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LOGICA

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N'um garden-party. Emquanto no tennis se cruzam as palavras inglezas, e no kiosque, d'onde caem chuveiros de glicinias, se discutem mãos de bridge, afastados, junto a um roseiral, Joanna, Maria e Miguel veem jogar.

JOANNA—Toda a face branca é illuminada por dois largos olhos negros. Casada ha dois annos com um sportsman enragé, que prefere o cabo de uma raquette, o leme d'um outrigger, o guidon d'um automovel, á mais terna caricia da mulher. Usando e abusando do flirt, um em cada dia, ás vezes dois, tem periodos de fidelidade: quando quer torturar alguem. Provoca-o, chama-o, fal-o entontecer com promessas. Quando o vê absolutamente rendido, foge, para pensar n'outra coisa, ou em coisa alguma. Não vae ao fim de nada. Desenha, mas nunca terminou um esboço; toca piano, mas deixa sempre o trecho de musica suspenso a meio d'um compasso. Tem medo de acabar. É uma natureza hesitante.

MIGUEL—Nada intellectual. Um bom animal intelligente. Tem viajado. Mas prefere o steeple-chase de Auteuil a uma première no Vaudeville. Admira a força. É um leal. Dá o seu coração sem reservas. É, actualmente, o flirt fixo de Joanna.

MARIA—Vão-lhe falhando os admiradores. Os cabellos brancos não lhe ficam bem. Não sente muito a falta, nem se irrita com a felicidade alheia. Natureza simpatica, hoje rara.

MARIA—... Encontrou o Cerqueira a passear d'um lado para o outro, no terraço do Hotel, a balbuciar phrases, os olhos fechados, um livro na mão.—Que estás tu a fazer?—Tenho{34} hoje de fazer uma declaração á Clotilde. Estou a estudar aqui no Bourget duas phrases tezas!...

(Joanna e Miguel riem-se, mas deixam cair a conversa).

MARIA—A Clotilde merecia-o. Quando se começaram a usar os flous, para que é preciso postiches, ella tinha escrupulos e explicava:—«Sei lá se o cabello pertenceu a alguma creatura damnada! E hei-de pôr na minha cabeça uma coisa de alguem que hoje está a arder nas profundas dos infernos!» O que acham vocês?

(Joanna e Miguel tornam a rir-se, sem responder).

MARIA—Já comprehendo. Vocês querem ficar sós... (levanta-se).

JOANNA (sem convicção)—Não. Deixa-te estar...

MIGUEL (a mesma coisa)—Pelo amor de Deus!...

(Maria afasta-se, voltando ainda a cabeça para sorrir-lhes).

MIGUEL (a principio, parece hesitar, por fim decide-se)—Afinal, o que quer de mim, ao certo?

JOANNA—Eu?

MIGUEL—Sim. O que quer de mim?

JOANNA—Não comprehendo...

MIGUEL—É bem facil!...

JOANNA—Quer chamar-me estupida? Ha de concordar que é pouco amavel!...{35}

MIGUEL—Não desvie a conversa. Sabe que mesmo que o pensasse não lh'o diria...

JOANNA—Então pensa-o?

MIGUEL—Não o penso; sabe isso muito bem.

JOANNA—Uff! Respiro... Não poderia entrar na Academia, se fizesse tal conceito da minha intelectualidade... Não é assim que se diz, nos meios très dernier bateau?

MIGUEL—Oh! por mim!...

JOANNA—É o seu ambiente, o meio cosmopolita; é inseparavel dos diplomatas, delicia-se no Tyrol e em Roma...

MIGUEL—Quer outra vez mudar a conversa. Não é verdade?

JOANNA—Confesso-lhe que sim... Não percebo o que quer!...

MIGUEL—Repito-lhe: é facil. O que quer de mim?

JOANNA—Olhe: dê-me d'ali a minha sombrinha... N'este momento é a unica coisa que quero de si.

(Miguel traz-lhe a sombrinha vermelha, que ella abre. A luz parece incendiar-lhe o chapeu branco, e toda a face branca).

MIGUEL—Fallemos a serio, um pouco...

JOANNA—Já me viu brincar? Na minha edade!...

MIGUEL—Fishing for compliments?

JOANNA—Será, se quizer... Oiço-lh'os tão poucas vezes!{36}

MIGUEL—Queria passar a vida, como um d'esses pagens antigos, sentado a seus pés a cantar-lhe endeixas. Mas o seu sorriso paralisa, na minha bocca, o amor que vae a sair.

JOANNA—É o que o Cerqueira chamava uma phrase tesa!

MIGUEL—Porque troça de mim? Porque faz de mim seu joguete? Eu andava feliz e livre, sem mulher alguma que me preocupasse. Nunca andei tão alegre. Vivia a minha vida, livremente. Todas as mulheres bonitas me pareciam eguaes. Joanna começou a chamar-me, a dizer-me phrases que me prendiam, que me entonteciam. Tinha olhares para mim tão cheios de promessas, que corri como um esfomeado, diante d'uma mão que se lhe estende, carregada de vitualhas. E junto de si senti-me perturbado. Foram para mim as palavras mais carinhosas, aquellas que tinham um sentido ambiguo, banal para os estranhos, para mim precioso e comovido. Parecia um flirt terno. Subitamente, tudo mudou. Parece escolher tudo o que possa desagradar para dizer-me. É o flirt agressivo, em que d'uma das partes não ha amor, ou o quer esconder. E a conversa é toda feita de botes de florete, que muitas vezes arranham e podem até matar o amor.

JOANNA—Tout passe, tout casse, tout lasse... Porque não ha de ser assim o Amôr?...

MIGUEL—Mas deixe-o acabar por si, como{37} uma flôr n'um jardim deserto, que se desfolha aos poucos...

JOANNA—Para apodrecer?...

MIGUEL—Ó não, não apodrece. Evapora-se como uma essencia e deixa um perfume suave—uma recordação...

JOANNA—Outra phrase tesa. Está terrivel!

MIGUEL—Faça-me a justiça de pensar que não a li...

JOANNA—Não. Ouviu-a em alguma peça... Você diz-me que não lê nada...

MIGUEL—Leio o Seculo, todas as manhãs.

JOANNA—Não acredito...

MIGUEL—Palavra! Por causa das cotações da bolsa. Tenho uns dinheiros nos fundos russos... Mas não sobem... Ando infeliz em tudo: no jogo e nos amores.

JOANNA—Nos amores? Diz isso a mim? Você é muito ingrato, Miguel!

MIGUEL—Continua a brincar comigo!

JOANNA—Agora é occasião de eu tambem fallar a serio. E faço-lhe a mesma pergunta que me fez ha pouco:—O que quer de mim?

MIGUEL—(não atina com a resposta) Eu?

JOANNA—Sim. O que quer? Tem um flirt comigo... É o meu preferido...

MIGUEL—Diga antes favorito, como se tratasse d'um cavallo de corridas.

JOANNA—É o meu favorito, seja. Gosta de mim? Muito. É o que ia a dizer, com alguma{38} rétorica. Não gosto eu de si? Não me ponho pelos cantos a fallar comsigo, a sós? Não estou aqui a apanhar sol, só por sua causa, para poder estar comsigo, em liberdade, sem ter ninguem que nos oiça? Não vou á Avenida todas as tardes para o vêr? Não olho para si sempre no theatro? Não lhe digo os dias em que vou shopping pelo Chiado? Para quê? Para estarmos juntos! Então que quer? Quer casar comigo? Mas sou casada e felizmente não ha o divorcio entre nós.

MIGUEL (tristemente)—Felizmente?

JOANNA—Sim! Felizmente. Primeiro, é contra a religião; depois, escusa a gente de se arrepender varias vezes de ter casado. Assim arrepende-se uma só. Não pode casar commigo. Então o que quer?

(Miguel olha-a estupefacto. Não encontra resposta. A expressão de Joanna é equivoca. Miguel não sabe se falla ingenuamente, se quer mystifical-o. Cala-se).

JOANNA—Então bem vê que não tem razão para se queixar de mim!

MIGUEL (Tem o ar de quem apanhou de surpresa uma grande pancada. Olha para Joanna, para si, para os outros. Pensa que o desfrutam. Acodem-lhe á boca frases energicas. Levanta-se, ageita o fraque e despede-se).—Muito boa tarde!{39}

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