Читать книгу O crime do padre Amaro, scenas da vida devota - Eca de Queiros - Страница 12
ОглавлениеMulatinha da Bahia,
Nascida no Capujá...
Um anno antes de entrar para o seminario o tio fel-o ir a um mestre para se affirmar mais no latim, e dispensou-o de estar ao balcão. Pela primeira vez na sua existencia Amaro possuiu liberdade. Ia só á escóla, passeava pelas ruas. Viu a cidade, o exercicio de infanteria, espreitou ás portas dos cafés, leu os cartazes dos theatros. Sobretudo começára a reparar muito nas mulheres—e vinham-lhe, de tudo o que via, grandes melancolias. A sua hora triste era ao anoitecer, quando voltava da escóla, ou aos domingos depois de ter ido passear com o caixeiro ao jardim da Estrella. O seu quarto ficava em cima, na trapeira, com uma janellinha n'um vão sobre os telhados. Encostava-se alli olhando, e via parte da cidade baixa que a pouco e pouco se alumiava de pontos de gaz: parecia-lhe perceber, vindo de lá, um rumor indefinido: era a vida que não conhecia e que julgava maravilhosa, com cafés abrazados de luz e mulheres que arrastam ruge-ruges de sêdas pelos perystillos dos theatros; perdia-se em imaginações vagas, e de repente appareciam-lhe no fundo negro da noite fórmas femininas, por fragmentos, uma perna com botinas de duraque e a meia muito branca, ou um braço roliço arregaçado até ao hombro... Mas em baixo, na cozinha, a criada começava a lavar a louça, cantando: era uma rapariga gorda, muito sardenta; e vinham-lhe então desejos de descer, ir roçar-se por ella, ou estar a um canto a vêl-a escaldar os pratos; lembravam-lhe outras mulheres que vira nas viellas, de saias engommadas e ruidosas, passeando em cabello, com botinas cambadas: e, da profundidade do seu sêr, subia-lhe uma preguiça, como que a vontade de abraçar alguem, de não se sentir só. Julgava-se infeliz, pensava em matar-se. Mas o tio chamava-o de baixo:
—Então tu não estudas, mariola?
E d'ahi a pouco, sobre o Tito-Livio, cabeceando de somno, sentindo-se desgraçado, roçando os joelhos um contra o outro, torturava o diccionario.
Por esse tempo começava a sentir um certo afastamento pela vida de padre, porque não poderia casar. Já as convivencias da escóla tinham introduzido na sua natureza effeminada curiosidades, corrupções. Ás escondidas fumava cigarros: emmagrecia e andava mais amarello.
Entrou no seminario. Nos primeiros dias os longos corredores de pedra um pouco humidos, as lampadas tristes, os quartos estreitos e gradeados, as batinas negras, o silencio regulamentado, o toque das sinetas—deram-lhe uma tristeza lugubre, aterrada. Mas achou logo amizades; o seu rosto bonito agradou. Começaram a tratal-o por tu, a admittil-o, durante as horas de recreio ou nos passeios do domingo, ás conversas em que se contavam anecdotas dos mestres, se calumniava o reitor, e perpetuamente se lamentavam as melancolias da clausura: porque quasi todos fallavam com saudade das existencias livres que tinham deixado: os da aldeia não podiam esquecer as claras eiras batidas do sol, as esfolhadas cheias de cantigas e de abraços, as filas da boiada que recolhe, emquanto um vapor se exhala dos prados; os que vinham das pequenas villas lamentavam as ruas tortuosas e tranquillas d'onde se namoram as visinhas, os alegres dias de mercado, as grandes aventuras do tempo em que se estuda latim. Não lhes bastava o pateo do recreio lageado, com as suas arvores definhadas, os altos muros somnolentos, o monotono jogo da bola: abafavam na estreiteza dos corredores, na sala de Santo Ignacio, onde se faziam as meditações da manhã e se estudavam á noite as lições; e invejavam todos os destinos livres ainda os mais humildes—o almocreve que viam passar na estrada tocando os seus machos, o carreiro que ia cantarolando ao aspero chiar das rodas, e até os mendigos errantes, apoiados ao seu cajado, com o seu alforge escuro.
Da janella d'um corredor via-se uma volta de estrada; á tardinha uma diligencia costumava passar, levantando a poeira, entre os estalidos do chicote, ao trote das tres eguas, carregada de bagagens; passageiros alegres, que levavam os joelhos bem embrulhados, sopravam o fumo dos charutos; quantos olhares os seguiam! quantos desejos iam viajando com elles para as alegres villas e para as cidades, pela frescura das madrugadas ou sob a claridade das estrellas!
E no refeitorio, diante do escasso caldo de hortaliça, quando o regente de voz grossa começava a lêr monotonamente as cartas d'algum missionario da China ou as Pastoraes do senhor Bispo, quantas saudades dos jantares de familia! As boas postas de peixe! o tempo da matança! os rojões quentes que chiam no prato! os sarrabulhos cheirosos!
