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1. MANTENDO A FORMA

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A

ara estava preenchendo seu requerimento de matrícula para a Escola de Música Juilliard. Sentada ao lado da adolescente, Tess - sua mãe adotiva – ajudava-a na verificação dos requisitos.

- Vamos ver... O histórico escolar está aqui. Equipamento audiovisual... confere. Deverá tocar todas as músicas de cor, nenhum problema. Deverá passar por um exame escrito de habilidades básicas como instrumentista, e uma avaliação pessoal da habilidade musical, tudo bem. O candidato deverá tocar um prelúdio e fuga do Cravo bem temperado de Bach, ou uma obra que contenha uma fuga; nisso aqui você vai se sair bem. Deram uma lista de sonatas, para você escolher uma. Fique com Beethoven. Querem que toque uma composição importante de Chopin, Schumann, blá-blá-blá. Escolha Chopin. Nisso vai ter de trabalhar um pouco, porque querem dois estudos com desempenho virtuoso. Vamos ver quais você prefere tocar. Pedem mais algumas músicas, porém nenhuma delas será um desafio para você. Com um pouco de prática, você está pronta para isso. O Jake já providenciou uma câmera e uma equipe de som para gravar o vídeo.

Aara pareceu um pouco receosa.

- Talvez eu ainda não esteja pronta para isso, mamãe.

- Bobagem! – Tess tranquilizou-a, remexendo a papelada. - Você está terminando a escola com nota máxima, e já toca piano há cinco anos. Sua professora garantiu que você vai arrasar.

- Mas eu ainda não tenho certeza de que sou boa o bastante.

Tess pegou a mão da menina entre as suas.

- Querida, você tem um talento enorme. Ninguém toca Chopin melhor do que você. As pessoas chegam a chorar de emoção.

- Talvez eu devesse entrar para as Valquírias. O que elas fazem é legal.

- Aara, as Valquírias tocam música como hobby. Nosso trabalho diário é pilotar aviões e lidar com equipamento militar. O que fazemos não é fácil. É preciso um bocado de treinamento, e às vezes corremos perigo. Acredite, não vai gostar disso. De qualquer modo, ainda é muito novinha.

- Mas parece divertido. É melhor do que passar os próximos anos tocando piano.

- Aara, garanto que boa parte do que nós fazemos não é nada divertido. Você tem mais talento do que eu. Pode ter uma carreira magnífica como pianista.

- Eu tenho medo, Tess.

- É claro que tem medo, querida. Juilliard é uma das melhores escolas de música do mundo, mas pouca gente tem talento suficiente para entrar lá, sem falar em ter sucesso depois. De qualquer modo, vamos ajudar você.

- Se você diz isso... – resmungou Aara, com um tom de ceticismo.

- Hoje é a minha vez de comandar a sessão de exercícios do pessoal na academia. Quer vir junto?

- Legal!

- Ótimo! Vista suas roupas de ginástica e vamos embora.

♦♦♦

Morgan Theresa Turner, que os amigos chamavam de Tess, era filha de um militar. Ela se tornara pilota de helicóptero militar, chegando à patente de major. Seu marido, Jake Vickers, também era piloto e ex-agente da CIA. Juntos, eram donos de uma empresa de serviços militares chamada Strategic Resource Development (SRD) que prestava serviços de consultoria militar, avaliação de armamentos e treinamento em aeronáutica para países em desenvolvimento. Tess e Jake desfrutavam de uma reputação impecável, por trabalharem sempre no melhor interesse de seus clientes. O pessoal da SRD incluía pessoas de diversos países, cada um com um histórico profissional impressionante e uma notável experiência militar. Seus talentos não os isentavam de participar de sessões intensivas de exercícios físicos na academia de ginástica da empresa, situada na Rua 57, em baixo do seu escritório em Nova York.

Naquela manhã, vários integrantes do grupo estavam se aquecendo.

