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Os frequentadores das praias
ОглавлениеEscolhamos alguns dos typos que avultam na galeria das praias, para fixarmos n'elles a nossa attenção por um momento.
O fallador—É o discursador de cada praia, o homem que conta anecdotas e que sabe da vida alheia. Tem corda para toda a época balnear. Levanta-se pela manhã a fallar, vai conversar para a praia dos banhos logo que se levanta, e á noite é o ultimo a sair do club.
—Meus amigos, diz elle, alli na Arruda aconteceu-me uma vez uma partida de estalo. Imaginem que um rapaz do meu tempo, vendo-me apeiar da diligencia, se lembrou de dizer aos da terra que eu era o homem mais rico de Portugal. D'alli a pouco choviam-me no hotel memoriaes, requerimentos, bilhetes de visita. Um tal foi propôr-me um negocio que devia render cincoenta por cento. Outro queria vender-me{31} uma quinta phylloxerada. E um pai de familia pretendia que eu lhe desposasse a filha... no caso de ser solteiro. Via-me embaraçado com tantos pedidos e propostas. De modo que tive de escrever para um meu amigo de Lisboa pedindo-lhe que me dissesse em telegramma; «Falliu Rio Janeiro casa Antunes & C.ª Paciencia e resignação.»
Eu li este telegramma na botica da terra, onde me foi entregue, e exclamei fingindo desmaiar: «Estou arruinado!»
Acreditaram. Nunca mais ninguem me procurou para saber a resposta que eu daria aos memoriaes e aos requerimentos.
D'alli a instantes:
—Em Maçãs de D. Maria tambem me aconteceu um caso muito ratão. Eu tinha ido lá para arrematar uma quinta, que devia ir á praça n'esse dia. Mas, por qualquer motivo, não se realisou a arrematação. Logo souberam, porém, ao que eu ia. Á noite, armaram um bailarico, e convidaram-me para assistir. Houve descantes em minha honra. Mas no dia seguinte, realisava-se a festa de um santo qualquer e vieram dizer-me que eu tinha de pagar a missa e o sermão, porque era costume da terra que toda a pessoa que alli fosse pela primeira vez, e recebesse a honra de um bailarico, fizesse á sua custa a festa d'aquelle santo.
No club, á noite:{32}
—Uma vez, na Narazeth, lembramo-nos de ir todos para o club vestidos com o fato do banho. Imaginem que risota?!
—Mas as senhoras? O que disseram as senhoras a isso? pergunta alguem, do lado.
O fallador não se atrapalha:
—Ah! as senhoras não foram n'essa noite ao club...
O silencioso—Ouve tudo calado, mascando no seu charuto. Não aventa uma ideia, não arrisca uma opinião. Não quer conhecer ninguem. Os outros banhistas que se riem do fallador, riem-se igualmente do silencioso. Ao cabo de vinte dias de praia, o silencioso aventura-se a proferir uma palavra ou duas. Em vez de levar apenas a mão ao chapeu, rompe neste excesso de eloquencia: «Muito bons dias» ou «Muito boas noites». Cinco dias depois, já cumprimenta um ou outro pelo seu nome. E no fim do mez, quando parecia resolvido a fallar, vae-se embora!
Uma vez, n'uma praia, appareceu um silencioso d'estes. Havia um fallador, que embirrava muito com elle. Era natural.
—Eu hei de obrigar a fallar este diabo...
Fazia-lhe uma pergunta, e o homem contentava-se com encolher os hombros.
—Não importa! Eu hei de obrigar a fallar este diabo... dizia o fallador assim que o silencioso voltava costas.{33}
—O cavalheiro toma banhos?
O silencioso meneiava affirmativamente ou negativamente a cabeça.
Desesperado, o fallador, estando certo dia a contar uma das suas muitas historias, fingiu-se distraido, e pisou o outro.
—Que bruto! exclamou o silencioso.
—Mas... fallou! gritou cheio de jubilo o fallador.
O generoso—Vá, rapazes, lembrem-se vocês d'alguma festa, e contem commigo. Póde-se tirar partido de tanta coisa! Querem um arraial? Eu dou o fogo de vistas. Querem uma reg ata? Eu dou os premios. Querem uma burricada? Eu dou os burros.
—Não os ha, diz alguem, do lado.
—Qual não ha! Tudo são difficuldades! Já não ha rapazes!...
—O que não ha são burros.
