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XVI

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Se eu me não temesse da gente em prosa, que só acredita no que se palpa, havia de dizer que a aspiração para o bello desconhecido, para a perfeição ideal, entresonhada onde quer que seja, e com qualquer dos milhões de fórmas em que ella se póde metamorphosear, tanto não é extranha á Natureza, que não são unicamente os individuos privilegiados da nossa especie, os que a experimentam.

¿A rôla, a pomba, o rouxinol, a gemerem de saudade, a arrulharem de ternura, a gorgearem de immenso affecto, por que enlevam tanto, e tantas coisas inefaveis dizem aos animos devaneadores, senão porque os seus gemidos, suspiros, e canticos, almejam coisa diversa dos deleites faceis que os rodeiam, e que já possuem?

E depois: o Pae Commum não é avaro de seus dons, e ha-de folgar quando cada uma de suas minimas creaturas, alando-se quanto póde e sabe pela esphera dos gosos puros, se aproxima cada vez mais a Elle, que é a Summa Belleza, o Summo Bem, de que todos os bens são emanações ou reflexos.

¡O rouxinol, a pomba, e a rôla!... mas os insectos mesmos, ¿quem affirmará que não se pascem, como nós, ainda que muito longe de nós, á meza infinita, perenne, e perennemente renovada, do amor ideal?

¿Quem sabe até o que irá de mysterios nas flores e nas arvores!? ¡que idyllios, que elegias, que divinos poemas não correrão nas florestas com o murmurinho dos ventos em estrophes de aromas, intelligiveis{41} ás arvores congeneres, e ás flores da mesma especie!...

A carta, que de algures levantára vôo para algum fim, a carta que eu tinha nas mãos, tão candida, tão vivida, tão palpitante e amoravel, tão segura e tão certa, podia ser portanto, e, se o podia ser, era-o, uma especie de borboleta, que sahira das flores de uma alma solitaria e longinqua, para vir fecundar as da minha com um polen ardente e inesperado. Os effeitos que ella em mim produzia (logica ordinaria dos desejos) eram, á mingua de outras provas, uma vehemente presumpção de que o bom do papel vinha mensageiro leal, e não explorador perfido da minha credulidade; e entretanto mal sabia eu como lhe respondesse.

Deixar-me ir de vôo rasgado ao reclamo fôra temeridade indesculpavel; mas fôra tambem excesso de prudencia, repugnante a um sentir delicado, aventurar offensas, embora leves e disfarçadas, para rebater um aggravo só possivel; queria-se o meio termo; e esse era difficillimo; e difficillimo sobretudo como eu o desejava, que era propendendo mais para o coração, que para o espirito; para abraço, que para duello.

Meditei todo o dia.

O que eu nas falas gracejava por cautella, já no fôro intimo se me discutia como negocio.

Empenhei todas as potencias da alma, como poderia fazer o Edipo deante da Esphinge. Levei o serão e a noite a sós, no laranjal, a interrogar a lua, antiga confidente de namorados.

A lua, ou nada sabia no caso, ou, se o sabia, não o quiz dizer.

Mas a noite, grande terceira e fautora n'isto de amores, segredava-me ao sabor do appetite, com umas taes razões, tão cheias de poesia, isto é de verdade, que o genio fogoso dos meus vinte e quatro annos fez sahir, sem grandes evocações, não sei se de algum tronco, se das nuvens, se d'entre as pedras e heras da varanda de D. Maria Telles, uma Sombra de mulher, uma Fada, uma Sylphide, com quem eu tive ali horas ineffaveis de colloquio, desabroxando e enramalhetando futuros em commum.

Tenho pena de não poder já copiar aquellas praticas, nem as achar mesmo para mim bem inteiras na memoria.{42}

Se o leitor, ou leitora, tem a edade que eu tinha então, e é poeta, mas poeta verdadeiro, d'estes que não só lêem e escrevem a poesia, mas a vivem, lá rastreará por si aquella scena tão cheia, tão real, tão animada. Se bem a concebem, tenho-lhes inveja eu; digo como a Santa da lenda:—«Ai! ¡que saudades me não comem do tempo em que eu era tão infeliz!»—ou, como a outra, toda delirante de ternura:—«Tenho dó dos demónios; ¡pois se elles não amam!»—O meu Virgilio, tão poeta na voz, na alma, e no coração, exclamava saudoso:—«¡Oh! ¡quem me dera nos campos, lá pelas ribas do Sperchio; pelos cumes do Taygéte, bacchanalmente retoiçado das virgens lacedemonias! ¡Ai! ¡quem me pozera hoje nos valles, tão frescos, do Hemo, e com a sombra grande de suas ramarias me protegera!»—

¡Que melhores Sperchio, Taygéte, e Hemo, que melhores campos, delicias, e feitiços, que a adolescencia com o amor, e o amor com os seus extasis e raptos!

¡Que de coisas se não descortinam e ouvem então, que depois se calam e desvanecem!... engano-me: não se desvanecem, nem se calam; são vivazes e immortaes no seio da Natureza; mas nós, é que transpomos a paragem bemdita de reconcavos e eminencias, onde se recebem em eccos augmentativos todas aquellas vozes, d'onde se descortinam em cheio todas aquellas vistas maravilhosas.

¡Oh! detende-vos ahi; detende-vos; abraçae-vos aos troncos floridos o mais pertinazmente que poderdes, que em principiando a descida... ¡adeus primavera! ¡adeus amores! ¡adeus sabedoria das loucuras! ¡adeus miragens e musicas da vida! ¡adeus de vós a vós mesmos! ¡e adeus esperanças de reascenderdes nunca mais! Os leitos de rosas e as corôas de violetas, já lá estão hospedando a outros viajantes que vos expulsaram. Resignae-vos, se podeis, á peregrinação, por sobre espinhos, e por entre saudades, cada vez mais espessas.

¡Ah! ide quantas, e quantas não vou eu já carregado para o ciprestal que lá ao fundo me negreja! Tiremos d'elle os olhos, e deixemol-os ir ao que lá nos fica perdido, ¡perdido para todo sempre!...{43}

A Chave do Enigma

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