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V
Perplexidades
ОглавлениеA Linda não recebeu n'esse dia a visita ou o cartão d'Antonino.
Outro tanto succedeu no dia seguinte até á hora do almoço, ao qual Remissy e Despujolles fizeram as devidas honras, sem conseguirem, apesar dos esforços empregados para esse fim, distrahir a cantora d'uma especie de preoccupação que se apossára d'ella.
Nada de novas do meu salvador! disse Linda a Despujolles quando o doutor se despediu. Tenho perguntado a mim mesma se não serei eu quem deva mandar saber noticias d'elle. Quem nos assegura que o visconde não está mal?{52}
—Vamos, serei generoso mais uma vez! replicou o medico. Irei saber do seu heroe. Está satisfeita? Onde mora elle? Não tem indicação de morada, no bilhete de visita? Parece-me que é no boulevard Hausmann, mas ignoro o numero. Sabel-o-hei por um dos meus clientes, que é primo do visconde, e dentro em pouco lhe mandarei dizer como elle está.
Ás tres horas da tarde Laura recebeu o seguinte bilhete:
«Fui a casa do nosso homem. Está no mais invejavel estado phisico. O moral nãe me diz respeito.
Despujolles.»
Entretanto Antonino, cumprindo a promessa feita á cantora na noite do incendio, fôra no dia seguinte saber como estava Laura.
Contentára-se apenas com perguntar á porteira como estava Linda, sem dizer nem deixar o nome.
Nos dois dias seguintes procedeu de forma identica.
Ao quarto, como os visitantes rareassem, a porteira respondeu á pergunta d'Antonino:
—A senhora vae melhorando, mas não poderá receber ninguem antes de dois ou tres dias.{53}
E advertida por Jacintha, segundo instrucções de Laura, accrescentou:
—O sr. quer ter a bondade de me dizer o seu nome?
Antonino respondeu em tom breve.
—Visconde de Bizeux.
—N'esse caso, disse a porteira, o sr. visconde pode subir. Tinha ordem, desde o primeiro dia, de dizer a vossa ex.ª que a senhora o recebe... mas só ao sr. visconde.
Antonino interdicto, respondeu:
—Bem... mas hoje é impossivel... Tenho uma entrevista marcada... e já é tarde... Transmitta á senhora os meus agradecimentos e os meus respeitos... Eu voltarei.
E sahiu como se fugisse.
Alguns momentos depois Jacintha participava a Laura o que se passara.
—Singular indifferença essa! disse a cantora.
O que o coração d'Antonino sentia era justamente o contrario da indifferença que Laura lhe suppunha.
Tanto de dia como de noite o visconde só pensava em Laura.
Tornar a vel-a era o seu mais ardente, o seu unico desejo.
Mas desejava tanto isso, que tremia.{54}
Era como um barril repleto de polvora temendo uma faisca.
E não voltou á rua de Bolonha.
Quando Laura pôz Despujolles ao corrente da situação, e medico disse:
—Oh! oh! o caso é mais grave do que eu julgava. Como é que um valente, que a arrancou ás chammas do incendio, treme diante da minha amiga? Afinal, o caso comprehende-se. Elle percebe que o perigo, agora, augmentou de intensidade. O infeliz está em um estado verdadeiramente inquietante.
—Não mangue, dr., respondeu Laura que pensava justamente como o medico, mas que entendeu conveniente não annuir ao que Despujolles dizia. Mas emfim, eu não o tornarei a ver?
—Seria o melhor para ambos.
—Está enganado, doutor. Mesmo quando a sua observação fosse justa, é necessario tornar a vel-o, para que o possa curar. O doutor trata dos seus doentes a distancia? Não. O mesmo succede commigo. E como sabe, eu tenho curas que me honram.
—Quer que a ajude a procurar o seu paciente? Seja! Tornarei a ser generoso. Forcemol-o a sahir do covil. Escreva-lhe ámanhã ao meio dia um bilhete. Uma hora depois estarei aqui com a fera.
No dia seguinte, ao meio dia preciso, o visconde, perturbado, lia, n'um cartão de Laura, as seguintes{55} linhas, escriptas pela cantora em seguida ao nome:
«Permitte-se lembrar ao sr. de Bizeux que elle deve visita á que lhe deve a vida.»
Um quarto de hora depois uma carruagem conduzia-o á gare d'Oeste.
Comprou bilhete para Saint-Malo e subiu para o comboio prestes a partir.
Quando Despujolles, ao meio dia e meia hora, chegou a casa d'Antonino, disseram-lhe que o visconde tinha partido pouco antes, tendo deixado dito que ia ver o pae.
O doutor dirigiu-se immediatamente para casa de Laura, a quem participou o caso, ajuntando:
—Decididamente a doença torna-se alarmante! O visconde está apaixonado até á indelicadeza!
Como não podia prever a visita de Despujolles que lhe dennunciaria a fuga, Antonino julgou-se ao abrigo de censura enviando, no dia seguinte, a Laura, este telegramma:
«Recebi, minha senhora, o seu gracioso convite em Saint-Malo, onde fui subitamente chamado por meu pae, um pouco doente. Ámanhã volto a Paris,{56} terei então a honra de lhe apresentar os meus respeitos.»
Sahira de Paris para metter cem leguas entre elle e a Linda, mas, ao contrario do que esperava, a distancia fazia com que se lembrasse ainda mais da cantora.
Aquelle acto de energia apenas serviu para demonstrar a sua irremediavel fraqueza.
Em Paris estava perto de Laura; fugia de a ver, mas tinha noticias d'ella, e quando quizesse podia procural-a.
Considerou uma loucura o ter supposto que a ausencia o curava, porque nunca soffrera tanto.
