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Capítulo 1

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O seu primeiro dia em Kaimos tinha sido um desastre. Chegou de noite, e decidiu ficar no iate para dar um mergulho na manhã seguinte; mas, depois de chegar à sua praia preferida, Kris deparou-se com um grupo de turistas que pareciam alheios a um facto importante: que aquele lugar era o seu paraíso pessoal.

Resignado, nadou um momento e saiu da água. Foi então que reparou naquela mulher, que estava com o grupo, com umas pernas fantásticas e um belo par de seios. Tinha o cabelo preto, com reflexos roxos, e usava o biquíni mais pequeno que já vira na vida.

E como se a sua figura não chamasse suficientemente a atenção, a desconhecida estava a dançar ao ritmo de um velho aparelho de música que um dos seus acompanhantes levava ao ombro. Mas havia algo estranho no seu comportamento, como se dançasse para esquecer alguma experiência desagradável e não tivesse nada a perder.

Kris, que tivera sempre um fraquinho por mulheres extravagantes, observou-a com mais atenção. Tinha um lenço à cintura, com um montão de guizos que tilintavam sempre que se movia, e usava tantos colares de contas que, se entrasse no mar, se afundaria de imediato.

Nesse exato momento, viu que os turistas se dispunham a acender uma fogueira na sua praia, e que um deles abria uma mochila e tirava o que parecia ser um vestido de noiva.

Seria da mulher extravagante? Devia ser, porque pôs um ar de nojo, recusou-se a tocar-lhe e afastou-se do grupo, deixando que os seus amigos atirassem a peça de roupa para o que evidentemente era uma espécie de pira cerimonial.

Noutras circunstâncias, Kris teria intervindo para ordenar-lhes que apagassem a fogueira, mas estava tão interessado no estranho drama que se limitou a olhar enquanto o fogo devorava o vestido.

Quando só restavam cinzas, a mulher agarrou um pau e cravou-o nelas como se quisesse assegurar-se de que não tinha sobrevivido nem um minúsculo pedaço de tecido. Depois, atirou o pau, aproximou-se do mar, tirou um anel e lançou-o à água, com tal azar que a potente maré o devolveu de imediato à praia. Mas nem se deu conta, porque já se tinha afastado dali.

Decidido a conhecê-la, Kris agarrou no anel e aproximou-se antes de ela voltar para ao pé dos amigos.

– Isto é teu? – perguntou-lhe.

Ela olhou para o objeto sem dizer nada e estremeceu.

– Que faço com ele? – continuou Kris. – Devolvo-o ao mar?

Kimmie não sabia o que fazer. Primeiro, tinha encontrado o seu noivo na companhia da sua madrinha e, quando tentava esquecer tudo isso com ajuda dos amigos, aparecia um deus saído da mitologia grega e oferecia-lhe o anel que ela acabara de atirar ao mar.

Pelo seu aspeto, devia ter em redor de trinta anos. Era alto, belo e brutalmente masculino, isto é, a última coisa de que Kimmie precisava naquele dia. Os seus traços pareciam esculpidos em pedra. A sua pele, bronzeada pelos elementos, enfatizava o negro azeviche do seu cabelo. E, para piorar as coisas, tinha um corpo que roçava a perfeição e um olhar carregado de inteligência.

Seria um pescador da zona?

– Ah, encontraste-o – conseguiu dizer.

– Sim, isso é óbvio.

– Como é possível? Atirei-o há um segundo.

– E a maré devolveu-o à praia – replicou ele, com voz profunda. – Achei que devias saber.

– Sim, claro. Obrigada.

– Atiro-o outra vez? – perguntou, olhando-a com humor.

– Se não for grande incómodo…

– Claro que não.

– Mas assegura-te de que não volta.

– Está descansada.

Ele baixou a cabeça nesse momento e cravou os olhos numa das mãos de Kimmie, que lhe estava a tocar o braço.

Desconcertada, afastou-a a toda a pressa e engoliu em seco. Em que raio estava a pensar? Como lhe ocorria tocar um desconhecido? Pelos vistos, a traição do seu noivo tinha-a afetado mais do que pensava.