Amaro não deixava coisas queridas: vinha da brutalidade do tio, do rosto enfastiado da tia coberto de pó d'arroz; mas insensivelmente poz-se tambem a ter saudades dos seus passeios aos domingos, da claridade do gaz e das voltas da escóla com os livros n'uma correia, quando parava encostado á vitrina das lojas a contemplar a nudez das bonecas!
Lentamente, porém, com a sua natureza incaracteristica, foi entrando como uma ovelha indolente na regra do seminario. Decorava com regularidade os seus compendios; tinha uma exactidão prudente nos serviços ecclesiasticos; e calado, encolhido, curvando-se muito baixo diante dos lentes—chegou a ter boas notas.
Nunca pudera comprehender os que pareciam gozar o seminario com beatitude e maceravam os joelhos, ruminando, com a cabeça baixa, textos da Imitação ou de Santo Ignacio; na capella, com os olhos em alvo, empallideciam d'extase; mesmo no recréio, ou nos passeios, iam lendo algum volumesinho de Louvores a Maria; e cumpriam com delicia as regras mais miudas—até subir só um degrau de cada vez, como recommenda S. Boaventura. A esses o seminario dava um ante-gosto do céo: a elle só lhe offerecia as humilhações d'uma prisão, com os tedios d'uma escóla.
Não comprehendia tambem os ambiciosos: os que queriam ser caudatarios d'um bispo, e nas altas salas dos paços episcopaes erguer os reposteiros de velho damasco; os que desejavam viver nas cidades depois de ordenados, servir uma igreja aristocratica, e, diante das devotas ricas que se accumulam no frou-frou das sêdas sobre o tapete do altar-mór, cantar com voz sonora. Outros sonhavam até destinos fóra da Igreja: ambicionavam ser militares e arrastar nas ruas lageadas o tlim-tlim d'um sabre; ou a farta vida da lavoura, e desde a madrugada, com um chapéo desabado e bem montados, trotar pelos caminhos, dar ordens nas largas eiras cheias de medas, apear á porta das adegas. E, a não ser alguns devotos, todos, ou aspirando ao sacerdocio ou aos destinos seculares, queriam deixar a estreiteza do seminario para comer bem, ganhar dinheiro e conhecer as mulheres.
Amaro não desejava nada:
—Eu nem sei..., dizia elle melancolicamente.
No entretanto, escutando por sympathia aquelles para quem o seminario era o «tempo das galés», sahia muito perturbado d'aquellas conversas cheias de impaciente ambição da vida livre. Ás vezes fallavam de fugir. Faziam planos, calculando a altura das janellas, as peripecias da noite negra pelos negros caminhos: anteviam balcões de tabernas onde se bebe, salas de bilhar, alcovas quentes de mulheres. Amaro ficava todo nervoso: sobre o seu catre, alta noite, revolvia-se sem dormir e, no fundo das suas imaginações e dos seus sonhos, ardia, como uma braza silenciosa, o desejo da Mulher.
Na sua cella havia uma imagem da Virgem coroada de estrellas, pousada sobre a esphera, com o olhar errante pela luz immortal, calcando aos pés a serpente. Amaro voltava-se para ella como para um refugio, rezava-lhe a Salve-Rainha: mas, ficando a contemplar a lithographia, esquecia a santidade da Virgem, via apenas diante de si uma linda moça loura; amava-a; suspirava; despindo-se olhava-a de revez lubricamente; e mesmo a sua curiosidade ousava erguer as pregas castas da tunica azul da imagem e suppôr fórmas, redondezas, uma carne branca... Julgava então vêr os olhos do Tentador luzir na escuridão do quarto; aspergia a cama d'agua benta; mas não se atrevia a revelar estes delirios, no confessionario, ao domingo.
Quantas vezes ouvira, nas prédicas, o mestre de Moral fallar, com a sua voz roufenha, do Peccado, comparal-o á serpente e, com palavras unctuosas e gestos arqueados, deixando cahir vagarosamente a pompa mellíflua dos seus periodos, aconselhar os seminaristas a que, imitando a Virgem, calcassem aos pés a serpente ominosa! E depois era o mestre de Theologia mystica que fallava, sorvendo o seu rapé, no dever de vencer a Natureza! E citando S. João de Damasco e S. Chrysologo, S. Cypriano e S. Jeronymo, explicava os anathemas dos santos contra a Mulher, a quem chamava, segundo as expressões da Igreja, Serpente, Dardo, Filha da mentira, Porta do inferno, Cabeça do crime, Escorpião...
—E como disse o nosso padre S. Jeronymo,—e assoava-se estrondosamente—Caminho de iniquidades, iniquitas via!
