Читать книгу O Primo Bazilio: Episodio Domestico - Eca de Queiros - Страница 13
ОглавлениеE como a felicidade se aproximava, já tinha de olho tres pares de botinas que vira na vidraça do Manoel Lourenço!
A velha, emfim, morreu. Nem a mencionava no testamento!
Veio-lhe uma febre. Jorge, agradecido pelos cuidados d'ella com a tia Virginia, pagou-lhe um quarto no hospital, e prometteu tomal-a para criada de dentro. A que tinha, uma Emilia muito bonita, ia casar.
Quando sahiu do hospital para casa de Jorge, começava a queixar-se mais do coração. Vinha desilludida de tudo, tinha ás vezes vontade de morrer. Ouviam-se todo o dia pela casa os seus ais. Luiza achava-a funebre.
Quiz despedil-a ao fim de duas semanas. Jorge não consentiu, estava em divida com ella, dizia. Mas Luiza não podia disfarçar a sua antipathia;—e Juliana começou a detestal-a: poz-lhe logo um nome:—a piorrinha! depois, d'ahi a semanas viu vir os estofadores: renovava-se a mobilia da sala! A tia Virginia deixára tres contos de reis a Jorge,—e ella, ella que durante um anno fôra a enfermeira, humilde como um cão e fixa como uma sombra, aturando o monstrengo, tinha em paga ido para o hospital, com uma febre, das noitadas, das canceiras! Julgava-se vagamente roubada. Começou a odiar a casa.
Tinha para isso muitas razões, dizia: dormia n'um cubiculo abafado; ao jantar não lhe davam vinho, nem sobremesa; o serviço dos engommados era pesado; Jorge e Luiza tomavam banho todos os dias, e era um trabalhão encher, despejar todas as manhãs as largas bacias de folha: achava despropositada aquella mania de se pôrem a chafurdar todos os dias que Deus deitava ao mundo; tinha servido vinte amos, e nunca vira semelhante desproposito! A unica vantagem—dizia ella á tia Victoria—era não haver pequenos; tinha horror a crianças! Além d'isso achava que o bairro era saudavel; e como tinha a cozinheira «na mão», não é verdade? havia aquelle regalo dos caldinhos, de algum prato melhor de vez em quando! Por isso ficava; senão, não era ella!
Fazia no entanto o seu serviço, ninguem tinha nada que lhe dizer. O olho aberto sempre e o ouvido á escuta, já se vê! E como perdera a esperança de se estabelecer, não se sujeitava ao rigor de economisar: por isso ia-se consolando com algumas pinguinhas, de vez em quando; e satisfazia o seu vicio,—trazer o pé catita. O pé era o seu orgulho, a sua mania, a sua despeza. Tinha-o bonito e pequenino.
—Como poucos—dizia ella—não vai outro ao Passeio!
E apertava-o, aperreava-o; trazia os vestidos curtos, lançava-o muito para fóra. A sua alegria era ir aos domingos para o Passeio Publico, e alli, com a orla do vestido erguida, a cara sob o guarda-solinho de sêda, estar a tarde inteira na poeira, no calor, immovel, feliz,—a mostrar, a expôr o pé!