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Capítulo 2

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Ao trocar o avião privado de André pela limusina que os esperava no aeroporto internacional de Martinica, Kira perguntou-se quando acabaria aquele dia, cansada depois do longo trajecto de Las Vegas, durante o qual nem sequer pudera falar com André. Ele perdera-se num silêncio absoluto e frustrara as suas esperanças de falar com ele racionalmente durante o voo.

E não era só ela que estava cansada.

As olheiras e a barba incipiente no rosto masculino reflectiam também o seu cansaço. Ao olhar para ele, Kira recordou a sensação daqueles lábios firmes nos seus, destruindo as suas defesas e dissipando os seus medos. Recordou como as suas mãos, a sua boca e o seu corpo a tinham levado ao primeiro orgasmo demolidor e tinham continuado a fazê-lo mais vezes do que ela conseguia recordar, até a deixarem deliciosamente saciada e mais feliz do que nunca.

Isso fora a calma antes da tempestade. O que agora não conseguia imaginar, enquanto a limusina avançava pelos campos de açúcar em direcção a Fort-de-France, era que tempestade se aproximava com André.

Há três meses, ambos, dominados pela raiva, tinham expressado o desejo de não quererem voltar a ver-se. No entanto, pouco depois, ela telefonara-lhe e, agora, ele fora ter com ela. Ou teria planeado ir ao Château de qualquer modo, para a raptar?

Provavelmente, esse era o caso e fora por isso que ela decidira que seria melhor manter o seu segredo durante um pouco mais de tempo. Demasiado cansada para continuar a pensar, Kira esticou as pernas e observou os exuberantes jardins tropicais que se prolongavam para ambos os lados da ampla avenida. À medida que se aproximavam do porto, entraram numa zona de lojas pitorescas e casas às cores com um fundo de colinas de palmeiras frondosas. Música reggae ecoava na zona do mercado ao ar livre, onde as mulheres vestiam roupas de cores vivas e as crianças brincavam, despreocupadas, nas calçadas.

Kira levou uma mão à barriga, ainda plana, e esboçou um sorriso triste. Como é que André reagiria quando lhe dissesse que esperava o seu filho? Aceitaria a sua responsabilidade com uma indiferença resignada, como o seu próprio pai fizera? Não, não podia ser assim tão cruel e tão frio.

– O que se passa? – perguntou André, inclinando-se para ela. – Estás doente?

«Estou grávida». Kira olhou para ele, disposta a dizer-lhe, mas os olhos do homem eram tão pretos e turbulentos como uma tempestade invernal. E ela estava demasiado cansada para enfrentar toda a força e a raiva que o imaginava capaz de desencadear.

– Estou cansada – disse, finalmente. – Foi uma viagem muito comprida.

– Poderás descansar no barco – disse ele. – Só falta uma hora de viagem.

A limusina chegou, finalmente, à baía de Flamands Bay, onde estava atracado um enorme barco de cruzeiro entre um bom número de catamarãs e iates que se balançavam languidamente nas águas turquesa das Caraíbas. André saiu da limusina assim que ela parou e deu a volta para lhe abrir a porta. Baixando-se ligeiramente, estendeu-lhe a mão.

Kira olhou para a mão de dedos compridos e elegantes e pele bronzeada e recordou a sensação daquelas mãos a acariciarem o seu corpo nu e a levá-la várias vezes ao máximo prazer.

– Não mordo – disse ele, ao vê-la hesitar, num tom não isento de arrogância.

– Não seria a primeira vez – respondeu ela e viu nos olhos masculinos o mesmo brilho de paixão que ela sentia. Imediatamente, arrependeu-se das suas palavras.

– Eu não era o único com dentes, ma chérie – defendeu-se ele, segurando na sua mão.

Kira gostaria de se afastar, mas não conseguiu. Desejou apoiar-se nele, mas não se atreveu. No entanto, o calor da sua pele e o contacto fizeram-na sentir-se segura e protegida e, deixando-se levar, saiu do veículo.

Que patética! Só uma parva teria fantasias com o homem que a acusava de levar os paparazzi para a sua ilha, um homem que ficara com as acções maioritárias no seu hotel e que a obrigara a voltar à ilha, ao mesmo lugar onde vivera os momentos mais apaixonados da sua vida, onde tinham concebido um filho.

No molhe, André levou-a até uma pequena lancha atracada no barco. Kira sentiu-se atónita.

– Por favor, diz-me que não tenho de andar naquela lancha.

– Oui, é a forma mais rápida.

Inconscientemente, chegou-se para trás, o que não era fácil, tendo em conta que ele continuava a dar-lhe a mão e tremiam-lhe os joelhos.

– Não, não consigo.

Ele olhou para ela com intensidade.

– Não tens outra alternativa.

Kira engoliu em seco e fechou os olhos, tentando acalmar a sua ansiedade.

– As lanchas pequenas dão-me verdadeiro pânico.

– Não tens nada a recear.

Aterrada, percebeu que ele falava muito a sério, ignorando, é claro, que ela estivera prestes a morrer num acidente de barco no lago Mead, perto de Las Vegas. Aquela lembrança e as suas consequências devastadoras ainda continuavam vivas na sua mente. Não, não conseguia entrar naquela lancha.

