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Capítulo 3

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– Qual é a tua primeira memória?

– Olhar para um atiçador na lareira enquanto me mudavam as fraldas – respondeu com humor –, mas não quererás que entre em detalhes.

– Obviamente que não – disse ele, sorrindo. – Tenta outra vez.

– Vejamos… Ah, sim. Lembro-me de estar num quarto escuro, a gatinhar.

– Era o teu quarto?

– Acho que não. Era um lugar que não cheirava bem. Havia garrafas e beatas no chão, e estava tudo pegajoso. Uma das beatas tinha uma mancha de batom, o que me fez pensar na minha mãe, mas deitei-a logo fora – respondeu. – Agora que penso nisso, estava frio… e também tinha fome…

– Bom, esquece isso. Não quero que revivas uma experiência desagradável, porque é óbvio que estavas sozinha e assustada – apressou-se ele a dizer. – Desculpa-me por ter-te pressionado. Pensarás que sou um insensível.

– Não, apenas que sentes curiosidade – brincou.

– Estou a falar a sério, Kimmie.

– E que queres que faça? Que embeleze as minhas histórias para que te divirtam mais e os meus amigos ganhem mais tempo?

– Não, de todo – disse, levantando-se de repente. – Anda, vamos.

Ela franziu o sobrolho.

– Disse algo de errado?

– Não – respondeu com firmeza. – Não disseste nada de errado.

Kris começava a sentir-se culpado. Kimmie era uma boa candidata a casar-se com ele e apaziguar o seu tio; mas, quando começou a falar da sua infância, que aparentemente não tinha sido a ideal, sentiu a desconcertante necessidade de a proteger.

– E então? Que te parecem as minhas histórias? São tão boas assim que poderemos ficar pela praia?

– Não estão mal.

– Posso contar-te outra…

– Não, deixa – replicou ele, zangado consigo mesmo.

– Aborreci-te?

Kris virou-se para ela, pôs-lhe uma mão na bochecha e olhou-a nos olhos.

– De modo algum. És uma verdadeira sobrevivente, Kimmie Lancaster.

– E mais que capaz de te enfrentar.

– Eu sei.

Kris afastou-se e deu um passo atrás. Era um homem muito poderoso, que podia comprar o que quisesse e fazer o que lhe desse na cabeça, mas não podia casar-se com Kimmie. Seria uma crueldade. Em primeiro lugar, porque já lhe tinham causado muito dano naquele dia e, em segundo, porque era um espírito livre.

Uma mulher como ela não aceitaria um casamento de conveniência. Uma mulher como ela não se prestaria à farsa de se casar com ele para contentar Theo e dar-lhe o herdeiro que desejava.

Kimmie ficou contente por ter sido afastada a possibilidade de ir para a cama com Kris. Por algum motivo, tinha sentido a tentação de fazer amor com um homem ao que não voltaria a ver, mas teria sido tão inútil como dançar na praia. Não teria mudado nada. E, certamente, iria arrepender-se mais tarde.

Isso foi o que se disse a si mesma enquanto se olhavam nos olhos. Mas tudo mudou quando ele a segurou entre os seus braços de forma inesperada, inclinou a cabeça e cobriu os seus lábios com uma série de beijos tão sedutores e doces que a deixaram sem ar. Nunca se tinha sentido tão excitada. O seu corpo queria mais, a sua mente queria mais.

Para seu desespero, Kris rompeu o contacto e acariciou-lhe o cabelo. No entanto, devia ter reparado que estava longe de ter ficado satisfeita, porque voltou a inclinar a cabeça e beijou-a outra vez, com mais paixão.

Foi sensacional. De cada vez que as suas línguas se encontravam, Kimmie arqueava-se contra ele e recebia outra dose de prazer, entregando-se por completo.

Ao fim de uns instantes, sentiu como se o desejo os tivesse fundido e os tivesse convertido na mesma pessoa. Já não lhe bastavam os beijos. Ansiava por uma invasão mais íntima, com emoções que a consumissem até ao ponto de esquecer tudo o resto.

Kris era o amante com que sempre sonhara, o amante que já não esperava encontrar: atento, generoso e indiscutivelmente experiente. Não se parecia nada com Mike, que sempre a tratara como se as suas necessidades fossem secundárias.

