Читать книгу Viagem ao norte do Brazil feita nos annos 1613 a 1614, pelo Padre Ivo D'Evreux - d'Evreux Yves - Страница 13

CAPITULO III

Оглавление

Índice de conteúdo

Da construcção do Forte de São Luiz, e do interesse dos selvagens em carregar terra.

Chegado o tempo proprio de trabalhar nas fortificações da praça designada á defeza dos francezes, fincada a madeira segundo o plano dado para servir de cercadura ao Forte, e de sustentar as terras, mandou-se então avisar por todas as aldeias da ilha e da provincia de Tapuytapera,[6] que viessem Indios uns após outros conduzir a terra tirada dos fossos para os terraços das cortinas, esporões e plata-formas, depois cobertas por grandes e grossas Apparituries, «mangues» arvores duras como ferro e incorruptiveis; de forma que seria contra ella quasi inutil o tiro do canhão, e mui difficil a escalada: assim se disse e assim se fez: de todas as aldeias pouco a pouco vinham os selvagens com suas mulheres e filhos, trazendo viveres para o tempo, que calculavam demorar-se no trabalho, e sempre debaixo das ordens dos seos Principaes, costume que geralmente observam, trazendo-os sempre na frente da Companhia, fazendo-lhes a natureza conhecer, que o exemplo dos superiores anima infinitamente os inferiores.

Mais do que nós são elles fieis á natureza, pois vemos o contrario na Republica Christã, d’onde provem os erros e a corrupção dos costumes, porque ainda que devamos prestar attenção somente á doutrina e não entregarmo-nos a má vida, os fracos fazem o que querem sem cuidar do máo nome, que adquirem.

Apenas chegavam estes selvagens entregavam-se ao trabalho com incomparavel dedicação, mostrando na voz e nos gestos admiravel coragem, parecendo antes que iam á um festejo de casamento do que para o serviço, rindo e brincando uns com os outros, correndo dos fossos para os terraços com uma especie de emulação para vêr quem dava mais caminhadas, e conduzia maior numero de cestos de terra.

Notareis agora, que não ha ninguem no mundo mais infatigavel do que elles, quando de boa vontade trabalham em qualquer coisa; não cuidam em comer e beber com tanto que tenham á sua frente o seu chefe, e quando encontram difficuldades, por maiores que sejam, riem, cantam e gritam para se animarem reciprocamente.

Se ao contrario o tractardes com asperesa e ameaças, nada farão que preste, e conhecendo o seo natural nunca constrangem seos filhos e nem seos escravos, e antes os governam com doçura.

O francez, especialmente os nobres, tem igual naturesa; não soffrem constrangimento, porem não duvidam expôr sua vida, afim de comprirem as doces ordens dos seos Principes: bello argumento para convencer os que governam, que mais vale a doçura e clemencia do que o rigor e a força, respeitando assim o natural da Nação francesa.

Não trabalhavam somente os homens e sim tambem as mulheres e os filhinhos, aos quaes elles davam pequenos cestos, para carregar terra conforme suas forças.

Vi muitos meninos, apenas com dois ou tres annos d’idade, fazer a carga com suas mãosinhas e não ter força para conduzil-a.

Perguntei a alguns velhos porque consentiam que trabalhassem os meninos, servindo isto para distrahir os que os vigiavam, especialmente seos paes, que assim não podiam adiantar a tarefa, achando-se elles sempre em perigo, ou por estarem nùs apezar de tenrinhos, ou por poderem ser feridos pelo desabamento de algum pedaço de terra, ou por alguma pedra, que se desprendesse do monte.

Respondeo-me assim o interprete. Temos muito prazer vendo nossos filhos comnosco trabalhando n’este Forte, para que um dia digam á seos filhos e estes a seos descendentes «eis a Fortalesa, que nós e nossos paes fizemos para os Francezes, que trouxeram Padres, que levantaram casas a Deos, e que vieram defender-nos de nossos inimigos.»

É mui commum esta maneira de communicar á seos filhos o que entre elles se passa, já que por escriptos não podem fazel-o aos vindouros, e ir assim á posteridade.

Para nada esquecer, como que gravam na memoria as occorrencias, e só d’esta maneira se pode explicar como contam muitas coisas passadas nos seculos, em que viveram seos avós, ou no tempo da sua mocidade: vão passando por esta forma o que sabem a seos filhos, como ainda diremos ádiante.

Desejaria muito, que nossos Paes assim se empenhassem para gravar no coração de seos descendentes...

... mente e em abundancia, os selvagens lançam fogo nos espinhaes e moutas, onde se recolhem esses reptis.