Ainda não tinha saído do seu assombro quando ele cumpriu a sua palavra e lançou o anel tão longe que não havia nenhuma possibilidade de este voltar.

– Tenho a sensação de que o teu dia não começou com o pé direito – comentou o deus grego.

– Não, pode dizer-se que não – disse ela, fazendo um esforço para não admirar os seus ombros.

– Bom, todos temos dias maus.

– Sim, mas este é especialmente horrível.

– E, no entanto, organizaste uma festa.

– Não é uma festa, mas uma espécie de despertar.

Kimmie virou-se para os seus amigos, que estavam a dançar junto à fogueira.

– Um despertar? – interessou-se ele.

– Desculpa, mas não quero falar disso.

– Como preferires.

Enquanto olhava para ele, Kimmie perguntou-se o que teria feito para chegar a um dos pontos mais baixos da sua existência. Mas não se podia dizer que fosse uma grande história: Jocelyn, uma amiga da universidade, tinha-a apresentado ao seu irmão, que se chamava Mike. Depois, uma coisa tinha levado à outra e, no final, o encantador e refinado Mike tinha-se cansado dela e fora para a cama com Janey.

– Bom, já te roubei demasiado tempo – disse, olhando para o deus.

Ele arqueou uma sobrancelha, e Kimmie soube que não estava acostumado a ser contrariado com tanta facilidade, o que a levou a perguntar-se outra coisa: por que se tinha aproximado dela? Teria visto a cena do fogo? Teria sentido pena?

– Posso oferecer-te um copo como agradecimento? – prosseguiu, decidida a saber mais.

– Receio que isso não seja possível. Tu e os teus amigos têm de se ir embora.

– Como? – perguntou, perplexa.

– Vocês estão numa praia privada, e não têm permissão para ficar.

– E tu sim? – atirou-lhe.

Ele ficou em silêncio.

– Não estamos a fazer nada de mal – insistiu ela. – Limparemos tudo antes de nos irmos embora.

– Lê aquele cartaz.

Kimmie virou-se para o lugar que ele estava a apontar, e viu um cartaz de cor vermelha que proibia expressamente a passagem.

– Oh, lamento. Não vimos – desculpou-se. – Quem és tu? Uma espécie de guarda?

– Sou a parte interessada, digamos assim.

– Nesse caso, terás algum documento que prove isso. Não pensarás que nos vamos embora só porque tu nos dizes isso.

Ele olhou para ela com irritação.

– Onde queres que traga a documentação? Estou praticamente nu – replicou, apontando para o seu impressionante corpo.

Kimmie afastou o olhar, incomodada.

– Pois lamento muito. Se não tens provas, ficamos.

Ele respirou fundo e disse:

– Vão-se embora de uma vez.

– Este é o tipo de boas-vindas que dão às pessoas de Kaimos? – protestou ela. – Não deixareis boas memórias nos vossos visitantes.

– Tu já tens coisas para recordares.

– Obrigada por o mencionares.

Ele voltou a ficar em silêncio.

– Olha, tive um dia terrível, e gostaria de equilibrá-lo de alguma maneira – prosseguiu Kimmie, mudando de tática. – Posso fazer algo para que mudes de opinião?

Ele não disse nada.

– A propósito, quem és tu? Um tripulante do iate que está ancorado na baía? Dessa gigantesca aberração?

– Um tripulante? Eu? – disse, franzindo o sobrolho. – De uma aberração?

– Sim, daquele barco… – declarou, apontando com o dedo.

– Não, não sou um tripulante. E, quanto ao barco que tanto te desagrada, chama-se Spirit of Kaimos.

– Fico feliz por ti, mas continuo a sem saber quem és.

– Importa-te assim tanto?

– Não. Mas sinto curiosidade.

– E eu.

