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ROMANTICO

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—Ajude-me a servir o chá, primo...

Levantou-se. Na quasi obscuridade da sala, que tinha uma luz violacea—coada pelos vitraes onde se curvam lirios roxos—Clara parecia nascer dos tapetes, como uma graciosa e alta flôr de espuma. «Toilette» branca e ligeira, como pennas de ave, toda em musselinas, apenas indicando a elegancia do seu corpo fino, ia morrer no tapete branco...

Ia por entre os moveis, offerecendo as chavenas onde fumegava o chá perfumado, que da China trazem lentas caravanas, por tortuosos caminhos. O seu corpo agil descrevia carinhosas curvas. O ruido das conversas continuava... Um «flirt» a um canto murmurava, como se as palavras ficassem nos labios. Paulo, de grupo em grupo, uma chavena na mão, contente por ser alguma coisa, junto d'ella, tinha na bôcca um sorriso beato.

N'aquella tarde nem conversava. Entravam{42} e saiam as visitas, umas apressadas,—«apenas para saber de ti, Clara»—outras morosas, dando «rendez-vous» no salão elegante e discreto, onde na meia luz quasi se não conheciam as pessoas, podia-se estar sem ser visto. E Paulo, calado, n'um fauteuil a um canto, sorria para si proprio, olhando a figura indecisa de Clara, os cabellos loiros, na sala como enevoada onde apenas o fogão, por baixo do para-feu, tinha um brilho vermelho.

Lembrava-se de todo o comprido caminho percorrido desde aquella noite em Cascaes, em que o impressionara a graciosidade de Clara, o seu aspecto de flôr fresca, sempre em «toilettes» leves, abundantes em gazas, crepons tenues. Certamente que, companheiro e parente, admirára sempre a belleza da prima, mas seguira outros caminhos, nunca reparára bem para o enigma perturbante dos olhos verdes, para a elegancia moderna, feita de graça, a gentil figurinha de Boldini, princeza de cera e de seda, cujas mãos eram dignas de vêr florir entre os dedos os anneis mais preciosos que Vever e Lalique inventam, em combinações de moribundas gemas. Nunca olhára bem para ella com olhos de vêr. Habituára-se desde a puberdade a vêl-a. E seus cubiçosos olhares procuravam outras mais distantes, que julgava conhecer menos, pelo encanto do imprevisto.

Mas essa noite! Como lhe apparecia ainda,{43} depois de tantos mezes, nitidamente, essa noite d'um ceu leitoso, com uma lua enevoada, que se espalhava sobre o mar, sem brilho. Na varanda do Casino, quasi deserta, os Auers incidiam fortemente sobre Clara. No mar, em baixo, fogachos prateados tremiam. E além, as raras luzes da Cidadella; na Esplanada os focos esverdeados tiravam da sombra manchas de palmeiras e listravam de luz a agua inquieta, gemebunda e misteriosa.

Paulo, recostado n'uma cadeira, olhava a mancha mais negra do yacht real, apagado, apezar das suas lanternas que tremeluziam no mar. O charuto caíra-lhe da boca. Foi uma frase preciosa de Clara que o acordou:

—Quem me dirá um dia a cantilena do mar? Como ella embala! Como seria bom dormir a ouvir junto de nós a suave cantilena!

Paulo olhou para ella surprehendido. Pois quê? Clara, a ultima florescencia dos raouts e dos teas, teria phrases de heroina de Rosseti, seria leitora de Ruskin? Foi então que reparou nos olhos cheios de sonhos e de misterio, na bocca dolorosa, a vermelha e fina bocca, no seu collo de infanta apenas nubil, em toda a adolescencia que se conservava intacta no corpo precioso, como um fructo no gelo.

Começou então a seguil-a. Dura lhe foi a vida em theatros, jantares e bailes. Não faltava a uma sauterie, a uma party, que d'antes{44} o deixavam indifferente, ficando nas interminaveis partidas de bluff. A dolorosa expressão que na bocca se vincára n'aquella noite do Casino desapparecera; um grande contentamento da vida parecia boiar á flor dos olhos garços e os movimentos rythmicos, que ella fazia, como se fosse ao som d'uma musica, eram livres, felizes, sem promessas.

Não voltar o abandono d'aquella noite! Paulo desejava que Clara outra vez abrisse a sua alma, para elle sentir a caricia deliciosa.

Mas a mulher amada conservava-se indifferente, risonha, um pouco coquette.

Para os seus madrigaes escolhidos, preparados com antecedencia, buscados em livros de auctores novos, phrases perturbantes de Lorrain, perfumados disticos de Henri de Regnier, licenciosas palavras de Lionel des Rieux, com um sabor antigo, até o proprio d'Annunzio servira para a pilhagem,—para todos esses periodos carinhosos ella tinha o mesmo riso, que abria a bocca fina, descórada, que o traço de carmim violentaria a macerada pallidez da sua face:

—Ah! Paulo! Ah! Paulo! Apaixonado por mim! Tenho-lhe conhecido tantas paixões? Só na semana passada, tres!

—Se não penso senão em si!

—Quando está commigo? Nem isso!

—Clara! Clara! Se me conhecesse bem, veria{45} como a minha alma se fez para si um fresco bordão de assucenas...

E outro riso claro cantava na bocca exangue, a troçar da phrase pretenciosa.

Uma tarde, n'um garden party, emquanto no court de tennis as palavras inglezas crusavam-se e os jogadores corriam, a raquette no ar, elles um pouco afastados, juntos a um macisso de jasmineiros que floria, cobrindo-se d'uma renda fina e branca de pequeninos jasmins, Paulo, esquecendo-se das phrases decoradas nos romances, deixou sair da bocca, livremente, toda a força e toda a anciedade do amor que parecia abrir-lhe uma chaga no peito, teve palavras em que fulgiam desejos, os olhos brilhavam, enternecidos, agarrou-lhe nas mãos, encheu de beijos as palmas roseas, puxou-a para si, e pôde dar-lhe, de surpresa, um grande beijo na bocca, soffrego, que Clara não pôde evitar.

Voltada a si do pasmo, espantada pelo insolito atrevimento que a sua ligeira coquetterie não permitira, quiz zangar-se; mas voltou a rir-se, como se esse beijo, que lhe deixara na boca um calor de chama, tivesse sido apenas uma phrase, das grandes phrases de Annunzio, tão cheias de volupia que entontecem, como os largos calices das magnolias n'um pequeno jardim fechado. E sempre a sentir na bocca a impressão ardente d'esse beijo, Clara correu{46} para o tennis, a querer jogar tambem para esquecer-se.

Era d'esse beijo que Paulo vivia, tomado de assalto, como n'uma pilhagem de egreja.

E, apesar de Clara continuar a ser indifferente e risonha para elle, lembrava-se da perturbação que levára á alma ligeira da preciosa bonequinha de Nuremberg; olhos abertos, continuava a sonhar que esmagava os labios exangues sobre a pressão da sua bocca ávida.

Paulo era um romantico. Paulo vivia de pouco, como as aves do ceu.{47}

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