Читать книгу Viagem ao norte do Brazil feita nos annos 1613 a 1614, pelo Padre Ivo D'Evreux - d'Evreux Yves - Страница 16

CAPITULO IX

Оглавление

Índice de conteúdo

Do que aconteceu na Ilha durante esta viagem, e principalmente das astucias de um selvagem chamado Capitão.

Em quanto uma parte dos nossos francezes, e muitos dos principaes selvagens estavam no Pará e em suas circumvisinhanças passaram-se na Ilha muitas coisas notaveis, que contarei nos seguintes capitulos.

Tratarei em primeiro lugar de um indio agradavel e astucioso intitulado Capitão,[21] irmão da mãe de um principal, muito amigo dos francezes, chamado Ianuaravaête, que quer dizer cão grande ou cão furioso.

Este Capitão astuciosamente aproximou-se de nós, dizendo por intermedio do interprete, que desejava ser christão, aprender a ler, e a escrever, fallar francez e fazer cortesias, gestos e ceremonias dos francezes.

Acreditaram nas suas palavras, e alguns até cercaram-lhe de muitas attenções.

Passou alguns mezes em nossa visinhança, e mostrando-se com desejos de ter vestidos como os nossos paramentos sagrados, com os quaes diziamos missa; por sua mulher nos mandou pedir, o que negamos.

Não nos deixou por esta recusa, porem algum tempo depois, disfarçando muito bem seo descontentamento, ia á sua aldeia e voltava, até que poude espalhar pela Ilha o boato de que os francezes pretendiam escravisar os Tupinambás, e por tanto que era necessario fugir e abandonal-os.

Alguns acreditaram, e por isso deixaram suas aldeias e foram para outras, onde podessem fugir com mais prestesa si assim fosse necessario.

Julgou chegada a occasião de se fazer valer entre os seos: pois tinha extremo desejo de ser grande, e não podia chegar a sel-o, porque fogem as honras d’aquelles que as procuram com methodo, o que vemos em todas as condicções, e foi este o seo fim e intenção quando de nós se aproximou, servindo-se de nosso concurso para realisar seo desideratum, visto o ambicioso nada poupar, nem mesmo as coisas sagradas, para obter o que deseja.

Principiou visitando as aldeias da Ilha, onde desconfiava ter descontentes, e ahi nas cabanas e na casa-grande, costumava batendo nas coxas grandes palmadas, harengar assim—Ché, Ché, Ché, auaête. Ché, Ché, Ché. Pagy Uaçú, Ché, Ché, Ché, Aiuka pais &: quer isto dizer, eu, eu, eu, sou furioso e valente. Eu, eu, eu, sou um grande feiticeiro. Fui eu, fui eu, fui eu que matei os Padres, etc. Fiz morrer o Padre, que está enterrado em Yuiret, onde mora o Pay Uaçú, o grande Padre a quem reenviei todos os males, que tem causado,[22] e a quem matarei como o outro.

Atormentarei os Francezes com molestias, e lhe darei tantos bixos nas pernas e nos pés, que elles se verão na necessidade de regressar a sua patria. Farei morrer suas plantações e assim morrerão de fome: já com elles morei, comi com elles muitas vezes, e vi o que praticavam quando serviam a Tupan, e reconheci que nada sabiam á vista de nós outros Pagés, feiticeiros.

Á vista disto não devemos temel-os, saiamos, quero caminhar na frente, porque sou forte e valente.

Perto de dois mezes gastou elle percorrendo assim a Ilha sem que de nada soubessemos, porque quando os negocios são secretos e de interesse publico, não são descobertos como acontece quando se trata de utilidade particular.

Japy-açú o reprehendeo e mui acremente por estes discursos, bem como Piraiuua; porem seo irmão o Cão-grande o denunciou, e alem d’isso pedio licença para ir em pessoa agarral-o e prendel-o.

Chegaram promptamente estas noticias aos ouvidos de Capitão, que começou a tremer como si tivesse febre, e não dizia mais Ché auo-êtê, nem Ché Pagi uaçú, ou Ché Aiuca Pay, porem ao contrario diante dos seos, tremendo de medo, dizia: «Ché assequegai seta, ypocku Tupinambo, ypocku decatugué: giriragoy Topinamho giriragoy seta atupaué: ypocku ianuara vaeté, ypocku decatugné giriragoy ianuara vaeté giriragoy seta atupaué

Ah! que medo tenho, oh! quanto são malvados os Tupinambás, perfeitos malvados:[23] mentiram os Tupinambás, mentiram muito e muito: o Cão grande, é um malvado, malvado completo: mentio o Cão-grande, mentio tambem muito e muito, etc. Nada disto eu disse, não causei a morte do Padre, não disse que queria fazer morrer o Padre-grande, e nem que lhe dei molestias.

Tambem não disse, que quero atormentar os Francezes, e fazer seccar suas plantas, porque não sou e nem fui feiticeiro, e assim quero ser filho dos Padres, quero voltar e trabalhar para elles, e si os deixei foi para colher meo milho: quero ir ja onde está o Padre-Grande, levar-lhe o meo milho, o meo peixe, e a minha caça, e dar-lhe um dos meos escravos para apaziguar o chefe dos francezes afim delle não crer no Cão grande, que sempre me quer mal embora eu seja seo irmão: muitas vezes me quiz matar, e si o Muruuichaue, quer dizer o «Principal dos Francezes» lhe der uma vez ordem de prender-me, elle me matará sem duvida alguma.

Por estas palavras conhecereis a indole d’estes selvagens, que não dizem a verdade quando necessitam defender-se.

Este miseravel Capitão, fugio e escondeo-se nos mattos, e depois foi para uma aldeia chamada Giroparieta, quer dizer aldeia de todos os diabos, ao pé da praia, e d’ahi enviou-me um dos seos parentes pedir-me paz, e que obtivesse do Maioral o seu perdão.

Mandou-me um seu escravo forte e robusto, bom pescador, e caçador: elle, sua mulher e mais pessoas da familia, me vieram ver, trazendo-me milho, peixe, e caça, e tanto elle como sua mulher muito fallaram para me persuadir de que eu não devia crer o que se dissesse d’elle, chamando os Tupinambás e o Cão-grande,—mentirosos e outros nomes feios, asseverando que era bom amigo, que desejava ser christão, e que si o Maioral, e eu tambem nos esquecessemos de tudo, elle e sua mulher regressariam contentes.

Viagem ao norte do Brazil feita nos annos 1613 a 1614, pelo Padre Ivo D'Evreux

Подняться наверх