Kimmie continuava espantada com o que se estava a passar. Por que fazia questão de discutir com um desconhecido? Tinha começado a dançar para expulsar os fantasmas que carregava e, em vez de expulsá-los, dedicava-se a falar com um homem incrivelmente arrogante que os queria fora da ilha. Mas isso não era tão mau quanto a reação do seu corpo, deliciado por aquele deus grego a devorar com os olhos.

– Façamos uma coisa – prosseguiu ele. – Se me falares de ti, considerarei a possibilidade de vocês ficarem.

Kimmie cerrou os punhos, tentando conter-se. Não queria causar problemas aos seus amigos. Já se tinha enganado bastante por um dia, ainda que os seus erros viessem de longe. Como era possível que tivesse confiado em Mike?

Se tivesse estado mais atenta, ter-se-ia dado conta de que o seu interesse por ela começara quando acabara a universidade e vendera os seus primeiros quadros, que foram um sucesso. A única coisa que lhe interessava era o seu dinheiro. Mas Jocelyn gostava dela como se fosse sua irmã e, como ela gostava do mesmo modo da sua amiga, não tinha duvidado da bondade de Mike.

– Está bem, não fales se não quiseres – disse ele com frieza. – Não estou aqui para resolver os teus problemas, nem para ser objeto da tua ira.

Ela olhou-o nos olhos. Não tinha dúvidas de que aquele homem intimidava muita gente, mas o seu dia tinha sido tão terrível que já nada a assustava. Se pensava que se ia render, estava muito enganado. Limitar-se-ia a tratá-lo com cautela, para bem dos seus amigos.

– Lamento, mas não nos vamos embora se não me mostrares alguma prova de que tens autoridade sobre esta ilha.

– Estou-te a pedir com bons modos – insistiu ele.

– E eu digo-te com bons modos que não estamos a fazer nada de mal e que deixaremos a praia tão limpa como a encontrámos.

Kris pensou que a mulher dos guizos estava a cometer um erro, embora não pudesse negar que o tinha impressionado. Era óbvio que tinha tido um problema grave e que ardia de desejo de retirar-se para algum lugar tranquilo, onde pudesse estar a sós com os seus pensamentos; mas, apesar disso, desafiava-o.

Além disso, também era óbvio que se estava a conter porque não queria meter os seus amigos num sarilho, o que a condenava a uma situação difícil: mantê-lo à distância sem exagerar em nenhum momento. Definitivamente, não se parecia nada com as mulheres a que estava acostumado. Não se submetia à vontade de ninguém. E tinha despertado o seu interesse de tal maneira que agora estava encurralado entre a necessidade de pô-la fora e o desejo de que ela ficasse por ali.

Que devia fazer?

No final, optou por suavizar as coisas e disse, estendendo-lhe uma mão:

– Chamo-me Kris.

Ela franziu o sobrolho.

– Isso significa que podemos ficar?

– Eu não disse isso.

Kris sorriu e fixou os seus olhos, que escureceram subitamente. O impulso de beijá-la foi avassalador, mas estava habituado a dominar-se.

– Está bem, jogaremos ao teu modo – disse ela, que deu um passo atrás e lhe apertou a mão. –Kimmie Lancaster. E, antes de que o perguntes, Kimmie não é diminutivo de nada. Chamo-me assim. Simplesmente Kimmie.

– Muito prazer em conhecer-te, simplesmente Kimmie – ironizou. – Mas, que te aconteceu? Atiras um anel de diamantes ao mar, queimas um vestido de noiva e, depois, dispões-te a fazer uma festa.

– Já te disse que não é uma festa, mas um despertar – recordou-lhe ela. – Além disso, não queríamos desperdiçar a comida do casamento. Kyria Demetriou, a dona do hotel onde estamos, deu-se a muito trabalho com o copo d’água, e pareceu-nos uma boa forma de mostrar-lhe a nossa gratidão.

– Ah, sim, a dona do Oia Mare. É minha amiga.

– A Kyria?

– Sim.

Kimmie tranquilizou-se um pouco. Kyria sabia julgar as pessoas e, se ela era amiga daquele homem, não podia ser tão horrível assim.

– Bom, não me surpreende que se conheçam, tendo em conta que a ilha é muito pequena – replicou.