Chegou desgostoso a Saint-Malo, achou soturna a velha casa da familia, onde vivia o pae e uma irmã mais velha, solteira ainda.
Tres dias depois, cançado de soffrer em silencio, Antonino resolveu-se a tudo confessar a seu pae.
O confidente foi bem escolhido e bem exposta a confidencia.
Em novo, o pae d'Antonino passara por um desgosto semelhante.
Amára uma menina encantadora, por quem era amado tambem, mas que tinha o defeito de ser pobre e plebea.
O conde de Bizeux, avô de Antonino, era um velho{57} rigido, intractavel em questões de nobreza e importancia patrimonial.
Não se contentou, d'accordo com o pae da donzella, com destruir aquelle amor; obrigou o filho a casar com uma prima, de belleza duvidosa, mas de fortuna avultada.
Aquelle enlace de conveniencia não podia fazer felizes os esposos.
Ella era feia e altiva, entregue sempre a praticas devotas; elle, tristemente resignado, deixava-se absorver pelas recordações.
A filha mais velha parecia-se com a mãe, mais feia, mais orgulhosa, mais devota ainda.
Recusára sempre casar-se, não querendo entregar-se a qualquer homem, que apenas a tomaria pelo dote, o seu unico merito.
Depois d'enviuvar, o conde de Bizeux não tinha outra consolação além do amor por Antonino.
Essa grande estima que tinha pelo filho não impediu que se separasse d'elle emquanto o visconde viajou, e que não quizesse acompanhal-o a Paris.
Quiz ficar na sua Bretanha, vivendo melancholicamente das recordações do passado.
A excessiva severidade dos paes produz muitas vezes nos filhos, paes por sua vez tambem, a excessiva indulgencia.
Foi por essa razão que o conde de Bizeux recebeu{58} a confidencia d'Antonino com a simpathia terna d'um irmão.
O soffrimento do visconde diminuiu desde que teve com quem fallar de Laura.
Entretanto continuava triste e visivelmente inquieto.
Como percebia o estado em que o filho estava, o conde, ao fim d'uma semana, chamou-o e disse-lhe:
—Tu soffres Antonino. Deixa-me dar-te um conselho: volta para Paris. Parece-me que te falta um pouco de coragem e de dignidade. Amas uma mulher que não te conhece e que só te viu quanto a salvaste. Não pode ter-te amor, é certo; mas quem te diz que, conhecendo-te melhor, não virá a amar-te? Pelo que sabes d'ella, a Linda só pensa em arte, não amou nunca, não amará talvez. Mas approxima-te, não como uma creança que teme, mas como um homem que não recua nem ante uma decepção, nem ante um grande desgosto. Quem sabe se, quando a conheceres bem, não acharás que Laura não corresponde ao teu sonho!
Antonio abraçou o pae com effusão, agradecendo-lhe reconhecido aquelle conselho viril, e partiu de Saint-Malo quasi tão precipitadamente como deixára Paris.
Ao partir telegraphou a Despujolles, dizendo-lhe{59} que o procuraria no dia seguinte, e pedindo-lhe para o acompanhar a casa de Laura.
Pelas duas horas da tarde do outro dia entraram ambos no salão da cantora, prevenida antecipadamente pelo medico.
—Trago-lhe emfim o selvagem! disse o dr. ao entrar.
Laura estendeu a mão a Antonino, dizendo-lhe com a mais graciosa simplicidade:
—Agradeço-lhe o ter vindo. Detesta a sociedade?... Tem rasão. Mas eu não pertenço a essa sociedade, sou apenas uma mulher. Verá que sou excellente camarada, muito sincera, que gosto muito d'alguns amigos, e que me sentirei verdadeiramente feliz se o homem que me salvou a vida quizer pertencer ao numero restricto d'esses amigos.
Em seguida fallou, a Antonino do proprio Antonino, como se fallasse d'elle ao dr. Despujolles.
Lembrou-se, rindo, da noite em que o olhára da scena, com o que elle indicára incommodar-se.
—E era justo que assim fosse, accrescentou ella, porque nós, ante o publico, nem por um momento nos devemos esquecer do personagem que representamos.
Fallando-lhe assim poz á vontade Antonino, que ao principio estava meio compromettido.
Fallaram de musica, de theatro.{60}
Ella disse-lhe que provavelmente ia para o theatro Italiano, visto Pozzoli lhe ter proposto um bom contracto.
Confessou que não tinha a menor estima ou sympathia por aquelle emprezario, mas como gostava de Paris, queria demorar-se na grande cidade.
De resto, não podia passar sem cantar,—por causa da sua bolsa e por causa do seu espirito.
Cantar era para ella metade da vida.
—A proposito: Pozzoli, para celebrar o meu completo restabelecimento e a minha entrada para os Italianos, offerece-me, na terça feira proxima, uma especie de festa em S. Germano: almoço ajantarado na relva, passeio aos Loges, etc. Devo-lhe enviar ámanhã a lista dos meus convidados. Na cabeça do rol inscrevi o seu nome, sr. de Bizeux.... Oh! não recuse, porque é caso para dizer: não haveria festa sem o sr.
Antonino fez um gesto d'assentimento.
Ficou combinado que iriam juntos a S. Germano, Despujolles e elle.
—Que adoravel mulher e que encantadora creança! Dizia o medico ao visconde, descendo as escadas da casa de Linda. Verá: com ella começa a gente por estar apaixonado, e acaba por se sentir feliz de ficar amigo.
—Assim será! respondeu Antonino.{61}
A verdade é que elle sentia-se cada vez mais apaixonado, e pensava com desespero que Laura não o amava, que não o amaria jamais.{62} {63}