—Burros! ha sim, sr. Eu encarrego-me de os mandar vir pelo caminho de ferro ou, se tanto fôr preciso, pelo telegrapho. Onde ha dinheiro, ha tudo.
O sovina—Andam ahi a fazer uma subscripção? Tem graça! Quem encommendou o sermão, que o pague. Eu nunca na minha vida dei dez réis para divertir os outros. Pelo contrario, o que eu quero é que os outros me divirtam a mim. Agora uma soirée! Não vou a parte nenhuma para tomar chá. Tomo-o em minha casa{34} quando quero. De mais a mais uma soirée com bolos saloios, que quebram os dentes á gente! E chá de herva cidreira ainda por cima! No chá não se admitte meio termo: ou bom ou nada. Eu não gosto senão do Hyson. E depois dá cá dez tostões! Ora que tal está a maroteira! Queriam dançar? Dançassem a sêcco. Quanto mais leve se está, melhor se dança!
O pai extremoso—É a primeira vez que o cavalheiro vem a esta praia?
—Sim, sr.; é a primeira vez.
—Então hade conhecer poucas senhoras?
—Muito poucas.
—É uma contrariedade para quem gosta de dançar. O cavalheiro dança?
—Gosto muito.
—Pois bem, esta noite queira procurar-me no club, que eu o apresentarei a tres ou quatro senhoras.
—Oh! mil vezes obrigado.
—Se me não custa nada!
Á noite, no club, o pai extremoso procede ás promettidas apresentações.
—Tenho a honra de apresentar ao cavalheiro minha filha Engracia.
E passando em claro apenas uma cadeira:
—Tenho a honra de apresentar ao cavalheiro minha filha Cecilia.
E duas cadeiras mais adeante:{35}
—Tenho a honra de apresentar ao cavalheiro minha filha Conceição.
Depois, filando o apresentado pela lapella do frack:
—Agora já o cavalheiro tem muito com quem dançar. Para o caso, porém, de querer variar um pouco, apresento-lhe ainda a minha Mimi, que tem apenas nove annos, mas que gosta muito de dançar. Aprendeu com o Justino Soares, e elle disse-me quando viemos para cá: «Esta menina ha de vir a dançar ainda melhor que as irmãs!»
O pai indiferente.—Passo.
O filho mais novo, chegando-se ao pé da mesa do voltarete:
—Manda dizer a mamã se faz favor de ir á sala para arranjar um par para a mana. Ella ainda não dançou.
—Diz á mamã que vou já.
D'ahi a pouco volta o pequeno:
—Faz favor de lá ir, que se vai dançar uma quadrilha.
—Peço licença.
—Que diz o papá?
—Que já lá vou.
—Então eu espero pelo papá.
—Isto não tem discussão possivel: cinco matadores.
—Venha d'ahi, papá.
—Dois de licença, cinco de matadores, dois de cinco primeiras: nove.{36}
—Olhe, papá, já começou a quadrilha!
—Quando se dançar outra, vem chamar-me.
O commodista—Meninas, olhem que já são dez horas.
—Ámanhã é dia santo, papá.
—Ó Jeremias! deixa dançar as pequenas mais um bocado...
—Perde-se todo o effeito dos banhos com estas noitadas!
—É só mais um bocado...
—Nada! nada! já estou com muito somno.
—Vê se o espalhas.
—A Rosa já deve ter feito o chá.
—És massador!
—Ai que deixei a janella do quarto aberta, e entram os mosquitos! Vamos lá depressa...
O sucio—Eu cá sou de feição. Não gostei nunca de desmanchar prazeres. Podem dançar á vontade, que eu vou vêr jogar.
E vae para a rua conversar com as raparigas do povo, que espreitam á porta do club.
Uma hora depois, volta á sala.
—Então, ainda querem dançar mais?
—Só mais uma valsa.
—Pois sim! Eu cá não quero ser desmancha-prazeres. Vou lêr os jornaes, que remedio!
E torna para a porta do club a conversar com as raparigas do povo.
—Ó Melôa, já te vaes embora?{37}
—Já, sim, sr., e não tenho medo dos ladrões.
—Pois fazes mal. Espera ahi, que eu acompanho-te. Sempre é bom acautelar...
O indigena da praia—Quem diabo serão os patuscos, que andam a tocar trompa a esta hora?! Estava no melhor do meu somno! Corja de patifes!
Os da trompa—Sopra-lhe ahi com força para accordares o Diamantino, que me vendeu um fato de banho por mais seis tostões. Patife!{38}