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CAPITULO IV
Consequencias

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São decorridos quinze dias desde o dia de Santo Antonio até hoje. Em casa do mestre João deve ter havido alguma coisa de extraordinario. Reina lá uma agitação fóra do costume; as mulheres andam apressadas dum para outro lado e o rosto de mais duma delas está humedecido pelo pranto. Que terá sucedido?

Consequencias duma vespera e dum dia de Santo Antonio.

Quer pela perda dos diamantes, quer pelo susto que recebeu com a queda do moço confeiteiro, Antonia veiu para casa doente.

No dia seguinte manifestou-se-lhe uma febre tão intensa que o medico declarou que não havia tempo a perder, pois via-a ameaçada duma congestão cerebral. Acrescentou que o caso não podia ser mais grave, e que, portanto, seria conveniente que se preparasse espiritualmente.

A pessoa que recebeu esta noticia foi a Dôres.

A mãe de Antonia estava como fóra de si; o pae chorava como uma creança, e para dizer tudo numa palavra—todo e qualquer teria pena daquela familia, tão triste agora como alegre ainda não havia muitos dias.

Dôres transmitiu a noticia a uma tia de Antonia, a qual disse que não a comunicava aos paes dela. Por fim, depois de muita hesitação, resolveram dizel-o a um sacerdote que vivia na mesma casa. Chamava-se Francisco, era ainda novo, um tanto instruido e, apezar de fanatico nas suas idéas religiosas, gozava de bastantes simpatias entre os seus freguezes.

As mulheres despediram-se do padre Francisco, e dez minutos depois um aprendiz de Julião entrou na oficina do carpinteiro, dizendo:

—Sr. João, o meu mestre pede-lhe que vá á loja dele, pois que precisa muito de falar-lhe.

O carpinteiro seguiu o rapaz, e, logo que avistou Julião, este disse-lhe:

—Boas tardes, sr. João. Como vae Antonia?

—Mal, muito mal. Filha da minha alma!

—Senhor João—disse Julião muito comovido—não se aflija. Emquanto um doente tem vida, ainda ha esperança. Venha comigo cá para dentro, que temos que falar.

Quando chegaram á sala e se sentaram, Julião deixou que o seu amigo se tranquilisasse um pouco, e chamou por sua mãe para que trouxesse um copo de agua.

—Então, sr. João!—disse a senhora Josefa, apresentando-lhe o copo com a agua—não se entregue á dôr dessa maneira, tenha confiança em Deus.

—Deus, Deus—exclamou o carpinteiro,—Deus não ouve, Deus está...

A senhora Josefa ia a responder, porém um gesto de Julião indicou-lhe que saisse, e assim o fez, dizendo:

—Jesus está em toda a parte.

—Senhor João—disse Julião quando sua mãe saiu,—ha sucessos na vida mediante os quaes é posta á prova a alma do homem. Quando um pae sofre o que vocemecê está sofrendo, e crê e confia em Deus, não se desespera assim.

—Não sei, Julião, o que teem as suas palavras, que tanto me consolam; porém, não, não, minha filha não deve morrer tão joven... eu proprio a disputarei a Deus.

—Quer disputal-a a Deus?

—Sim, como?

—Pela oração.

—Eu não sei rezar, nem quero; o que quero é minha filha.

—Tão pouco eu quero que reze; o que eu quero é que se volte para o Senhor com humildade, dizendo: «Senhor, não te deixarei se não me abençoares; ofereço-Te minha filha, faze dela o que fôr da Tua vontade; sómente Te rogo que ma deixes, ou que me dês forças para sofre este golpe no caso de ma levares; tem piedade de mim, em nome de Jesus».

—Eu não sei dizer isso; eu não sei orar.

—Não? Pois então diga ao Senhor: «Senhor, ensina-me a orar...» Jesus disse: «Tudo o que pedirdes em oração, tendo fé, recebereis».

Estavam nisto quando bateram de mansinho á porta da sala.

Julião abriu, e o P.ᵉ Francisco entrou, saudando João e Julião, que por sua vez corresponderam á saudação.

—Pois, senhores, deixo-os sósinhos—disse Julião.

—Não, não, de modo nenhum; deve até ficar—respondeu o sacerdote, acrescentando:—Vejamos, sabe já o sucedido, sr. Julião?

—Não—respondeu Julião—eu tratava de o consolar, exortando-o a que pozesse a sua confiança em Deus, infinitamente bom.

Todos tomaram assento, e o P.ᵉ Francisco disse:

—Sim, é certo que Deus é bom, porém quer que da nossa parte façamos alguma coisa.

—E que devemos fazer nós?—perguntou Julião.

—Oh!—exclamou o sacerdote—a penitencia! Esse precioso dom que nos concedeu a misericordia dum Deus Salvador! Dom que, acompanhado da poderosa intercessão da Bemdita Virgem e de toda a côrte celestial de anjos, querubins e santos, nos abre infalivelmente as portas do céu, já se vê, uma vez que haja a absolvição do sacerdote, apoz a confissão! Sim, meu amigo, se receia alguma coisa por sua filha, deve, revestindo-se de valor, dizer-lhe... que se confesse.

João ia a falar, quando o P.ᵉ Francisco o interrompeu, dizendo:

—Já sei o que me vae dizer. Dirá o que todos dizem, isto é, que a confissão feita por um enfermo no leito da morte é um golpe terrivel para ele. Mas porquê? Quando o sacerdote, vestido com os seus habitos talares, e com a autoridade que Deus e a santa egreja lhe dão, se aproxima da cabeceira do doente para o advertir de que se acha ás portas da eternidade, e de que o espera talvez a condenação eterna, a sua presença e palavras actuam de tal maneira no espirito do doente que lhe dão novas forças; e, no momento de se confessar para poder receber a Jesus sacramentado, opera-se nele uma tal mudança que se pode atribuir á certeza, que é dada ao enfermo, da absolvição dos seus pecados dada aqui na terra pelo sacerdote romano e ratificada no céu. Então pode o moribundo entregar-se com inteira confiança á protecção da mãe dos pecadores, e morrer em estado de graça e em perfeita e completa paz.

—Eu pergunto uma coisa—disse Julião.—O sacerdote não diz nada de Jesus aos enfermos?

—Sim, diz; porém o nome de Maria Santissima é mais doce, induz mais facilmente ao arrependimento.

—Não estou de modo nenhum conforme com isso, porque, afinal, quem operou a salvação dos pecadores, Maria ou Jesus?

—A salvação é obra dos dois, porque, se Jesus morreu, foi concebido no ventre da Virgem e amamentado aos seus peitos; e, ainda que não fosse por isso, pelo facto de ela ser mãe de Jesus, Este ha de declinar nela todo o poder. Sem Maria não podia existir Jesus.

—Porém essas doutrinas são hereticas; onde encontra o senhor uma só palavra na Biblia que autorize taes opiniões?

—Mas se a Biblia o não diz dil-o a egreja e os padres.

—A palavra de Deus tem mais autoridade do que padre algum, pois que o melhor deles é falivel.

—Porém de que se trata?—perguntou mestre João.

—Simplesmente—respondeu o sacerdote—dizer-lhe que sua filha está perigosamente doente, e que é preciso que se confesse.

—Filha do meu coração!—exclamou o carpinteiro, louco pela dôr.—Minha pobre filha! Com que então morre?..

Houve um momento de silencio, durante o qual o sacerdote e mestre Julião encararam com profunda simpatia o aflito pae.

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