Até nos compendios encontrava a preoccupação da Mulher! Que sêr era esse, pois, que através de toda a theologia ora era collocada sobre o altar como a Rainha da Graça, ora amaldiçoada com apostrophes barbaras? Que poder era o seu, que a legião dos santos ora se arremessa ao seu encontro, n'uma paixão extatica, dando-lhe por acclamação o profundo reino dos céos,—ora vai fugindo diante d'ella como do Universal Inimigo, com soluços de terror e gritos d'odio, e escondendo-se, para a não vêr, nas thebaidas e nos claustros, vai alli morrendo do mal de a ter amado? Sentia, sem as definir, estas perturbações! ellas renasciam, desmoralisavam-no perpetuamente: e já antes de fazer os seus votos desfallecia no desejo de os quebrar.
E em redor d'elle sentia iguaes rebelliões da natureza: os estudos, os jejuns, as penitencias podiam domar o corpo, dar-lhe habitos machinaes, mas dentro os desejos moviam-se silenciosamente, como n'um ninho serpentes imperturbadas. Os que mais soffriam eram os sanguineos, tão doloridamente apertados na Regra como os seus grossos pulsos plebeus nos punhos das camisas. Assim, quando estavam sós, o temperamento irrompia: luctavam, faziam forças, provocavam desordens. Nos lymphaticos a natureza comprimida produzia as grandes tristezas, os silencios molles: desforravam-se então no amor dos pequenos vícios: jogar com um velho baralho, lêr um romance, obter de intrigas demoradas um maço de cigarros—quantos encantos do peccado!
Amaro por fim quasi invejava os estudiosos; ao menos esses estavam contentes, estudavam perpetuamente, escrevinhavam notas no silencio da alta livraria, eram respeitados, usavam oculos, tomavam rapé. Elle mesmo tinha ás vezes ambições repentinas da sciencia; mas diante dos vastos in-folios vinha-lhe um tedio insuperavel. Era no emtanto devoto: rezava, tinha fé illimitada em certos santos, um terror angustioso de Deus. Mas odiava a clausura do seminario! A capella, os chorões do pateo, as comidas monotonas do longo refeitorio lageado, os cheiros dos corredores, tudo lhe dava uma tristeza irritada: parecia-lhe que seria bom, puro, crente, se estivesse na liberdade d'uma rua ou na paz d'um quintal, fóra d'aquellas negras paredes. Emmagrecia, tinha suores eticos: e mesmo no ultimo anno, depois do serviço pesado da Semana Santa, como começavam os calores, entrou na enfermaria com uma febre nervosa.
Ordenou-se emfim pelas temporas de S. Matheus; e pouco tempo depois recebeu, ainda no seminario, esta carta do snr. padre Liset:
«Meu querido filho e novo collega.—Agora que está ordenado, entendo em minha consciencia que devo dar-lhe conta do estado dos seus negocios, pois quero cumprir até ao fim o encargo com que carregou os meus hombros debeis a nossa chorada marqueza, attribuindo-me a honra de administrar o legado que lhe deixou. Porque, ainda que os bens mundanos pouco deviam importar a uma alma votada ao sacerdocio, são sempre as boas contas que fazem os bons amigos. Saberá, pois, meu querido filho, que o legado da querida marqueza—para quem deve erguer em sua alma uma gratidão eterna—está inteiramente exhausto. Aproveito esta occasião para lhe dizer que depois da morte de seu tio, sua tia, tendo liquidado o estabelecimento, se entregou a um caminho que o respeito me impede de qualificar: cahiu sob o imperio das paixões, e tendo-se ligado illegitimamente, viu os seus bens perdidos juntamente com a sua pureza, e hoje estabeleceu uma casa de hospedes na rua dos Calafates n.º 53. Se toco n'estas impurezas, tão improprias de que um tenro levita como o meu querido filho tenha d'ellas conhecimento, é porque lhe quero dar cabal relação da sua respeitavel familia. Sua irmã, como decerto sabe, casou rica em Coimbra, e ainda que no casamento não é o ouro que devemos apreciar, é todavia importante, para futuras circumstancias, que o meu querido filho esteja de posse d'este facto. Do que me escreveu o nosso querido reitor a respeito de o mandarmos para a freguezia de Feirão, na Gralheira, vou fallar com algumas pessoas importantes que têm a extrema bondade de attender um pobre padre que só pede a Deus misericordia. Espero, todavia, conseguir. Persevere, meu querido filho, nos caminhos da virtude, de que sei que a sua boa alma está repleta, e creia que se encontra a felicidade n'este nosso santo ministerio quando sabemos comprehender quantos são os balsamos que derrama no peito e quantos os refrigerios que dá—o serviço de Deus! Adeus, meu querido filho e novo collega. Creia que sempre o meu pensamento estará com o pupillo da nossa chorada marqueza, que decerto do céo, onde a elevaram as suas virtudes, supplica á Virgem, que ella tanto serviu e amou, a felicidade do seu caro pupillo.» Liset.