Carmen Cabrera, que pilotara helicópteros de combate junto com Tess durante a Guerra do Iraque, era e melhor amiga de Tess, e diretora na empresa. Era miudinha, porém feroz como só alguém que cresceu nos guetos de Los Angeles poderia se tornar. Nicola Orsini, o marido de Carmen era loiro, alto e bonitão, vindo do norte da Itália. Também era piloto, perito em sistemas de armamento europeus, e o melhor amigo de Jake. Além disso, era fluente em vários idiomas, uma habilidade muito útil para a empresa, que atuava em vários países pelo mundo afora. Naquela manhã, teve um pouco de dificuldade para convencer sua amada a sair da cama e ir para a ginástica. Finalmente Carmen conseguiu se arrastar até a cozinha. Um pouco nauseada, ela abriu mão do café da manhã, contentando-se com um copo de leite.

Claudine Bisson, a chefe da SRD em Paris, era uma pilota francesa de aviões de caça. Vinha regularmente a Nova York para participar de reuniões. Assim como Tess, ela era linda, selvagem e agitada, contudo o que a diferenciava era um senso de humor sarcástico que imediatamente encantava a todos. Numa busca perpétua pelo homem perfeito, ela ainda não o encontrara. Conquistava multidões de homens, mas todos os que chegava a conhecer acabavam se mostrando egocêntricos, preguiçosos e covardes.

Galina Kutuzova, russa, pilota de helicópteros e especialista em bancos de dados, vivia junto com Alexander Ivanovich Tukhachevsky, conhecido como Alex Tuck para simplificar, que também era russo, especialista em armas. Ambos haviam sido atletas olímpicos, e sua aparência não deixava dúvidas. Foram apelidados de Thor e Brunilda pelo pessoal, por serem dois espécimes divinos da raça humana. Altos, loiros, musculosos e com feições esportivas, eles realmente pareciam deuses nórdicos. Haviam dormido pouco na noite anterior, tendo ficado até a alta madrugada conversando com amigos vindos da Rússia a turismo, relembrando histórias da terra natal. O resultado previsível da festa foi uma tremenda ressaca de vodca. Resmungando, os dois se arrastaram até a academia.

Ifeyinwa Idigbe Ukume, que a Equipe chamava de Alice era uma detetive da Nigéria que já havia trabalhado com a equipe da SRD no combate à prostituição de nigerianas na Europa. Quando vinha a Nova York, participava das atividades do grupo.

George Kimmel era um profissional da inteligência militar, trabalhando diretamente com Jake. Vivia com Yasmin Badawi, uma arqueóloga síria que ele e Nicola haviam resgatado do Estado Islâmico, o grupo terrorista. Yasmin sofrera abuso e ficara traumatizada, porém conseguira se recuperar graças à ajuda dos amigos na SRD e, no último ano, se tornara uma valiosa integrante da empresa. Estava decidida a se vingar de seus captores, e muito motivada a aprender habilidades militares. Ela e George eram participantes entusiásticos das atividades atléticas da empresa. Para se aquecer antes dos exercícios, iam correndo desde o seu apartamento na Rua 14.

Ken Ross era um atirador de elite e diretor da empresa. Veterano do exército, tendo servido no Iraque e no Afeganistão, era um solitário imbuído de uma lealdade ilimitada a Jake e Tess. Mantinha-se em muito boa forma, e as sessões de ginástica, três vezes por semana, não eram nenhum desafio para ele.

Joe Slezak era o gerente de TI da SRD, que trabalhava junto com Galina. Magrelo, de bigode e cavanhaque, era um gênio com computadores. Tentava manter um relacionamento de longa data com sua noiva Trudi, uma cantora de ópera argentina que viajava pelo mundo inteiro. Quando ela não estava por perto, era normal Joe ficar de mau humor.

E finalmente John Powers, um especialista em armas. Sabia usar todas as máquinas mortíferas do arsenal, e ficava incumbido de treinar o pessoal.

As cinco mulheres principais, que foram apelidadas de “Valquírias” pelo resto da empresa, formavam o núcleo de operadoras, agentes e pilotas envolvidas em serviços de treinamento em aeronaves e armas para países do Terceiro Mundo que precisassem aprimorar a capacitação de suas forças armadas. De vez em quando a empresa entrava em combate de verdade, o mais recente tendo sido contra o Boko Haram, na Nigéria. Também lutaram no México, onde as Valquírias e os homens da SRD dizimaram um comboio de traficantes mexicanos, libertando centenas de mulheres destinadas à prostituição nos Estados Unidos.