– Realmente é – disse. – Mas, por que ficaram no Oia Mare? É muito caro.

– Porque queria agradar os meus amigos.

– Porquê? – perguntou, surpreendido.

– Que tem de mal?

– É que deve ter-te custado uma fortuna.

Ela ficou em silêncio.

– Não teria sido melhor que pagassem uma parte das despesas?

– Não quero que paguem nada. Tive um golpe de sorte e decidi partilhá-la com eles. Quase tudo o que ganhei está investido num projeto que me interessa, mas sobrou o suficiente para fazer algo especial, algo diferente.

– E o teu noivo achou bem?

Kimmie respirou fundo.

– Não sei por que te estou a falar disso.

– Talvez porque precises de falar com alguém.

Ela encolheu os ombros, sem dizer nada.

– Estão juntos há muito tempo?

– Se eu te disser, vais rir-te.

– Põe-me à prova.

– Está bem, tu é que pediste… Sou uma pintora que acaba de terminar o curso e que teve uma boa surpresa quando a sua primeira exposição se tornou um sucesso – começou a dizer. – Uma noite, Mike apareceu na galeria e começámos a falar. Mike é o irmão da minha melhor amiga, e ambos estávamos tão encantados com o meu sucesso que nos entusiasmámos e acabámos noivos.

– Pediu-te em casamento nessa mesma noite?

– Sim, e eu aceitei sem hesitar – respondeu. – Sei que soa estúpido, mas às vezes a vida leva-te por caminhos estranhos.

Sobretudo, quando queres fugir ao teu passado.

– E que passado é esse?

Ela olhou para ele durante uns segundos e abanou a cabeça.

– Não, não te vou dizer mais nada.

– Como quiseres – disse ele, pensando que devia ser um passado terrível para que se comprometesse com um estúpido. – Mas, o que fez o tal Mike? Suponho que te enganar com outra, claro.

– Brilhante dedução – replicou com sarcasmo.

– Pois, é um problema. Uma noiva sem noivo – disse. – Belo casamento.

– Bom, eu diria que tenho tido sorte.

– A sério?

– Sim. Tem sido uma espécie de lição de vida.

– Desde que isso não te deixe amargurada…

– Não, de modo nenhum. Irá tornar-me mais cautelosa e terei cuidado para não voltar a cometer o mesmo erro.

– Isso é fácil de dizer, mas não tão fácil de fazer.

– Tu não me conheces.

– Estás a desafiar-me outra vez?

Ela não respondeu à pergunta, e ele começou a ponderar uma ideia. Desde logo, teria de refletir um pouco antes que as coisas fossem mais longe, mas o seu inesperado encontro com Kimmie Lancaster recordou-lhe uma conversa que tinha tido com o seu tio, e tinha a sensação de que o destino estava a bater-lhe à porta.

– Enfim, suponho que nos veremos pela ilha – disse ela, mudando subitamente de tema.

– É o mais provável, sendo tão pequena.

– Tentarei não me cruzar no teu caminho.

– Isso quer dizer que se vão embora? – perguntou, olhando para os amigos dela.

Ela suspirou.

– Não comeces outra vez, por favor. Prometo-te que seremos cuidadosos. Encarregar-me-ei pessoalmente pela limpeza da praia.

Ele soltou uma gargalhada. Kimmie tinha ganhado a partida, embora não soubesse se a tinha ganhado por se atrever a enfrentá-lo ou por ser tão especial.

– Espero que cumpras com a tua palavras, ou terás de dar-me explicações.

O súbito rubor de Kimmie fê-la pensar que não lhe desagradava a ideia de dar-lhe explicações, o que adorou. Era uma mulher corajosa e muito atraente; uma mulher que, pelos vistos, estava tão ansiosa de tocar-lhe a ele como ele a ela.

Infelizmente, as convenções sociais interpunham-se no seu caminho, e não podia passar a outro nível sem o preâmbulo de se conhecerem melhor, por isso perguntou:

– Por que não me apresentas a teus amigos?

O mar dos teus sonhos

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