«P. S.—O appellido do marido de sua irmã é Trigoso.» Liset.
Dois mezes depois Amaro foi nomeado parocho de Feirão, na Gralheira, serra da Beira-Alta. Esteve alli desde outubro até ao fim das neves.
Feirão é uma parochia pobre de pastores e n'aquella época quasi deshabitada. Amaro passou o tempo muito ocioso, ruminando o seu tedio á lareira, ouvindo fóra o inverno bramir na serra. Pela primavera vagaram nos districtos de Santarem e de Leiria parochias populosas, com boas congruas. Amaro escreveu logo á irmã contando a sua pobreza em Feirão; ella mandou-lhe, com recommendações de economia, doze moedas para ir a Lisboa requerer. Amaro partiu immediatamente. Os ares lavados e vivos da serra tinham-lhe fortificado o sangue; voltava robusto, direito, sympathico, com uma boa côr na pelle trigueira.
Logo que chegou a Lisboa foi á rua dos Calafates n.º 53, a casa da tia: achou-a velha, com laços vermelhos n'uma cuia enorme, toda coberta de pó d'arroz. Tinha-se feito devota, e foi com uma alegria piedosa que abriu os seus magros braços a Amaro.
-Como estás bonito! Ora não ha! Quem te viu! Ih, Jesus! que mudança!
Admirava-lhe a batina, a corôa: e contando-lhe as suas desgraças, com exclamações sobre a salvação da sua alma e sobre a carestia dos generos, foi-o levando para o terceiro andar, a um quarto que dava para o saguão.
—Ficas aqui como um abbade, disse-lhe ella. E baratinho!... Ai! ter-te de graça queria eu, mas... Tenho sido muito infeliz, Joãosinho!... Ai! desculpa, Amaro! Estou sempre com o Joãosinho na cabeça...
Amaro procurou logo ao outro dia o padre Liset em S. Luiz. Tinha ido para França. Lembrou-se então da filha mais nova da senhora marqueza d'Alegros, a snr.a D. Luiza, que estava casada com o conde de Ribamar, conselheiro d'Estado, com influencia, regenerador fiel desde cincoenta e um e duas vezes ministro do reino.
E, por conselho da tia, Amaro, logo que metteu o seu requerimento, foi uma manhã a casa da snr.a condessa de Ribamar, a Buenos-Ayres. Á porta um coupé esperava.
—A senhora condessa vai sahir, disse um criado de gravata branca e quinzena de alpaca, encostado á hombreira do pateo, de cigarro na boca.
N'esse momento, d'uma porta de batentes de baena verde, sobre um degrau de pedra, ao fundo do pateo lageado, uma senhora sahia, vestida de claro. Era alta, magra, loura, com pequeninos cabellos frisados sobre a testa, lunetas d'ouro n'um nariz comprido e agudo, e no queixo um signalzinho de cabellos claros.
—A senhora condessa já me não conhece..., disse Amaro com o chapéo na mão, adiantando-se curvado. Sou o Amaro.
—O Amaro!? disse ella como estranha ao nome. Ah! bom Jesus, quem elle é! Ora não ha! Está um homem! Quem diria!
Amaro sorria-se.
—Eu podia lá esperar! continuou ella admirada. E está agora em Lisboa?
Amaro contou a sua nomeação para Feirão, a pobreza da parochia...
—De maneira que vim requerer, senhora condessa.
Ella escutava-o com as mãos apoiadas n'uma alta sombrinha de sêda clara, e Amaro sentia vir d'ella um perfume de pó d'arroz e uma frescura de cambraias.
—Pois deixe estar, disse ella, fique descansado. Meu marido ha de fallar. Eu me encarrego d'isso. Olhe, venha por cá.—E com o dedo sobre o canto da boca:—Espere, ámanhã vou para Cintra. Domingo, não. O melhor é d'aqui a quinze dias. D'aqui a quinze dias pela manhã, sou certa.—E rindo com os seus largos dentes frescos:—Parece que o estou a vêr traduzir Chateaubriand com a mana Luiza! Como o tempo passa!
—Passa bem a senhora sua mana? perguntou Amaro.
—Sim, bem. Está n'uma quinta em Santarem.
Deu-lhe a mão, calçada de peau de suède, n'um aperto sacudido que fez tilintar os seus braceletes d'ouro, e saltou para o coupé, magra e ligeira, com um movimento que levantou brancuras de saias.
Amaro começou então a esperar. Era em julho, no pleno calor. Dizia missa pela manhã em S. Domingos, e durante o dia, de chinelos e casaco de ganga, arrastava a sua ociosidade pela casa. Ás vezes ia conversar com a tia para a sala de jantar; as janellas estavam cerradas, na penumbra zumbia a monotona susurração das moscas; a tia a um canto do velho canapé de palhinha fazia crochet, com a luneta encavallada na ponta do nariz; Amaro, bocejando, folheava um antigo volume do Panorama.