Como hobby, as mulheres tocavam música de câmara como “As Valquírias”, um conjunto criado por Jake para bancar um projeto contra o tráfico de pessoas, que lhes consumiu um ano inteiro. As mulheres davam concertos várias vezes por ano, e a renda era destinada a diversas ONGs que lutavam contra a exploração de mulheres.

Os principais executivos da SRD se revezavam na condução de sessões puxadas de exercícios físicos para todo o pessoal. Quando todos se reuniram na academia e descobriram que seria a vez de Tess comandar os exercícios, logo começaram a se lamentar. Galina, que tomara quatro aspirinas para dominar sua ressaca, apoiou-se em Alex, acometido do mesmo mal, e disse que preferia ter de pular da ponte do Brooklin do que aguentar a crueldade impiedosa de Tess. Alex concordou que era uma boa alternativa, e que ele a acompanharia naquele salto.

Carmen, habitualmente uma participante empolgada, havia conseguido controlar seu estômago, e secretamente ansiava por escapar daquela tortura, mas tinha certeza de que sua ausência seria notada. Começou a fazer o aquecimento ao lado de Nicola, que não parecia preocupado com o desafio iminente.

Nenhuma das lamúrias do pessoal conseguiu abalar a determinação de Tess em fazer uma sessão de ginástica puxadíssima, seguida de levantamento de pesos e artes marciais. Os participantes haviam batizado a sequência de exercícios de Tess como a “Santa Inquisição”, e durante o exercício soltavam alguns “odeio você” e “acho que vou vomitar”. Intransigente quanto à boa forma, Tess ignorava as súplicas e persistia em exigir que o pessoal desse o máximo de si.

Depois de duas horas de tortura do corpo, a sessão terminava com uma corrida pela cidade. O percurso favorito de Tess cortava o Central Park paralelamente à 5ª Avenida. Os homens preferiam correr até o Battery Park.

As Valquírias eram todas deslumbrantes e em perfeita forma, muitas vezes atraindo os olhares de sujeitos safados que lhes dirigiam olhares, gestos e gracinhas, tentando interferir no exercício. À medida que o grupo se aproximou da Rua 97, na parte norte do Central Park, cinco homens desgrenhados sem nada melhor para fazer estavam em busca de novas vítimas. Aparentemente lhes faltava discernimento, porque resolveram ir atrás das mulheres bonitas. Depois de seguirem o grupo correndo por algum tempo, deram uma acelerada ao perceberem que Carmen estava ficando para trás, e tentaram puxá-la para fora da corrida. As outras mulheres, ocupadas em acompanhar o ritmo de Tess, não viram o que acontecia ali atrás. Um dos homens agarrou Carmen pelo braço e tentou atirá-la ao chão. Carmen saltou como um gato, deu uma cambalhota, e caiu em pé diante dele.

Um sujeito grandalhão e muito peludo, com um sorriso idiota no rosto, encarava a bela, porém pequena mulher.

- O que temos aqui? Parece um lanchinho bem gostoso.

Carmen lançou-lhe um olhar de ceticismo.

- E você acha que vai dar uma mordida?

O homem se aproximou.

- Posso querer um pouco mais. Que tal o sanduíche inteiro?

Quando ele estendeu o braço para pegá-la, Carmen subitamente deu um salto para cima, acertou ambos os pés no peito dele, e fez o troglodita insolente bater com as costas no chão. O animal atingido ficou deitado um pouco, tentando voltar a respirar novamente. Enquanto isso, seus capangas, sentindo-se insultados pela ousadia daquela baixinha que se recusava a ser sua vítima, partiram para atacá-la. Mas deram de cara com Tess, que voltara par ver o que estava acontecendo.

