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XII

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¡Que digo! ¿Esta mesma digressão aqui não é porventura uma sobreprova de quanto o amor, na sua mais vasta accepção, o amor que não suppre assim a poesia senão porque o é, constitue o caracter do pobre homem? Nem os desenganos o desenganam; nasceu affectivo; affectivo tem vindo caminhando pela vida fóra, da primavera para o estio, do estio para o outomno, que já se lhe desverdece, e nem os gêlos do inverno lograrão provavelmente resfrial-o.

Na festa da Primavera, n'esses dias do amor só sensual e egoista, bem que innocente, ¿que pedia elle aos amigos para quando já não existisse?

Deixae-me escutar n'um ecco d'alma aquelles versos:{32}

Depois que entre os abraços delirantes

de todos os que amei findar meus dias,

sepultae-me n'um valle ignoto e fertil.

Para marcar da sepultura o sitio,

sobre o cadaver que vos foi tão caro

mangeronas plantae, cuja verdura

em roda fecham variados lirios.

Na raiz funda da soberba olaia

poise a minha cabeça, e o tronco amigo

sobre mim curve a copa florescente.

Mil piteiras unidas, ostentando

na hastea vaidosa as flores amarellas,

em quadrado não grande me defendam

das incursões das cabras roedoras.

Em meu tronco se escreva este epitaphio:


Foi poeta amador da Natureza: d'entre as sombras ancioso a procurava, qual terno amante a bella fugitiva. Sobre isto pendurae sonora flauta, que se revolva á discreção do vento. Não cerque os ossos meus, não m'os ensombre, nem teixo nem cipreste; arvores quatro quizera só no meu jardim de morte. N'um canto a laranjeira graciosa, que mescla util e doce, a flor e o fructo; n'outro a figueira sob as amplas folhas modesta occulte seus nectáreos mimos; defronte um pecegueiro em fructos mostre que amavel é pudor, quando enche faces de penugem subtil inda cobertas; no ultimo canto... (a escolha me confunde) plantae no ultimo canto uma ginjeira; é a arvore da infancia, até na altura; d'esta por sua mão colhe um menino a mui ridente baga, e ri de ufano. Alguns tempos depois que a fria terra meus restos encerrar, á minha olaia vós, meus amigos, vós dareis meu nome, pois de mim se nutriu, e eu serei n'ella. Dos guerreiros nos tumulos afiem faminta espada os barbaros guerreiros; no sepulcro do sabio o sabio estude;{33} e dos Reis nos marmoreos monumentos vá sonhar a ambição grandeza e pompas; vós soltos de freneticas loucuras aqui vireis mil vezes visitar-me, na amizade pensar que nos unira, e unir-nos deverá transposto o Lethes. ¿Por que me interrompeis com taes suspiros? ¡ah! deixae-me acabar. Quando sentados em torno a mim na flórida alcatifa, guardardes meditando alto silencio, se d'entre as mangeronas que me cobrem sahir acaso a borboleta errante, ¿não vereis n'ella o espirito do amigo que vem gozar do sol a claridade? Quando o suave rouxinol de noite da minha olaia gorgear nos ramos, ¿não pensareis, de santo horror tranzidos, que feito rouxinol, meus cantos sólto? Sim, pensareis, e erguendo-se inspirado algum lhe ha-de bradar: «¡Oh! ¡meu amigo!» Responderão: «Oh meu amigo» os bosques; e vós direis que o meu phantasma errante, da argentea lua á muda claridade, á conhecida voz d'alem responde, e em tudo encontrareis a imagem minha. Se inda então meus costumes vos lembrarem, se vos lembrar meu coração piedoso, velae que em meu retiro as bellas aves de caçador cruel cantem seguras; Amor, o leve Amor, com arco d'oiro, só elle, e mais ninguem logre atirar-lhes; careço de amorosa melodia que me poetize o somno derradeiro; morto que nada tem, preciza d'estas pobres delicias rusticas, se folga que a namorada moça, o terno amante, juntos, ou sós, a visitál-o acudam. Então ao som de languidos suspiros, de alegres cantos, de amorosos versos, de ternas queixas, de perdões suaves, muitas vezes contente a minha sombra, formando ao pôr do sol vermelha nuvem, girará n'estes ares revolvendo da passada existencia almas lembranças.{34}

Andaram tempos. Amores mais serios, mais vastos, mais duradoiros, mais uteis, ainda que menos entendidos das turbas a quem se referiam, inspiraram já outros desejos:

Ó terra de Colombo, um navio de esmola

do abysmo te evocou, e aurea brotaste á luz.

Por outra regia Heroina esmolada uma escola

vai transformar-te em ceos, terra de Santa Cruz.


E eu, que já uma vez, largando o patrio ninho,

romeiro do progresso em balde te busquei,

retomarei de novo o undívago caminho,

e irei juntar meu hymno ao seu triumpho; irei


pender na escola-templo os festões da poesia,

e, novo Simeão, findar a vida em paz.

Onde o homem que se humana affoito invoca o dia

direi:—«A patria é esta; aqui viver me apraz;


«apraz-me aqui morrer, onde as mães porventura

co'os filhos pela mão me hão-de vir visitar;

saudades esparzir na minha sepultura,

e dizer: Este sim, que soube o que era amar.»

Passaram tempos ainda, e até essa esperança consolativa se desfloriu. Ouvi o esmorecimento não já cantar, mas gemer, no seio da amizade:[1]

«Depois vem a reparação, a rehabilitação, não ha duvida. Do sepulcro brota o loiro, e a posteridade amarra a elle os inimigos dos amigos dos homens, os areopagitas idolatras envenenadores dos Socrates crentes. Mas as cinzas não sentem; as estatuas não vêem nem ouvem.

«O premio que eu devaneava a principio, quando via tão ás claras a bondade da obra que estava fazendo, era que os filhinhos, e as mães, me acompanhariam, chorando, ao cemiterio. A esse côro de amor imaginava que até o cadaver se me alegraria. Não dava aquelle triumpho posthumo pelas torrentes de carroagens e salvas funebres dos magnates.{35} Pois nem já com isso conto. Conseguiu esta gente, não sei se invejosa, se quê, diffundir tão copiosamente os seus preconceitos, escurecer em tanta maneira a luz do beneficio, que nem já espero aquillo. As mães ver-me-hão passar, sem saberem quão grande amigo de seus filhos e netos ali vai; e d'estes só porventura me irão dar despedida os que n'esta hora estão cantando e amando por essa meia duzia de escolas regeneradas».

A Chave do Enigma

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