Á noitinha sahia, a dar duas voltas no Rocio. Abafava-se, no ar pesado e immovel: a todos os cantos se apregoava monotonamente agua fresca! Pelos bancos, debaixo das arvores, vadios remendados dormitavam; em redor da praça, sem cessar, caleches de aluguel vazias rodavam vagarosamente; as claridades dos cafés reluziam; e gente encalmada, sem destino, movia, bocejando, a sua preguiça pelos passeios das ruas.
Amaro então recolhia, e no seu quarto, com a janella aberta ao calor da noite, estirado em cima da cama, em mangas de camisa, sem botas, fumava cigarros, ruminava as suas esperanças. A cada momento lhe acudiam, com rebates de alegria, as palavras da senhora condessa: fique descansado, meu marido ha de fallar! E via-se já parocho n'uma bonita villa, n'uma casa com quintal cheio de couves e de saladas frescas, tranquillo e importante, recebendo bandejas de dôce das devotas ricas.
Vivia então n'um estado de espirito muito repousado. As exaltações, que no seminario lhe causava a continencia, tinham-se acalmado com as satisfações que lhe dera em Feirão uma grossa pastora, que elle gostava de vêr ao domingo tocar á missa, dependurada da corda do sino, rolando nas saias de saragoça, e a face a estourar de sangue. Agora, sereno, pagava pontualmente ao céo as orações que manda o ritual, trazia a carne contente e calada, e procurava estabelecer-se regaladamente.
No fim de quinze dias foi a casa da senhora condessa.
—Não está, disse-lhe um criado da cavallariça.
Ao outro dia voltou, já inquieto. Os batentes verdes estavam abertos; e Amaro subiu devagar, pisando, muito acanhado, o largo tapete vermelho fixado com varões de metal. Da alta claraboia cahia uma luz suave; ao cimo da escada, no patamar, sentado n'uma banqueta de marroquim escarlate, um criado encostado á parede branca envernizada, com a cabeça pendente e o beiço cahido, dormia. Fazia um grande calor; aquelle alto silencio aristocratico aterrava Amaro; esteve um momento com o seu guardasol pendente do dedo minimo, hesitando; tossiu devagarinho, para acordar o criado que lhe pareceia terrivel com a sua bella suiça preta, o seu rico grilhão d'ouro; e ia descer quando ouviu por detraz d'um reposteiro um riso grosso de homem. Sacudiu com o lenço o pó esbranquiçado dos sapatos, puxou os punhos, e entrou muito vermelho n'uma larga sala com estofos de damasco amarello; uma grande luz entrava das varandas abertas, e viam-se arvoredos de jardim. No meio da sala tres homens de pé conversavam. Amaro adiantou-se, balbuciou:
—Não sei se incommódo...
Um homem alto, de bigode grisalho e oculos de ouro, voltou-se surprehendido, com o charuto ao canto da boca e as mãos nos bolsos. Era o senhor conde.
—Sou Amaro...
—Ah, disse o conde, o senhor padre Amaro! Conheço muito bem! Tem a bondade... Minha mulher fallou-me. Tem a bondade...
E dirigindo-se a um homem baixo e repleto, quasi calvo, de calças brancas muito curtas:
—É a pessoa de quem lhe fallei.—Voltou-se para Amaro:—É o senhor ministro.
Amaro curvou-se, servilmente.
—O senhor padre Amaro, disse o conde de Ribamar, foi creado de pequeno em casa de minha sogra. Nasceu lá, creio eu...
—Saiba o senhor conde que sim, disse Amaro que se conservava afastado, com o guardasol na mão.
—Minha sogra, que era toda devota e uma completa senhora,—já não ha d'isso!—fel-o padre. Houve até um legado, creio eu... Emfim, aqui o temos parocho... Onde, senhor padre Amaro?
—Feirão, excellentissimo senhor.
—Feirão!?... disse o ministro estranhando o nome.
—Na serra da Gralheira, informou logo o outro sujeito, ao lado. Era um homem magro, entalado n'uma sobrecasaca azul, muito branco de pelle, com soberbas suiças d'um negro de tinta e um admiravel cabello lustroso de pomada, apartado até ao cachaço n'uma risca perfeita.
—Emfim, resumiu o conde, um horror! Na serra, uma freguezia pobre, sem distracções, com um clima horrivel...
—Eu metti já requerimento, excellentissimo senhor, arriscou Amaro timidamente.
—Bem, bem, affirmou o ministro. Ha de arranjar-se.—E mascava o seu charuto.