– Estás a tremer – disse Kris. – Que se passa? Não podes esperar que não te deseje quando estamos tão juntos. Estás arrependida?

– Não.

Kimmie não pôde ser mais sincera. Acabavam de conhecer-se, mas tinha-lhe contado mais coisas sobre a sua vida do que a Mike. E não lhe pareceu estranho, porque o seu ex-noivo mandava nela como um vulgar ditador e Kris limitava-se a incentivá-la.

Como podia ter sido tão estúpida? Tinha-se convencido de que o débil e egoísta Mike seria um bom companheiro, e até tinha planeado deixá-lo encarregue da parte financeira do seu negócio, enquanto ela se dedicaria exclusivamente a pintar. Enganara-se com uma fantasia infantil, com um sonho que não tinha nem pés nem cabeça.

No entanto, Kris era um homem tão forte e independente como ela. E, em vez de sentir-se coibida ou intimidada, sentia-se renovada.

– És casado? – perguntou de repente.

– Não – respondeu ele. – Nem casado nem remotamente comprometido.

Kris tinha decidido que Theo teria de esperar. Gostava muito de Kimmie, mas não se casaria com ela. Ao abraçá-la, reparara em algo mais que a sua excitação: no seu temor e nas suas dúvidas. E, como não tinha respondido à pergunta sobre se tinha medo do sexo, não quis afligi-la mais.

No entanto, aquela decisão aumentou o seu desconcerto. Por que lhe preocupava a possibilidade de afligi-la mais? Acabavam de se conhecer na praia. Era uma desconhecida que lhe contava histórias, e nem tinha forma de saber se eram verdade. Talvez estivesse a mentir para conquistar a sua simpatia. Não seria a primeira mulher a tentar manipulá-lo.

Além disso, as dúvidas de Kimmie quase empalideciam em comparação com as suas. A necessidade de ir para a cama com ela era tão intensa que não se lembrava de ter sentido algo igual. Como era possível que a desejasse tanto?

– Bom, acho que chegou o momento de voltar para os meus amigos.

– Qual o motivo para tanta pressa?

Ela encolheu os ombros.

– Porque a festa terminará em breve.

Kimmie virou-se para o sol e fechou os olhos como se quisesse esquecer a traição do seu noivo. Estava tão magoada que Kris enterneceu-se e quis apagar-lhe as preocupações com um beijo carinhoso. Mas o carinho transformou-se em algo mais tórrido e, antes que se dessem conta do que se passava, acabaram deitados na areia.

– Mais dez minutos – disse ela, sem fôlego.

Kris estava fascinado com Kimmie. A sua insegurança tinha desaparecido, e agora seduzia-o com toda a naturalidade, arqueando os seus luxuriosos seios de mamilos orgulhosamente eretos. Estava a oferecer-se a ele. O brilho dos seus olhos não deixava lugar a dúvidas e desejava-a tanto que era quase doloroso.

Depois de admirar os reflexos roxos do seu cabelo, ponderou a possibilidade de ela lhe ter preparado uma armadilha. Afinal, os homens ricos e poderosos eram vítimas habituais desse tipo de estratagemas. Mas tinha a sensação de que Kimmie só estava a usá-lo para esquecer o ex-noivo e, como suspeitava que depois se arrependeria, afastou-se e levantou-se.

– Vou levar-te de volta – disse.

– Fiz algo de errado?

Kimmie lançou-lhe um olhar de surpresa, e ele perguntou-se por que estava empenhado em recusar os seus favores. Não era nem seu amigo nem seu psicólogo, mas sentia-se na necessidade de protegê-la. Talvez, porque ele também era um sobrevivente com um passado doloroso.

– Levas-me à festa?

– Não, para casa.

– Para a tua? – perguntou ela.

– Não, para o teu alojamento.

Aquilo era completamente novo para ele. Quando queria algo, tomava-o sem mais; mas Kimmie exigia uma aproximação mais subtil.

Refrear-se com ela seria um grande desafio. E Kris adorava os desafios.

Kimmie não podia sentir-se mais deprimida. Tinham-na recusado duas vezes num só dia e sentia-se absolutamente patética.

