Читать книгу Contos para a infância - Abílio Manuel Guerra Junqueiro - Страница 22

Perfeição das obras de Deus

Оглавление

Índice de conteúdo

A filha.--Oh! mamã quebrou-se-me a agulha.


A mãe.--Vou-te dar outra.


A filha.--Como se fazem as agulhas, mamã?


A mãe.--Vê se adivinhas.


A filha.--Nã sei, mamã.


A mãe.--Conheces os metaes?


A filha.--Conheço mamã; tenho lá dentro muitos bocadinhos dentro de uma caixa.


A mãe.--Ora muito bem, dize-me lá, as agulhas são de pau, de pedra, de marmore?


A filha.--Oh! não; são de metal; mas de que metal?


A mãe.--Antes de perguntar qualquer coisa, vê sempre se a adivinhas primeiro.


A filha.--Ora espere!... uma agulha é de metal: não é de prata, porque não é branca; não é de oiro, porque não é de um lindo amarello muito brilhante; não é de cobre, porque não é de um amarello muito feio, que cheira mal... Então é de ferro, mamã?


A mãe.--Adivinhaste.


A filha.--Mas, mamã, o ferro não é liso e brilhante como as agulhas.


A mãe.--É que é primeiro polido e preparado de certo modo, e depois já se não chama ferro, é aço.


A filha.--Bem, as agulhas são de aço. Agora quero adivinhar como é que as fazem.


A mãe.--É impossivel, não és capaz d'isso; mas hei de levar-te a uma fabrica onde se fazem agulhas. Has de vel-as fazer, e has de gostar muito.


A filha.--Tinha vontade de saber como se fazem todas as coisas de que nos servimos.


A mãe.--Tens razão; é uma vergonha ignoral-o.


A filha.--Mamã, deixe-me ver as suas agulhas.


A mãe.--Olha, ahi tens o meu estojo.


A filha.--Meu Deus! Que pequeninas algumas! Que lindas! São tão fininhas, tão fininhas!... Muita habilidade ha de ser necessaria para fazer uma coisinha tão delicada!


A mãe.--Lembras-te de ver na feira um carrinho de marfim puxado por uma pulga, presa por uma cadeia de oiro?


A filha.--Lembro, mamã; era tão bonito!


A mãe.--Li n'um jornal allemão que um operario chamado Nerlinger fez um copo de um grão de pimenta, e que dentro d'este copo havia mais doze...


A filha.--Que pequeninos deviam ser os doze copos para caberem n'um grão de pimenta!


A mãe.--E ainda não é tudo; cada um d'esses copinhos tinha as bordas doiradas, e sustentava-se no pé.


A filha.--Que vontade eu tinha de ver isso!


A mãe.--Tens razão de te admirares da habilidade dos homens. É effectivamente espantoso, e deve saber-se, o modo porque se fabricam certas coisas; comtudo ainda ha outras obras mais dignas de admiração.


A filha.--Quaes, mamã?


A mãe.--Já t'o digo. (Levanta-se.)


A filha.--Que quer, mamã?


A mãe.--Quero que vejas o microscopio de teu papá.


A filha.--Pois sim; eu gosto de olhar pelo microscopio.


A mãe.--Este é magnifico, e augmenta prodigiosamente os objectos. Vaes ver a mais pequenina das minhas agulhas. Repara primeiro como é fina, lisa e brilhante... Agora olha; o que é que vês?


A filha.--Meu Deus, que coisa tão feia! que agulha tão grosseira!


A mãe.--Vês-lhe buracos, riscos, asperesas, não é verdade?


A filha.--Parece um prego muito grande e muito mal feito.


A mãe.--Pois todas essas imperfeições são verdadeiras, existem na agulha; a nossa vista, por ser muito fraca, é que não dá por ellas.


A filha.--O operario que fez esta agulha ficaria envergonhado, se a visse ao microscopio.


A mãe.--Tiremos a agulha, e vejamos outra coisa.


A filha.--O quê, mamã?


A mãe.--O aguilhãosinho de uma abelha.


A filha.--Oh! que pequenino, que bonito!... Como é liso, como é brilhante!... Mas já sei que visto ao microscopio ha de acontecer o mesmo que com a agulha.


A mãe.--Prompto: olha.


A filha (olhando).--É exquisito, mamã!


A mãe.--Então?


A filha.--Augmentou, augmentou como a agulha, mas não é áspero, pelo contrario, é perfeitamente liso... A agulha parecia que não tinha ponta, e o ferrãosinho da abelha tem uma ponta tão fina como um cabello. Porque será isto, mamã?


A mãe.--É porque o operario que fez este aguilhão é muito mais habil do que o que fez a agulha.


A filha.--Quem é esse operario tão habil?


A mãe.--É o mesmo que fez o ceo, os astros, a terra, as plantas e as creaturas.


A filha.--É Deus.


A mãe.--Exactamente. Pois não é Deus que fez as abelhas e todos os animaes?


A filha.--De certo.


A mãe.--Foi elle por conseguinte que fez o aguilhão d'esta abelha; e ahi tens porque o aguilhão é superior á agulha: é obra de Deus. Mas continuemos a olhar pelo microscopio. Aqui está um pedacinho de musselina finissima. Olha pelo microscopio; o que é que vês?


A filha.--Vejo uma rede grossa, desegual, muito mal feita.


A mãe.--Aqui tens agora um pedacinho de renda delicadissima.


A filha.--Essa estou bem certa que ha de ser linda, mesmo vista pelo microscopio.


A mãe.--Então?


A filha.--É horrorosa... Parece feita de pellos grosseiros com grandes buracos deseguaes.


A mãe.--As obras do homem são todas assim.


A filha.--Oh! mamã, vejamos agora as obras de Deus.


A mãe.--Sabes o que é isto?


A filha.--Sei, mamã, é um casulo de bicho de seda.


A mãe.--Os fiosinhos que o compõem são muito finos, muito lisos; olha pelo microscopio a ver se te parecem deseguaes.


A filha (olhando pelo microscópio).--Não, mamã; os fios são todos eguaes, e o casulo é sempre muito liso, muito brilhante.


A mãe.--É porque é obra de Deus. Examinemos outras coisas. O que ha sobre este papel?


A filha.--Pontinhos feitos com tinta e manchasinhas redondas feitas também com tinta.


A mãe.--Estes pontinhos e estas manchas parecem-te perfeitamente redondos?


A filha.--Sim, mamã, perfeitamente redondos.


A mãe.--Vê-os agora ao microscopio.


A filha.--Oh! já não são redondos, são todos deseguaes.


A mãe.--Tira o papel; vejamos a obra de Deus. É uma aza de borboleta; vês que está mosqueada de pequeninas manchas redondas; olha pelo microscopio; o que é que vês?


A filha.--Vejo a mesma coisa que via sem o vidro, só com a differença que agora é maior. Que bellas que são as obras de Deus!


A mãe.--Merece bem a pena estudal-as.


A filha.--De certo. Farei sempre por isso, comparando-as com as obras dos homens.


A mãe.--E sempre e em tudo has de encontrar defeitos nas obras do homem, emquanto que as obras de Deus, quanto mais se observam, mais perfeitas se acham. Deve isto fazer-nos meditar em duas coisas: a primeira é que Deus merece tanto a nossa admiração como o nosso amor; a segunda é que os homens orgulhosos são insensatos, porque não podem fazer nada perfeitamente bello, perfeitamente regular, e as suas obras mais primorosas são cheias de imperfeições, se as compararmos com as obras do Creador.



Contos para a infância

Подняться наверх