—É uma justiça, disse o conde. Mais, é uma necessidade! Os homens novos e activos devem estar nas parochias difficeis, nas cidades... É claro! Mas não: olhe, lá ao pé da minha quinta, em Alcobaça, ha um velho, um gottoso, um padre-mestre antigo, um imbecil!... Assim perde-se a fé.
—É verdade, disse o ministro, mas essas collocações nas boas parochias devem naturalmente ser recompensas dos bons serviços. É necessario o estimulo...
—Perfeitamente, replicou o conde; mas serviços religiosos, profissionaes, serviços á Igreja, não serviços aos governos.
O homem das soberbas suiças negras teve um gesto d'objecção.
—Não acha? perguntou-lhe o conde.
—Respeito muito a opinião de vossa excellencia, mas se me permitte... Sim, digo eu, os parochos na cidade são-nos d'um grande serviço nas crises eleitoraes. D'um grande serviço!
—Pois sim. Mas...
—Olhe vossa excellencia, continuou elle, sôfrego da palavra. Olhe vossa excellencia em Thomar. Porque perdemos? Pela attitude dos parochos. Nada mais.
O conde acudiu:
—Mas perdão, não deve ser assim; a religião, o clero não são agentes eleitoraes.
—Perdão... queria interromper o outro.
O conde suspendeu-o, com um gesto firme; e gravemente, em palavras pausadas, cheias da auctoridade d'um vasto entendimento:
—A religião, disse elle, póde, deve mesmo auxiliar os governos no seu estabelecimento, operando, por assim dizer, como freio...
—Isso, isso! murmurou arrastadamente o ministro, cuspindo pelliculas mascadas de charuto.
—Mas descer ás intrigas, continuou o conde devagar, aos imbroglios... Perdôe-me, meu caro amigo, mas não é d'um christão.
—Pois sou-o, senhor conde! exclamou o homem das suiças soberbas. Sou-o a valer! Mas tambem sou liberal. E entendo que no governo representativo... Sim, digo eu... com as garantias mais solidas...
—Olhe, interrompeu o conde, sabe o que isso faz? desacredita o clero e desacredita a politica.
—Mas são ou não as maiorias um principio sagrado? gritava rubro o das suiças, accentuando o adjectivo.
—São um principio respeitavel.
—Upa! upa, excellentissimo senhor! upa!
O padre Amaro escutava, immovel.
—Minha mulher ha de querer vêl-o, disse-lhe então o conde. E dirigindo-se a um reposteiro que levantou:—Entre. É o senhor padre Amaro, Joanna!
Era uma sala forrada de papel branco assetinado, com moveis estofados de casimira clara. Nos vãos das janellas, entre as cortinas de pregas largas d'uma fazenda adamascada côr de leite, apanhadas quasi junto do chão por faxas de sêda, arbustos delgados, sem flôr, erguiam em vasos brancos a sua folhagem fina. Uma meia luz fresca dava a todas aquellas alvuras um tom delicado de nuvem. Nas costas d'uma cadeira uma arara empoleirada, firme n'um só pé negro, coçava vagarosamente, com contracções aduncas, a sua cabeça verde. Amaro, embaraçado, curvou-se logo para um canto do sofá, onde viu os cabellinhos louros e frisados da senhora condessa que lhe enchiam vaporosamente a testa, e os aros de ouro da sua luneta reluzindo. Um rapaz gordo, de face rechonchuda, sentado diante d'ella n'uma cadeira baixa, com os cotovêlos sobre os joelhos abertos, occupava-se em balançar, como um pendulo, um pince-nez de tartaruga. A condessa tinha no regaço uma cadellinha, e com a sua mão sêcca e fina, cheia de veias, acamava-lhe o pêllo branco como algodão.
—Como está, snr. Amaro?—A cadella rosnou.—Quieta, Joia... Sabe que já fallei no seu negocio? Quieta, Joia... O ministro está alli.
—Sim, minha senhora, disse Amaro, de pé.
—Sente-se aqui, senhor padre Amaro.
Amaro pousou-se á beira d'um fauteil, com o seu guardasol na mão—e reparou então n'uma senhora alta que estava de pé, junto do piano, fallando com um rapaz louro.
—Que tem feito estes dias, snr. Amaro? disse a condessa. Diga-me uma coisa: sua irmã?
—Está em Coimbra, casou.
—Ah! casou! disse a condessa, fazendo girar os seus anneis.
Houve um silencio. Amaro, d'olhos baixos, passava, com um gesto embaraçado e errante, os dedos pelos beiços.
—O senhor padre Liset está para fóra? perguntou.
—Está em Nantes. Tinha uma irmã a morrer, disse a condessa. Está o mesmo sempre; muito amavel, muito dôce. É a alma mais virtuosa!...
—Eu prefiro o padre Felix, disse o rapaz gordo estirando as pernas.
