Читать книгу Caianco e o novo mundo - Claudio Cordeiro - Страница 10
ОглавлениеA SOLIDÃO DE CAIANCO
Caianco decidiu seguir seu triste destino, vivendo sozinho pela floresta e se afastando das pessoas que tanto amava. Pois era melhor viver na solidão, do que não ser reconhecido pelo seu povo, e viver com vergonha do monstro que se tornara, ou até mesmo ser morto por seu próprio povo.
Ora, a mãe de Caianco, pensara que tinha visto um monstro em sua casa, e com o sumiço de Caianco, ela achara que o monstro teria matado seu filho. Isso piorou a situação do jovem, pois todos os machos corderianos foram com seus estilingues, flechas e lanças para caçar o jovem, achando que o mesmo era uma fera terrível. Para se proteger continuou fugindo mata adentro, porém as terras dos corderianos eram cercadas por grandes montanhas, com paredões de pedregais íngremes, e escalar estas montanhas seria seu fim. No desespero Caianco entrou em uma fenda estreita entre as rochas da montanha, continuou caminhando dentro da fenda até perceber que se tratava de um grande túnel, e prosseguiu se distanciando da entrada do túnel, até não ver mais a luz da entrada. Sobre uma escuridão continuou seu trajeto tateando as rochas, e depois de muito tempo na escuridão e sentindo pânico, ele enxergou uma pequena luz distante a sua frente. Ora, a escuridão do túnel e o desespero de Caianco eram tão grandes, que ele não sabia quanto tempo havia passado dentro da montanha. Já exausto, com muita fome e em tristeza profunda, continuou caminhando até a luz, chegando a uma pequena abertura entre duas rochas, e desta forma, com muita dificuldade, arrastando e machucando seu peito e costas nas extremidades do buraco das rochas, conseguiu sair do túnel da montanha. Caianco, atravessando a montanha, chegou a uma floresta até então desconhecida por ele e por todos de seu povo. Os corderianos nunca tentaram sair de seu povoado, acreditavam que do outro lado da montanha, existia mais perigo e eles estariam a mercê da sorte e de outras grandes maldições, que aquelas montanhas foram criadas pelo Grande Espirito para protegê-los, e por isso sempre foram instruídos a não ultrapassar as muralhas das montanhas.
Caianco, longe de tudo e de todos, com medo do desconhecido, resolveu fazer do lugar a sua morada, um novo lar, mesmo em meio da solidão. Nada era tão bonito e mágico como na terra dos corderianos. O riacho não era cor azul, senão esverdeado, as borboletas, libélulas e joaninhas não tinham a mesma beleza e os pássaros cantavam mais baixo e não se mostravam tanto, como se tivessem medo de se mostrarem. Encontrou uma pequena caverna, próxima a uma fonte de água, e ali se abrigou, fez fogo com as suas próprias mãos, friccionando duas pedras até conseguir faíscas entre os retalhos das folhas secas. Com a pedra mais afiada que encontrou, arrancou um galho de árvore e fez uma lança para caçar. O jovem decidiu não construir uma casa, pois não sabia que tipo de perigos havia no local. Então, na pequena caverna encontrada, ele estaria mais escondido e protegido de qualquer risco existente naquela região. Saindo para caçar com medo do desconhecido local, ouviu o gemido de um animal. Ao se aproximar, deparou-se com uma loba morta, com o pescoço dilacerado, uma morte provavelmente feita pelas karninanas, que adoravam sangue de lobos. Ao lado da loba morta estava o seu filhote, que gemia de tristeza e fome, era um lindo lobinho albino. Caianco se identificou com aquele filhote de lobo, pois ambos tiveram suas vidas arruinadas pelas karninanas. Então, Caianco viu naquele pequeno lobo Albino a oportunidade de voltar a ter uma família e um companheiro em meio da solidão. Chamou o lobo de Wishiw-Ckylu, que em corderiano significa “Sorte em ter você”. E assim o pequeno lobo foi abençoado e se livrou da provável morte que estava a sua espreita. E Caianco não se sentiu mais tão sozinho, tendo que cuidar de um bebê lobo.
Wishiw-Ckylu cresceu ao lado de seu amigo, faziam todas as suas atividades diárias juntos, pescavam, caçavam, brincavam e fizeram daquelas terras seu verdadeiro lar. O lobo se tornou um animal forte e destemido, se aperfeiçoou na caça de pequenos animais, como ratazanas, gambas, porcos-espinhos, aves e outros. Durante dois anos viveram neste local se alimentando de pequenos animais e frutas silvestres.
