Читать книгу Viagem ao norte do Brazil feita nos annos 1613 a 1614, pelo Padre Ivo D'Evreux - d'Evreux Yves - Страница 11
ОглавлениеCAPITULO I
Da construcção das capellas de S. Francisco e S. Luiz do Maranhão.[3]
O Psalmista Rei David, no seo Psalmo 28, composto em acção de graças pelo acabamento do Tabernaculo, disse—Afferte Domino fili Dei, afferte Domino filios arietum.
«Trazei ao Senhor, ó filhos de Deos, trazei cordeiros ao Senhor,» o que Rabbi Jonathas assim explicou—Tribuite coram Domino laudem cœtus Angelorum, tribuite coram Domino gloriam et fortitudinem—«dae louvores ao Senhor, ó choros angelicos, dae ao Senhor gloria e força:» queria elle dizer, que os Anjos bemaventurados auxiliam os homens em todos os seos santos projectos, e especialmente quando se trata de procurar a salvação das almas, porque caminham adiante estes felizes espiritos e rompem a turba dos diabos, inimigos da salvação afim de soccorrerem os homens apostolicos, incumbidos de salvarem as almas errantes nos desertos da infidelidade, ahi comparados aos filhos dos Carneiros que saltam aqui e ali pelos rochedos da dureza do coração, porem afagados pelas doçuras do Evangelho se deixam guiar brandamente até a porta do Tabernaculo de Deos, levados no grande mar do baptismo, e offerecidos á face do Sancta Sanctorum.
Os primeiros sacrificios, que Deos recebeo do povo de Israel, em procura da terra da promissão, d’onde expellio a infidelidade, foram sob as tendas e pavilhões do Tabernaculo, porem depois edificou-se o templo, e ahi continuaram os mesmos sacrificios.
Coisa similhante nos aconteceo quando fomos a esse paiz, cheio de infidelidade e ignorancia de Deos, carregado de demonios, insolentes tyrannos d’essas pobres almas captivas, levar a luz do Evangelho, banir as falsas crenças, expellir os demonios, plantar e construir a Igreja de Deos: durante mais de quatro mezes celebramos os santos sacrificios n’uma bonita tenda, no meio de arvores verdejantes: partindo depois alguns da nossa comitiva para a França em busca de auxilio, e ficando o resto para fundar a Colonia; fizemos edificar a Capella de São Francisco do Maranhão em um bello e agradavel lugar, junto do mar, proximo de uma bella e inexgotavel fonte, e ahi escolhi minha moradia, que um dia tinha de servir de Convento aos Religiosos, que eu esperava para me ajudarem.
Acabou-se esta Capella na vespera de Natal e muito a proposito pela devoção, que sempre teve o Seraphico Padre São Francisco, a quem era dedicada.
Alem de todas as festas do anno celebrava a noite, estrellada e sem trevas, do nascimento do verdadeiro Sol, Jesus-Christo, e tinha este santo Padre o costume de fazer um presepio, a cujo lado passava toda a noite contemplando o profundo mysterio da Encarnação, e da vinda tão estranha do Altissimo á terra.
Na verdade enchia-me de immenso prazer vendo n’esta capellinha, feita de madeira, coberta de folhas de palmeiras, mais similhante ao presepio de Belem do que esses grandes e preciosos templos da Europa, os nossos compatriotas francezes cantarem os psalmos e matinas d’esta noite, e depois de purificados pelo Sacramento da penitencia receberem o mesmo Filho de Deos no presepio dos seos corações, envolvido nas faixas do Santissimo Sacramento do altar.
Festejamos tambem o dia de natal; a noite prégamos, o que sempre fizemos depois das festas e nos domingos, e com prazer, embora muito soffressemos no principio: em quanto durou esta devoção corria o tempo tão depressa, que o dia parecia ter somente duas horas; e assim achando-se o nosso espirito preoccupado com obras piedosas sentia a morte vir tão depressa.
Não fui eu só que senti isto, muitas outras pessoas depois me disseram o mesmo, e em quanto me permittio a saude, observou-se, e sem enfado, este uso.
Augmentou-se ainda mais esta devoção quando se edificou no Forte a Capella de São Luiz,[4] á imitação das Igrejas dos nossos Conventos, com madeira, cercada e cuberta de ramos fortes, cortados das arvores chamadas Acaiukantin.
Ahi celebrei missas, cantei vesperas, préguei e baptisei os cathecumenos.
A tarde tocava o sino, todos se reuniam n’esta capella, onde se cantava a saudação angelica, implorava-se a graça divina, e depois cada um ia para onde queria.