—Não diga isso, primo! Jesus, brada aos céos! Pois então o padre Liset, tão respeitavel!... E depois outras maneiras de dizer as coisas, com uma bondade... Vê-se que é um coração delicado...
—Pois sim, mas o padre Felix...
—Ai, nem diga isso! Que o padre Felix é uma pessoa de muita virtude, decerto; mas o padre Liset tem uma religião mais...—E com um gesto delicado procurava a palavra:—mais fina, mais distincta... Emfim, vive com outra gente.—E sorrindo para Amaro:—Pois não acha?
Amaro não conhecia o padre Felix, não se recordava do padre Liset.
—Já é velho o senhor padre Liset, observou ao acaso.
—Crê? disse a condessa. Mas muito bem conservado! E que vivacidade, que enthusiasmo!... Ai, é outra coisa!—E voltando-se para a senhora que estava junto do piano:—Pois não achas, Thereza?
—Já vou, respondeu Thereza, toda absorvida.
Amaro afirmou-se então n'ella. Pareceu-lhe uma rainha, ou uma deusa, com a sua alta e forte estatura, uma linha de hombros e de seio magnifica; os cabellos pretos um pouco ondeados destacavam sobre a pallidez do rosto aquilino semelhante ao perfil dominador de Marie Antoinette; o seu vestido preto, de mangas curtas e decote quadrado, quebrava, com as pregas da cauda muito longa toda adornada de rendas negras, o tom monotono das alvuras da sala; o collo, os braços estavam cobertos por uma gaze preta, que fazia apparecer através a brancura da carne; e sentia-se nas suas fórmas a firmeza dos marmores antigos, com o calor d'um sangue rico.
Fallava baixo, sorrindo, n'uma lingua aspera que Amaro não comprehendia, cerrando e abrindo o seu leque preto—e o rapaz louro, bonito, escutava-a retorcendo a ponta d'um bigode fino, com um quadrado de vidro entalado no olho.
—Havia muita devoção na sua parochia, snr. Amaro? perguntava no emtanto a condessa.
—Muita, muito boa gente.
—É onde ainda se encontra alguma fé, é nas aldeias, considerou ella com um tom piedoso.—Queixou-se da obrigação de viver na cidade, nos captiveiros do luxo: desejaria habitar sempre na sua quinta de Carcavellos, rezar na pequena capella antiga, conversar com as boas almas da aldeia!—e a sua voz tornára-se terna.
O rapaz rechonchudo ria-se:
—Ora, prima! dizia; ora, prima!—Não, elle, se o obrigassem a ouvir missa n'uma capellinha de aldeia, até lhe parecia que perdia a fé!... Não comprehendia, por exemplo, a religião sem musica... Era lá possivel uma festa religiosa sem uma boa voz de contralto!?
—Sempre é mais bonito, disse Amaro.
—Está claro que é. É outra coisa! Tem cachet! Ó prima, lembra-se d'aquelle tenor... como se chamava elle? O Vidalti. Lembra-se do Vidalti, na quinta-feira de Endoenças, nos Inglezinhos? O tantum ergo?
—Eu preferia-o no Baile de mascaras, disse a condessa.
—Olhe que não sei, prima, olhe que não sei!
No emtanto o rapaz louro viera apertar a mão á senhora condessa, fallando-lhe baixo, muito risonho. Amaro admirava a nobreza da sua estatura, a doçura do seu olhar azul; reparou que lhe cahira uma luva, e apanhou-lh'a servilmente. Quando elle sahiu Thereza, depois de se ter aproximado vagarosamente da janella e olhado para a rua—foi sentar-se n'uma causeuse com um abandono que punha em relêvo a magnifica esculptura do seu corpo; e voltando-se preguiçosamente para o rapaz rechonchudo:
—Vamo-nos, João?
A condessa disse-lhe então:
—Sabes que o senhor padre Amaro foi creado commigo em Bemfica?
Amaro fez-se vermelho: sentia que Thereza pousava sobre elle os seus bellos olhos d'um negro humido como o setim preto coberto de agua.
—Está na provincia agora? perguntou ella, bocejando um pouco.
—Sim, minha senhora, vim ha dias.
—Na aldeia? continuou ella, abrindo e cerrando vagarosamente o seu leque.
Amaro via pedras preciosas reluzirem nos seus dedos finos; disse, acariciando o cabo do guardasol:
—Na serra, minha senhora.
—Imagina tu, acudiu a condessa, é um horror! Ha sempre neve, diz que a igreja não tem telhado, são tudo pastores. Uma desgraça! Eu pedi ao ministro a vêr se o mudavamos. Pede-lhe tu tambem...
—O quê? disse Thereza.
A condessa contou que Amaro requerera para uma parochia melhor. Fallou de sua mãi, da amizade que ella tinha a Amaro...
—Morria-se por elle. Ora um nome que ella lhe dava... Não se lembra?
—Não sei, minha senhora.
