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CAPITULO III
No dia de Santo Antonio

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Amanheceu o dia 13 de Junho do ano de 18.. puro e sereno. Dois estabelecimentos dos muitos que ha na Rua dos Embaixadores estavam ainda fechados ás cinco e meia da manhã, e dois grupos bem distintos um do outro estavam batendo a cada uma das respectivas portas.

Estes dois estabelecimentos eram: a oficina do sr. João e a oficina do nosso amigo Julião. Á porta deste estão quatro homens e dois rapazes vestidos com a roupa do trabalho, com um pequeno saco na mão, que continha, certamente, o almoço, preparados para se entregarem ao trabalho, apezar de ser o dia de Santo Antonio.

A porta de Julião abriu-se, e aqueles que estavam á espera entraram.

O grupo que aguardava que o sr. João ou alguem da sua casa désse sinaes de vida compunha-se de jovens dum e doutro sexo, com guitarras e bandurras, vestidos com a sua roupa domingueira.

Depois duns minutos de espera, tambem foi aberta a porta, aparecendo o sr. João, que disse:

—Bons dias, senhores.

—Bons dias, sr. João.

—Já veiu o carro?

—Sim, já está á porta.

—Nesse caso, que vá um rapaz buscar a canastra.

O sr. João transmitiu a ordem, e um dos moços do carro entrou, voltando depois com uma canastra á cabeça em que iam as viandas e no cimo uma bateria de garrafas de vinho, o que foi saudado pelo grupo quando o viram, com gritos de entusiasmo, entre os quaes se distinguia a voz dum deles, que disse:

—Viva Santo Antonio, e as Antonias e todos os que estamos aqui reunidos! Sobretudo viva a festa e o prazer!

A conversa interrompeu-se porque o sr. João apareceu na loja, e logo em seguida sua mulher e filha. Ao verem esta, um—viva a filha do mestre!—ressoou na oficina.

Quando estavam subindo para a carruagem, chegou um pedreiro á porta da loja do mestre carpinteiro, dizendo-lhe:

—O senhor vae passar o dia ao campo?

—Sim; que queres?

—Venho do mando do mestre de obras para ver quantos caixilhos posso levar.

—Dize-lhe que hoje não levas nenhum; é dia de Santo Antonio e não trabalho.

—Porém, veja bem, mestre, que um partido de operarios não pode trabalhar se se não levar isso para a obra.

—Pois que vão para o campo assim como eu.

O rapaz retirou-se. Entretanto Brigida e Antonia falavam com Julião e Dôres, á porta da sua oficina. Instavam com eles para que os acompanhassem, porém em vão.

—Nesse caso, se teimam em ficar—disse Brigida,—não deixem de olhar cá pela casa.

—Esteja descançada—disse Julião,—que nós olharemos pela sua casa.

Brigida despediu-se, e a sua filha, aproximando-se de Dôres, disse-lhe ao ouvido:

—Ai, Dôres! mau dia de Santo Antonio vamos ter. A vespera foi má e o dia não será melhor! Depois te contarei tudo.

Como passaram o dia as personagens da nossa historia?

Vamos dizer-vol-o em poucas palavras, tanto quanto nos seja possivel.

Julião passou o dia trabalhando, e tanto ele como sua familia e oficiaes gozaram perfeita tranquilidade.

Quanto ao mestre carpinteiro, vamos encontral-o com sua familia e amigos no campo pelas cinco horas da tarde.

Todos se acham alegres, como é natural, quando se vae passar o dia ao campo, e especialmente á hora de comer.

—Vamos—disse neste momento mestre João,—trinchemos estas aves, como dizem os ricos.

—Quem fala agora aqui de ricos?—Vivam os pobres!

—Viva a liberdade!—gritou João.

—Viva!!!

—Olha—perguntou o confeiteiro—para que queres tu a liberdade?

—Homem... eu... para... que sim... porque meu avô foi muito liberal... e odiava os padres, a religião e os ricos.

—Que não se fale aqui de politica—disse uma mulher.

—Sim, sim, para fóra daqui a politica; falemos antes de religião, o que está na ordem do dia desde que chegaram aqui os protestantes. Falemos, pois, de religião, como falou hontem á noite o mestre Julião, que tem cara de padre.

—Pois falemos de religião—disse uma das pessoas presentes; e, dirigindo-se ao confeiteiro, disse-lhe: Tu que és? catolico apostolico romano, ou judeu?

—Homem—respondeu ele—eu sou hespanhol.

Uma gargalhada geral acolheu esta resposta.

—De que se riem vocês?—perguntou ele—Eu nasci em Madrid, portanto sou hespanhol.

—Isso nada tem que ver. És cristão?

—Sim.