Escapou bruscamente da mão masculina, contudo, antes de conseguir virar-se e fugir dali, André pegou nela ao colo e entrou na lancha com ela.

– Calma, ma chérie. Vês aquele iate ancorado no meio da baía?

Efectivamente. Um iate branco e elegante brilhava como uma pérola contra o céu alaranjado do entardecer. Mas estava muito longe.

– No Sans Doute estarás perfeitamente – declarou ele, pondo-a no chão, ao mesmo tempo que dava instruções em francês ao jovem que se ocupava do motor. Depois, sentou-se no banco e puxou-a, sentando-a ao seu lado.

O corpo de Kira tremia com um medo incontrolável e agarrou-se com tanta força ao banco que ficou sem sensibilidade nos dedos. André observava-a com o sobrolho franzido.

– Mon Dieu, tens mesmo medo.

Ela assentiu em silêncio.

André passou-lhe um braço pelos ombros. Com uma mão, traçou círculos tranquilizadores no braço feminino.

– Acalma-te. Não acontecerá nada.

Oxalá conseguisse tranquilizar-se. A lancha zarpou a toda a velocidade, elevando-se sobre a água. Em pânico, Kira encostou a cara no peito masculino, sentindo-se novamente presa num pesadelo.

– Olha para mim. Mon Dieu, olha para mim – insistiu ele.

Kira encontrou os olhos penetrantes que a observavam, consciente de que os seus reflectiam todo o medo que sentia, mas sem se preocupar com o que André pensava dela.

– Odeio-te – sussurrou ela.

– Não esperaria menos de ti – disse ele, baixando a cabeça.

Kira soube que ia beijá-la e que devia afastá-lo ou, pelo menos, virar a cabeça, mas não o fez. Porque queria que a beijasse com um desespero impróprio dela.

A boca masculina fechou-se sobre a dela com uma paixão que devorou as suas últimas renitências. Ela tremeu violentamente e recusou-se a reagir durante uma décima de segundo, mas, então, o beijo mudou, tornou-se mais terno, e um tremor muito diferente ao provocado pelo medo arrebatou-lhe toda a capacidade de um pensamento lógico.

Kira apoiou a palma da mão no peito masculino e sentiu os batimentos do coração de André sob a pele, enquanto ele lhe acariciava as costas com os dedos num baile erótico mais antigo do que o tempo. Sem conseguir nem querer reprimir-se, ela beijou-o com a mesma paixão.

Ele interrompeu o beijo demasiado cedo, quando ela estava prestes a suplicar que acariciasse todo o seu corpo, o peito, o sexo…

– Chegámos ao Sans Doute, ma chérie – anunciou ele. – Aqui estarás a salvo.

Que grande mentira! Desde que ela continuasse a render-se à mais leve das suas carícias, estava em perigo mortal de perder a sua alma e o seu coração com aquele misterioso pirata das Caraíbas.

André orgulhava-se do controlo rigoroso que tinha sobre si próprio tanto nos negócios como na cama, mas beijar Kira fora um erro. Fizera-o para a ajudar a esquecer o pânico que se apoderara dela de forma tão irracional, mas a verdade era que ele estivera prestes a perder o controlo. Se não tivesse interrompido o beijo, quem sabia até onde teria podido chegar.

E ela era uma sedutora, uma bruxa marinha e agora era dele.

Ajudou-a a subir para a coberta do iate, consciente do tremor do seu corpo e da força com que lhe segurava a mão e sentiu o repentino impulso de a abraçar, de a proteger, de fazer amor com ela até dissipar todos os seus receios.

Como detestava aquele desejo que ameaçava fazê-lo perder o controlo por ela! E como odiava o controlo que Bellamy tinha na sua vida!

Sem a soltar, conduziu até à sala principal do iate, decorado em cetim de tons dourados e, dali, subiram pela escada em espiral até à sala de observação. Teve-a sempre ligeiramente presa pelas costas, com a mão apoiada na curva da cintura, por um lado, porque gostava do contacto e, por outro, porque sabia que a inquietava e a excitava. E era assim que a queria, excitada e ansiosa por ele.

André tencionava levar o seu tempo. Era importante que ela o desejasse, que ele ganhasse a sua confiança.

O que não seria difícil, tendo em conta que fora educada para dar prazer aos homens. Sim, antes de tudo aquilo acabar, Kira suplicaria que a levasse para a cama e fizesse amor com ela.

Era inevitável e Bellamy tinha de ter consciência disso. Então, porque é que o seu mais acérrimo inimigo e rival não lhe telefonara?

– Fica confortável – disse ele, dirigindo-se para o bar. – Queres beber alguma coisa antes de zarparmos?

– Água, por favor – disse ela.

Kira sentara-se no sofá circular que dominava a sala, com as pernas dobradas, e pusera uma almofada enorme sobre a barriga. André percebeu que estava ainda mais pálida do que antes e isso preocupou-o.

– Sentes-te bem?