Tess percebeu que seria uma rara oportunidade para exibir suas técnicas pessoais de luta. Deu um salto no ar, e acertou simultaneamente um pontapé no queixo de cada um dos dois agressores mais próximos, fazendo-os tombarem como sacos de batatas. Não demorou para o resto das garotas entrar na dança e colocar em prática suas artes marciais nos rufiões restantes, que acabaram criando juízo e saíram mancando dali o mais rápido que puderam.

Tess foi falar com Carmen, preocupada.

- Tudo bem com você, amiga?

- Claro, só estava me divertindo um pouco. São apenas ratos da cidade.

- Assim você ofende os nobres roedores.

- Tem razão, Tess. Na verdade, eles são vermes.

O grupo retomou a corrida, rindo da saída humilhante dos aspirantes a bandidos. Perto do final, Carmen alcançou Tess, que ainda não demonstrava o mais leve sinal de fadiga.

- Tess, eu devo estar ficando velha. Estou sem fôlego. Vá um pouco mais devagar.

- Carmen, você nunca foi de amarelar. Faça uma força.

Tess saiu novamente em disparada.

- Vamos ver quem chega primeiro no escritório!

Carmen parou e se encolheu, pois seu estômago estava enviando mensagens. O enjoo voltara. As outras Valquírias passaram por ela, exortando-a a fazer força. Carmen retomou a corrida, mas logo teve de parar e sentou-se na entrada de uma casa, tentando recobrar o fôlego. Tess olhou para trás e viu. Correu para Carmen e sentou-se ao seu lado, preocupada.

- O que houve, garota? Nunca vi você desistir. Aqueles homens deixaram você mal?

Carmen respirava com dificuldade, tentando não sucumbir à náusea.

- Tess, acho que estou grávida. Isso é tão inconveniente.

Tess sorriu.

- Carmen, isso é uma ótima notícia! Nicola vai pirar de alegria.

- Sim, mas como é que eu fico? Isso era para acontecer só daqui a um ano.

- As coisas acontecem quando menos se espera. Um bebê é uma coisa maravilhosa. A família do Nicola vai endoidar.

- Sim, eles e a cidade inteira de Chiavari. Vão fazer questão de me arrastar de volta para a Itália, para poderem me trancar num quarto, onde a Mamma e as irmãs do Nicola vão se revezar para cuidar de mim 24 horas por dia, me entupir de comida, como se eu fosse um ganso de Estrasburgo. Não vou poder me mexer, e vou virar uma baleia.

- Sem essa, Carmen. Está exagerando. Conheci a família do Nicola, e são pessoas adoráveis.

- Eu adoro todos eles, Tess, mas não quero ir para lá. Além disso, eles têm uns hábitos bem estranhos. Ainda não acreditam em ar condicionado, lavadoras de louça, nem secadoras de roupa. Às vezes me deixam maluca.

Tess deu risada.

- Isso faz parte do encanto deles. Já contou para o Nicola?

- Não. Tenho medo de que ele me despache para a Itália na mesma hora em que souber.

- Poderia ser pior, mas tenho certeza de que podemos dar um jeito. Vamos nos adaptar para as suas limitações. Você não terá de ir para a Nigéria com a equipe. Daremos um jeito.

Tess estava mentindo. Carmen era o centro das operações, e a guru da logística da empresa.

- Eu vou para a Nigéria, Tess.

- Não se preocupe, Carmen. Daremos um jeito. Ter um filho é uma ocasião muito especial. Você deveria poder curtir a gravidez. Acredite, há poucas coisas mais lindas na vida.

- Eu sei, Tess, mas não quero ficar de fora. Temos muito trabalho a fazer, e não vou dar mancada com você nem com a equipe.

- Você nunca deu mancada conosco, Carmen, e agora não é hora de começar. Anime-se, curta essa fase incrível, e nós vamos dar um jeito nisso.

- Obrigada, Tess. Você é um amor. Só precisamos planejar para o bebê não atrapalhar.

- Não se preocupe. Dê a boa notícia ao Nicola, e vão comemorar num bom restaurante.

Carmen abraçou Tess. Foram andando até o escritório, fazendo planos para as aventuras que teriam pela frente.

Tess

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