Ha de tres qualidades:[7] uma de terra, que mora nos mattos; outra de agoa doce, que mora nas margens dos rios e lugares pantanosos: a ultima, é do mar, e a que vem pôr seos ovos na areia, que fica bem perto, e onde os occultam com geito. Parece-se muito com os ovos de galinhas, menos na casca, que não é tão dura, e sim mais flexivel e molle, nem tão grossos e agudos, e sim mais redondos, porem muito saborosos, quer comidos na casca, quer de outra qualquer maneira.

Nas margens d’este rio encontram-se arvores medicinaes, muito melhores do que as que se achavam commummente, como eu e muitos dos meos companheiros verificamos: alem d’esta virtude, são mais fortes que as do Levante, mostrando a experiencia que uma onça d’estas faz tanto effeito como duas d’aquelle paiz. Sendo bem preparadas certas composições são excellentes laxantes, e assim conservam o corpo para seo beneficio. Existem bellos prados, largos e compridos á perder de vista, que produzem herva fina e macia. Encontra-se a piteira, de cujos productos se fazem na China muitos tafetás: crescem seos ramos como a cauda de um cavallo, tem a bellesa da seda e é ainda mais forte. A terra é forte e feraz e produz com mais certesa, que a do Maranhão, ou de suas visinhanças, e dizem-me que dá duas colheitas annualmente. As florestas são altas, virgens, e ricas de muitas especies de madeiras, quer proprias á tincturaria, quer á medicina, e asseguram-nos os selvagens, que lá moram, a existencia ahi do pau brazil. No meio d’estas florestas, ha muitos viados, capivaras, cabras, vaccas bravas[8] e javalis, e em poucas horas matareis tantas quantas precisardes, e para que não me accusem de hyperbolico, invoco o testemunho dos que viajaram pelo Miary, e hoje se acham em França: se lerem isto, dirão que são estas as informações, que me deram, e que os selvagens, remadores das suas canoas, lhes traziam tanta caça, que d’ella não sabiam o que fazer.

Contou-me um fidalgo, que andou n’essa viagem, haver morto com um só tiro tres javalis,[9] o que não poderia acontecer se estivessem espalhados.

Ha muitas arvores carregadas de cortiço de mel de abelhas, as quaes são mais pequenas e franzinas do que as nossas, porem mais industriosas, pois fabricam mel excellente, liquido, e tão claro como agua potavel pura, guardado em pequenas celulas de cera da grossura da casca de um ovo, similhantes na forma á nossas garrafinhas de vidro, e penduradas com alguma ordem n’uma arvoresinha de cera, que se acha encostada ou presa pelos ramos ao tronco, ou nas cavidades das arvores das florestas ou dos prados.

Com este mel fabrica-se vinho muito forte e quente para o estomago, similhante na côr e no gosto ao de Canaria. Nossa gente, quando por lá andou, fez algum vinho, e com elle embebedou-se.

Existe tambem ahi uma especie de mel, impropriamente, assim chamado, porque é tão azedo, como vinagre, e fabricado por outra especie de abelhas.

Alguns dias depois que ahi chegou nossa gente, procuraram os Tabajares,[10] e suas habitações: encontraram, não os que procuravam, e sim os Aiupaues,[11] e caminhos recentemente abertos.

Vendo que diminuia a farinha, da qual apenas poderia ter quanto bastasse para regressar a Maranhão, essa mesma muito pouca, deliberou regressar com os seos selvagens, deixando ahi somente dois escravos Tabajares, a quem deram farinha para um mez, e diversos generos, promettendo-lhes liberdade com certesa, e boa recompensa si fossem procurar e achassem seos similhantes, o que acceitaram e cumpriram aproximando-se das suas aldeias e gritando para não serem flexados, visto andar esta Nação em guerra com uma outra visinha. Aos seos gritos accudiram muitos, aos quaes contaram o que traziam, como estavam em Maranhão os francezes bem fortificados, que entre elles se achavam os Padres, que os foram procurar; mas que se viram obrigados a retirar-se por falta de farinha, sendo elles escolhidos para ir procural-os, e dando-lhes os presentes fortaleciam mais as suas palavras, mormente sendo proferidas por dois individuos, seos conhecidos, que foram escravisados na guerra pelos Tupinambás.

Bem podeis calcular como elles ficaram alegres com as noticias dadas pelos Tabajares. Ahi descançaram por tres ou quatro mezes para contarem tudo bem a sua vontade, e regressamos com nossa gente para a Ilha.

Viagem ao norte do Brazil feita nos annos 1613 a 1614, pelo Padre Ivo D'Evreux

Подняться наверх