Seria possível que Kris a achasse tão chata como Mike? Era assim tão pouco atraente?

Noutras circunstâncias, não teria dado tantas voltas ao assunto; mas as suas emoções estavam descontroladas e, como se isso fosse pouco, tinha gostado tanto dos beijos de Kris que só queria repetir. Além disso, tinha a impressão de que ele também tinha gostado, o que aumentava o seu desconcerto. Teria cometido um erro ao contar-lhe tudo aquilo sobre a sua vida?

Bocejaria mais tarde, quando estivesse sozinho? Gozaria com ela quando ela fosse ter com os seus amigos?

– Subiremos a arriba – informou-a, apontando para a parede rochosa que se erguia à frente deles. – Levar-te-ei para casa no meu carro.

– Tens o carro lá?

– Claro, é onde vivo.

Kimmie ficou boquiaberto.

– Oh, meu Deus. Agora percebo. A praia é tua, não é?

Kris olhou-a nos olhos e perguntou:

– Queres subir? Ou preferes voltar para os teus amigos?

– Ainda não respondeste à pergunta.

– Não. Nem tu à minha.

Kimmie perguntou-se que diabos se estava ali a passar. Quem era aquele homem? Queria ir com ele para sua casa? Queria voltar para os seus amigos? Queria estar sozinha e que a deixassem em paz? Não sabia, mas tinha de dar-lhe uma resposta.

– O passeio vai fazer-te bem – continuou ele, como se adivinhasse os seus pensamentos.

– Achas? – perguntou, com ironia, observando a arriba altíssima.

– Sim, acho que sim. E estarás num lugar onde não terás de dar explicações a ninguém – replicou. – Além disso, sei que gostas de aventuras.

– Onde foste buscar essa ideia?

– Chama-lhe intuição.

– Então, não estás farto de mim?

Ele encolheu os ombros.

– Sempre gostei de desafios.

– Eu também. Mas preferiria falar antes com os meus amigos, para que saibam onde estou.

– Uma precaução muito sábia. Eu acompanho-te.

Kimmie semicerrou os olhos nesse momento.

– Ah, agora percebi!… Tu és o Kristof Kaimos, o presidente da Kaimos Shipping.

Kris não disse nada.

– A imprensa diz que és o homem mais rico do mundo – continuou ela –, e que estás decidido a continuar solteiro apesar das pressões do teu tio, que está empenhado em que te cases.

– Ena, sabes muito de mim.

Kimmie não saía do seu assombro. Tinha estado o tempo todo com o famoso Kristof Kaimos, e nem sequer se tinha dado conta.

– É lógico que saiba. Os jornalistas falam dos ricos constantemente – defendeu-se. – Mas agora sinto-me mais segura.

– Porquê?

– Porque duvido que me queiras como esposa. Podes escolher entre candidatas mais interessantes que uma artista desconhecida.

Kris soltou uma gargalhada.

– Tens uma forma muito romântica de dizer as coisas – brincou ele.

– Romântica, eu? Adoraria sê-lo, mas a vida não mo permite.

– Se dizes isso por causa do que se passou com o teu noivo, lembro-te que todos cometemos erros.

– Até tu? Arrepender-te-ás amanhã de me teres conhecido?

– Isso só posso saber amanhã, naturalmente.

– Tens sempre uma maneira de evitar as respostas?

– Claro. Sou um homem de negócios.

– Pois deves ser um grande homem de negócios, porque não respondeste a nenhuma das perguntas que te fiz – recordou-lhe. – Se a tua empresa falisse, terias futuro como político.

– A minha empresa não vai falir.

– Não, suponho que não. Como poderia isso acontecer, contigo ao leme?

Kimmie olhou-o com humor, mas ele ficou sério e disse:

– Gostarias mais se fingisse ter sentimentos que não tenho?

– Não, claro que não. É verdade que a maioria das pessoas tentaria ser mais diplomática, mas tu vais direto ao assunto.

– Efetivamente – sentenciou. – Enfim, e que vais fazer afinal? Vais ter com os teus amigos? Ou vens comigo?

– As duas coisas. Primeiro eles e depois, tu.

– Então, vamos.

– Quando quiseres.

O mar dos teus sonhos

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