—Catolico apostolico romano?

—Sim.

—Nesse caso crês no Papa.

—Eu não creio no Papa.

—E nos padres?

—Tão pouco.

—E na Virgem?

—Sim.

—Pois então não és católico apostolico romano, porque não crês no Papa.

—Lembra-te de que ele é infalivel.

—Sim, e exactamente agora, porque é infalivel, perdeu ele o poder temporal, e contra ele se levantam os proprios catolicos. Ha pouco li num jornal, de que sou assinante, que o padre Jacinto, esse padre ou frade francez que tanto tem dado que falar, vae casar-se, e o mesmo vae fazer um sabio alemão que se chama... não me posso recordar agora do seu nome; o certo é que eles dizem que os padres devem ser casados.

—Isso é que é uma grande verdade—disse outra pessoa presente,—os padres devem ser casados; assim não se presenciariam certos escandalos...

—Mas é que o Papa—disse outro—é muito provavel que saia de Roma, apezar de toda a sua infa...li...bi...lidade.

—Em vista de tanta trapalhada que ha na egreja e tanta palhaçada—exclamou o sr. João—eu não sou nada; o que me ensinaram meus paes isso ensino eu a minha filha; porém eu... creio que ha um Ser supremo, mas que não intervem em coisa alguma deste mundo; faço o bem que posso, respeito os santos, e não me meto com ninguem; e com isto tenho a certeza de ganhar o céu, se é que o ha.

—Isso sim—exclamaram alguns—isso é que é ser cristão.

Assim continuou a conversação, expondo cada qual as suas idéas religiosas.

Segundo eles, fazer o bem que se pode fazer, crer num Ser que é antes um não ser, visto que em nada intervem, e respeitar os santos, eis o que é preciso para uma pessoa ser cristã e salvar-se.

Que cegueira! E quem tem a culpa de tanto erro? Não hesitemos em o declarar; a culpa tem-na em sua maior parte um clero tão ignorante como fanatico, porém sobretudo tão egoista, que não ergue a voz senão quando se vê ofendido nos seus interesses materiaes.

Ha milhares e milhares de pessoas como o mestre João, excelentes paes de familia, homens honrados segundo o mundo, porém em questões religiosas, já por vezes o temos observado, com o facto de fazerem o bem que podem dão-se por satisfeitos. Erro! lamentavel erro! Aqueles que em tal coisa crêem que escutem o que disse Jesus ao doutor da lei.

«Mestre—disse um doutor da lei a Jesus—o que é preciso que eu faça para alcançar a vida eterna? E Jesus lhe disse: O que está escrito na lei? Como lês tu? E, respondendo o doutor, disse: Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, com todas as forças do teu entendimento, e o teu proximo como a ti mesmo.—Bem falaste (respondeu Jesus); faze isso e viverás».

Faze isso e viverás; não basta fazer uma parte, é preciso fazer tudo para a gente se salvar. Porém agora surge esta pergunta: Pode o homem fazer tudo? Não. Para ele cumprir a lei, ganhar a salvação da sua alma, é impossivel; porém temos um Substituto que fez tudo; foi-nos dado um que não deixou nada por fazer. Esse um é Jesus Cristo, e só por Ele temos redenção, justificação e santificação. Sim, pela fé em Jesus temos assegurada a salvação da nossa alma. Sem a fé em Jesus nada temos.

Porém voltemos á reunião.

É já quasi noite, e os amigos do mestre João, este e sua familia, preparam-se para irem para suas casas. Ao subirem para o carro, o boleeiro ria como um perdido na almofada, e por mais que fizessem para o dissuadirem disso não poderam.

O carro partiu, e todos iam alegres e contentes.

O confeiteiro começou a sentir-se incomodado com o movimento do carro, e principiou a gritar:

—Parem! parem! he! he! sinto-me incomodado: quero...

Inclinou-se para um lado, e, sem que ninguem podesse evital-o, caiu do carro abaixo. O cocheiro fez um supremo esforço para parar os cavalos, porém em vão; não o pôde fazer senão depois de terem dado alguns passos.

Toda a gente, soltando gritos de horror, desceu do carro, e foi logo para junto do confeiteiro, que jazia estendido no chão, banhado em sangue, sendo necessario transportal-o para a casa mais proxima.

Houve uma pessoa que, apezar da muita devoção que tinha a Santo Antonio, não pôde deixar de exclamar:

—Se Santo Antonio não tivesse vindo ao mundo, nem tivesse amanhecido o seu dia, não se teria perdido com isso coisa nenhuma. Ao passo que outro acrescentou: «Melhor nos teria sido passar o dia com Julião, trabalhando na oficina, e ganhando para nós e nossas familias».



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