—Frei Maleitas!... Tem graça! Como o snr. Amaro era amarellito, sempre mettido na capella...
Mas Thereza, dirigindo-se á condessa:
—Sabes com que se parece este senhor?
A condessa affirmou-se, o rapaz rechonchudo fincou a luneta.
—Não se parece com aquelle pianista do anno passado? continuou Thereza. Não me lembra agora o nome...
—Bem sei, o Jalette, disse a condessa. Bastante. No cabello, não.
—Está visto, o outro não tinha corôa!
Amaro fez-se escarlate. Thereza ergueu-se arrastando a sua soberba cauda, sentou-se ao piano.
—Sabe musica? perguntou, voltando-se para Amaro.
—A gente aprende no seminario, minha senhora.
Ella correu a mão, um momento, sobre o teclado de sonoridades profundas, e tocou a phrase do Rigoleto, parecida com o Minuete de Mozart, que diz Francisco I, despedindo-se, no sarau do primeiro acto, da senhora de Crécy—e cujo rhythmo desolado tem a abandonada tristeza de amores que findam, e de braços que se desenlaçam em despedidas supremas.
Amaro estava enlevado. Aquella sala rica com as suas alvuras de nuvem, o piano apaixonado, o collo de Thereza que elle via sob a negra transparencia da gaze, as suas tranças de deusa, os tranquillos arvoredos de jardim fidalgo davam-lhe vagamente a idéa d'uma existencia superior, de romance, passada sobre alcatifas preciosas, em coupés acolchoados, com arias de operas, melancolias de bom gosto e amores d'um gozo raro. Enterrado na elasticidade da causeuse, sentindo a musica chorar aristocraticamente, lembrava-lhe a sala de jantar da tia e o seu cheiro de refogado: e era como o mendigo que prova um creme fino, e, assustado, demora o seu prazer—pensando que vai voltar á dureza das côdeas sêccas e á poeira dos caminhos.
No emtanto Thereza, mudando bruscamente de melodia, cantou a antiga aria inglesa de Haydn, que diz tão finamente as melancolias da separação:
The village seems dead and asleep When Lubin is away!...
—Bravo! bravo! exclamou o ministro da justiça apparecendo á porta, batendo dôcemente as palmas. Muito bem, muito bem! Deliciosamente!
—Tenho um pedido a fazer-lhe, snr. Correia, disse Thereza erguendo-se logo.
O ministro veio, com uma pressa galante:
—Que é, minha senhora? que é?
O conde e o sujeito de magnificas suiças tinham entrado discutindo ainda.
—A Joanna e eu temos que lhe pedir, disse Thereza ao ministro.
—Eu já pedi! já pedi mesmo duas vezes! acudiu a condessa.
—Mas, minhas senhoras, disse o ministro sentando-se confortavelmente, com as pernas muito estiradas, a face satisfeita: de que se trata? É uma coisa grave? meu Deus! prometto, prometto solemnemente...
—Bem, disse Thereza batendo-lhe com o leque no braço. Então qual é a melhor parochia vaga?
—Ah! disse o ministro comprehendendo e olhando para Amaro, que vergou os hombros, córado.
O homem das suiças, que estava de pé fazendo saltar circumspectamente os berloques, adiantou-se, cheio de informações:
—Das vagas, minha senhora, é Leiria, capital do districto e séde do bispado.
—Leiria? disse Thereza. Bem sei, é onde ha umas ruinas?
—Um castello, minha senhora, edificado por D. Diniz.
—Leiria é excellente!
—Mas perdão, perdão! disse o ministro, Leiria, séde do bispado, uma cidade... O senhor padre Amaro é um ecclesiastico novo...
—Ora, snr. Correia! exclamou Thereza, e o senhor não é novo?
O ministro sorriu, curvando-se.
—Dize alguma coisa, tu, disse a condessa a seu marido, que coçava ternamente a cabeça da arara.
—Parece-me inutil, o pobre Correia está vencido! A prima Thereza chamou-lhe novo!
—Mas perdão, protestou o ministro. Não me parece que seja uma lisonja excepcional; eu não sou tambem tão antigo...
—Oh, desgraçado! gritou o conde, lembra-te que já conspiravas em 1820!
—Era meu pai, calumniador, era meu pai!
Todos riram.
—Snr. Correia, disse Thereza, está entendido. O senhor padre Amaro vai para Leiria!
—Bem, bem, succumbo, disse o ministro com gesto resignado. Mas é uma tyrannia!
—Thank you, fez Thereza, estendendo-lhe a mão.
—Mas, minha senhora, estou a estranhal-a, disse o ministro fixando-a.
—Estou contente hoje, disse ella. Olhou um momento para o chão, distrahida, dando pequeninas pancadas no vestido de sêda, levantou-se, foi sentar-se ao piano bruscamente, e recomeçou a dôce aria ingleza: