seus braços, portanto dirigiu-se para o frigorífico e tirou uma alface. Precisava de ocupar as suas mãos com algo e os seus pensamentos também.
– Porque não tomas um duche enquanto se torra o pão? – perguntou Rachel. Enquanto se vestia, tomara uma decisão. Quanto menos tempo passasse com ele, melhor. Não seria uma tarefa fácil, tendo em conta que estavam presos numa casa de um só quarto, mas tinha de tentar. – Eu prepararei a salada.
Ele lavou e limpou as mãos.
– Parece-me bem.
Sullivan abriu o forno e baixou-se para pôr lá o pão com alho.
As hormonas de Rachel, que costumavam estar sempre sob controlo, revolucionaram-se. A única coisa que lhe apetecia era aproximar-se dele, pôr as mãos nos bolsos das suas calças e apertar.
Felizmente, ele ergueu-se antes de ela ter tempo de o fazer.
Ela pigarreou.
– Vou buscar uma toalha.
– Obrigado – ele agarrou na toalha e desapareceu na casa de banho.
Rachel suspirou aliviada. Aquele homem ocupava demasiado espaço numa divisão. Só a sua presença carregava o ambiente. A recente viagem mental de Rachel ao passado recordava-lhe exactamente porque tinha de se manter afastada dele. Tinha muito a perder e nada a ganhar.
Ele procedia de um mundo diferente e só estaria ali o tempo suficiente para destruir a sua vida.
Ouviu um gemido e foi à sala. Jolie estava a mexer-se no parque. Rachel enrolou-a numa manta e deu-lhe palmadinhas nas costas até ela voltar a adormecer. Cody não se mexeu.
Estariam melhor com Sullivan do que com ela? Ele mencionara que tinha uma família grande, muito unida. Exactamente o que ela sonhara quando era criança.
Mesmo assim, só de pensar nisso, parecia que estava a trair aquelas crianças que tanto amava.
Ouviu que fechavam a torneira do duche e entrou em acção. Tirou o pão quando ainda estava dourado e, depois, preparou a salada de alface, cebolinhas e tomates.
Quando Sullivan saiu da casa de banho, mais uma vez vestido com as calças de ganga e a t-shirt, já tinha posto a mesa.
– O jantar está pronto!
– Óptimo! – Ford passou os dedos pelo cabelo molhado antes de puxar uma cadeira para que Rachel se sentasse.
Ela franziu o sobrolho ao ver o seu gesto e olhou para ele com cautela.
– A quem estás a tentar impressionar? – perguntou-lhe. – Isto não é um encontro.
Porque é que era tão atraente quando se queixava?
– É culpa da minha educação. A minha avó ainda acredita nas gentilezas de antigamente.
– Obrigada. A tua avó educou-te?
Ele assentiu enquanto se sentava também.
– Desde que tinha oito anos.
– Hum…
– E criou os meus cinco irmãos desde que os meus pais morreram num acidente de viação.
Ela olhou para ele nos olhos e, depois, voltou a desviar o olhar.
– Lamento muito.
Muito bem, Rachel parecia menos susceptível, mas continuava a pôr fim às conversas. Ford teve a sensação de que tinha jeito para evitar as discussões.
Observou como levava o garfo à boca e tentou não pensar em como se sentira quando a tivera entre os seus braços. Se a situação tivesse sido diferente, já teria começado a cortejá-la. Mas naquele contexto, qualquer avanço traria sofrimento. Não fazia sentido complicar a situação por se deixar levar pela atracção que sentia por ela.
O que não significava que fosse permitir que Rachel fingisse que ele não estava ali.
– Se te aborrecer, diz-me – comentou.
E então aconteceu algo maravilhoso. Os lóbulos das orelhas dela ficaram vermelhos! E embora visse a agitação nos seus olhos, Rachel esforçou-se para continuar com a conversa.
– Deve ter sido uma infância muito difícil.
– Foi difícil perder os meus pais, mas a avó amava-nos e ficámos juntos. Isso era muito importante – apoiou os cotovelos na mesa. – Não és muito faladora, pois não?
Ela engoliu um bocado de esparguete.
– Não.
– Porquê?
Ela ficou em silêncio. Era evidente que não queria responder à pergunta, mas ele esperou.
Rachel acabou por suspirar. Decidiu responder.
– Em geral, porque prefiro estar sozinha.
– E neste caso em particular?
– Porque não sei muito do assunto – como se aquilo tivesse sido demasiado revelador, acrescentou: – E porque não quero que sejamos amigos.
Ele ignorou a sua rejeição.
– A que te referias quando disseste que tinhas falhado à tua irmã?
– Não tenciono falar-te da minha irmã – respondeu ela, com o olhar aceso. – Enganas-te a respeito dela.
Rachel era uma impostora. Apesar da sua fachada fria, era carinhosa e apaixonada no seu interior. Também era incrivelmente vulnerável. Independentemente do que se passara na sua família, sofrera muito.
– Crystal disse que tinhas saído de casa. Porquê? A família é importante.
– Sim. E eu sou a única família que os gémeos têm.
Era uma teimosa. No entanto, demonstrava que queria proteger as crianças. Apesar de ele querer descobrir as suas fraquezas, não podia culpá-la por aquilo.
– Conta-me porque saíste de casa – insistiu Ford.
Ela inclinou a cabeça e uma madeixa de cabelo loiro caiu-lhe sobre os olhos. Com um movimento rápido de mão, afastou-a.
– Sei o que estás a tentar fazer.
Ele hesitou por um instante.
– O quê?
– A informação é poder – respondeu Rachel, traçando círculos na mesa com o copo de água, com o sobrolho franzido, concentrada. – Queres que te fale do meu passado para poderes usá-lo contra mim.
Tinha razão.
– Eu contei-te a minha história.
– Com uma finalidade – indicou ela, olhando para ele. – Sem dúvida, devo acreditar que os gémeos beneficiariam da influência de um homem atenuada pela doçura de uma avó.
– Talvez só estivesse a dar-te conversa.
– Por favor. Vale tudo no amor e na guerra e tu és um guerreiro até à medula.
– Muito inteligente – reconheceu ele, levantando o copo de água.
– E porque me dá a sensação de que isso te surpreende?
– Tudo em ti me surpreende – respondeu Ford, imperturbável.
– Obrigada – agradeceu ela, encostando o seu copo ao dele e bebendo depois. – Tendo em conta que me consideras uma preguiçosa incapaz de manter uma relação, aceitá-lo-ei como um elogio.
Ele riu-se, gostava da mistura de humor e de censura.
– Tenho de admitir que tinha algumas ideias falsas. Não esperava a tua valentia, paciência e dedicação. No meu trabalho, pomos as emoções de lado para cumprir com o trabalho.
Naquele momento, fora ele quem falara demasiado. Os olhos inteligentes de Rachel faziam-no falar com facilidade. Algo perigoso. Para evitar o seu olhar curioso, Ford levantou-se e levou os pratos para o lava-loiça.
Ela parecia querer continuar a falar do assunto, mas, felizmente, a sua renitência habitual apareceu.
– Estou muito cansado – declarou Ford, pensando que acabara de evitar uma bala. – O que te parece se lavarmos a loiça e formos para a cama?