Como na terra dos corderianos não existia mais lobos, e as karninanas tinham preferência pelo sangue destes animais, então, elas caçavam lobos no outro lado das montanhas, fora das terras dos corderianos. Sua sede por sangue era algo incontrolável quando sentiam fome, e o sangue de lobos era como um manjar para as bruxas, por isso os lobos estavam sumindo também fora das terras dos corderianos. Com a escassez de lobos, Caianco passou a se preocupar com seu amigo Wishiw-Ckylu. As karninanas tinham um olfato apurado e a direção do vento era capaz de levar o cheiro de seu amigo lobo até as bruxas, então todos os dias pela manhã o lobo se esfregava nas cinzas deixadas pelo fogo. Assim, as cinzas mudavam o seu cheiro e, como Wishiw-Ckylu era albino, as cinzas também faziam com que seu pelo ficasse com uma coloração acinzentada, deixando-o menos visível para as bruxas.
Certo dia, em uma caçada por pequenos animais, Caianco e Wishiw-Ckylu ouviram gargalhadas diabólicas vindo do alto das copas das árvores. Caianco sabia que era uma karninana e começou a temer pela vida de seu amigo lobo. Com a escassez de lobos na floresta, logo elas procurariam seu amigo para se alimentar. Então, muito preocupado com seu amigo, decidiu sair em fuga floresta adentro mais uma vez, e pela segunda vez largou o seu lar por causa das terríveis bruxas. Com sua lança e estilingue em mãos, saiu em busca de um lugar longe das terríveis bruxas, procurando um lar mais seguro para o seu amigo lobo, onde poderiam desfrutar de uma vida mais tranquila e sem medo. Dentro da floresta, nada parecia ser seguro o suficiente. Andaram por dias na mata fechada, correndo risco de serem atacados por animais peçonhentos. Comiam carne crua, pois sabiam que uma fogueira poderia chamar atenção das karninanas. Passaram-se muitos dias desde o êxodo de sua caverna. Depois de muito caminhar e já fadigados, encontraram um lugar com um pequeno córrego, um espaço plano, onde parecia existir uma quantidade boa de pequenos animais e frutas silvestres para se alimentarem, parecia ser um bom lugar para reconstruir a sua morada. Então, pela terceira vez, Caianco recomeçava sua vida em um lugar diferente, desta vez, muito longe das karninanas, e desejava nunca mais ver e nem saber destas bruxas malignas. Como agora eles estavam muito longe da montanha, o jovem poderia usar o seu dom com madeiras e construir uma casa com móveis e utensílios, e não precisava mais viver escondido na caverna. Ele fez uma pequena casa com troncos e argila, o telhado foi feito com pedaços de cascas de árvores e fabricou moveis e utensílios para sua casa, pois o jovem tinha o dom de talhar madeira e fazer artesanatos. Apesar da saudade de sua vida passada, ele se encontrava feliz e seguro. Ele sonhava todas as noites com a sua família, e nos seus sonhos visualizava as karninanas definhando e virando pó. Provavelmente aquele era o desejo do seu coração, e ao mesmo tempo em que ele revia a família nos sonhos, se vingava das bruxas. Caianco também tinha uma outra tristeza em seu coração. Como ele se tornara um ser diferente, não podia formar uma família tradicional de macho, fêmea e filhos, e ficaria morando naquela floresta, até envelhecer e morrer, sem deixar descendência. Isso pra ele era algo realmente triste, pois em suas crenças, todo corderiano devia se casar e se multiplicar e que a única coisa que levava desta vida era suas boas obras e sua família. Acreditava que os filhos eram heranças dadas pelo Grande Espirito.
Sempre que Caianco via sua imagem nas lâminas de águas do riacho, se sentia triste e frustrado por parecer um monstro, com características diferentes de tudo que conhecia. Não parecia com nada que vivia na floresta e não se encaixava com nenhum outro tipo de ser vivente. E assim, encontrava em seu amigo lobo, um irmão e companheiro. Mas com o passar do tempo, ele já não se sentia mais triste, aos poucos ele estava acostumando-se com aquela imagem e já não se sentia mais tão feio e horripilante. Novamente ele começou a sentir-se vaidoso e a cuidar mais de sua aparência, fez colares e pulseiras coloridas com pedras e sementes secas, fez cinto com couro e dentes de animais, se banhava frequentemente e aparava barba e cabelo com a lâmina de uma pedra fina. E assim, os dois viviam felizes como uma família e pensavam não precisar de mais nada para alcançar a felicidade. Eles tinham comida abundante, água pura, uma linda casa para se proteger e estavam muito longe das terríveis bruxas karninanas.