– Só tenho sede – garantiu ela, embora o seu olhar expressasse receio e inquietação. – Já passou muito tempo desde a última vez que bebi alguma coisa e não queria desidratar.

André franziu o sobrolho. Era outra táctica para ganhar a sua compreensão? Para despertar os seus remorsos por a ter levado para a ilha contra a sua vontade? Com irritação, ele serviu-se de um copo de água.

Depois de lhe entregar o copo, André preparou um daiquiri de rum com umas gotas de lima. Imagens de Kira a fazer amor com Bellamy passaram pela sua mente e deixaram uma onda de raiva amarga no seu caminho.

Em vez de saborear o sabor forte e doce a rum, André sentiu o sabor amargo da vingança na língua. Kira tentava fazer-se passar por uma ingénua, mas não era inocente. Não, não conseguiria enganá-lo. Observou a sua expressão preocupada quando achava que ninguém olhava para ela. Era como se tivesse algum segredo.

– Tens internet na ilha? – perguntou ela, depois de beber um gole de água.

– Sim, tenho uma ligação privada no meu escritório – disse ele, atravessando a sala com o copo na mão e olhando para ela com desconfiança. – Porquê? Pensas que Peter virá salvar-te da situação que criaram? Ou precisas das suas instruções para me espiar melhor?

As faces femininas coraram de raiva.

– Preciso de gerir o hotel.

– Oh, referes-te ao meu hotel.

– És o accionista maioritário, mas o Château será sempre meu.

Oh, estava tão errada!, pensou ele, mas não disse nada. Não era seu costume gozar com alguém em situação de fraqueza. As olheiras sob os olhos mostravam que estava muito cansada, por muito que tentasse escondê-lo enquanto defendia o Château com unhas e dentes.

André bebeu o daiquiri e, depois de deixar o copo no balcão com um golpe seco, parou à frente dela sem esconder a sua irritação, que aumentou ainda mais ao vê-la erguer o queixo e olhar para ele com os olhos esbugalhados, mas sem se deixar intimidar. André apoiou o joelho no sofá e as mãos também.

– O Château Mystique é meu e tu também. Não o duvides, estão os dois sob o meu controlo.

– És um selvagem.

– Não me digas que não sabias que nas minhas veias tenho sangue de pirata? – perguntou ele, ao mesmo tempo que lhe tirava a almofada das mãos e apoiava a mão na barriga feminina, tocando-lhe nos seios com os dedos.

Kira, com os olhos muito abertos e as pupilas dilatadas, conteve uma exclamação. Nos seus olhos não havia medo, mas desejo, um desejo tão intenso como o seu. Não, ela não o receava. Desejava-o tanto como ele a ela.

– O que foi? – continuou ele, com um sorriso devastador. – Não tens nada para dizer?

– Nada que tu consigas acreditar – declarou ela.

– Não te faças de inocente comigo – disse ele.

Endireitou-se novamente e atravessou a sala. Saiu para a coberta consciente de que, se continuasse perto dela, não conseguiria evitar estendê-la sobre o sofá e demonstrar-lhe como ela desejava que a possuísse. Render-se-ia facilmente a ele.

Mas aquele não era o momento. Da coberta, observou o horizonte em silêncio durante alguns minutos e, depois, foi para o quarto principal, de onde fez uma chamada.

– Bellamy continua no Château? – perguntou, assim que o seu interlocutor atendeu o telefone.

– Não, saiu uma hora depois de o senhor sair.

– Voltou para a Florida?

– Não, foi para a Califórnia inaugurar um novo hotel – informou-o o homem. – Deseja que continue com a vigilância?

– Sim. Quero saber tudo: com quem fala, o que faz, com quem se relaciona.

– Está bem – disse o detective.

André desligou o telefone e analisou a situação. Porque é que Bellamy continuava com as suas ocupações profissionais como se não tivesse acontecido nada? E mais depois de o ver com Kira no elevador do Château?

Haveria a possibilidade de ela ter sido apenas um peão no seu plano para o humilhar publicamente? Talvez fosse isso e não podia descartar que lhe pagara com acções do Château. Era uma possibilidade que devia ter em conta.

O seu confronto com Edouard fora pessoal, uma simples vingança carregada de emoções de um David contra Golias. No entanto, o confronto com Peter era exclusivamente profissional e, enquanto considerara Edouard apenas um incómodo, estava decidido a destruir Peter Bellamy. E Kira ficara do lado do seu inimigo para o arruinar.

No entanto, ele desejava-a com todo o seu ser.

André atirou a caneta para a mesa e voltou novamente para a sala. Lá, encontrou Kira, aninhada no sofá, a dormir, com as madeixas frisadas sobre a almofada, toda a inocência e provocação na mesma mulher. Como podia ter aquele aspecto e, pior ainda, como é que ainda a desejava tanto, sabendo que ela fazia parte do plano para o destruir?

No entanto, ao vê-la, o seu coração acelerou e desejou passar os dedos pelo cabelo espalhado sobre a almofada. Como reagiria às suas carícias? Derreter-se-ia nos seus braços? Suspiraria de prazer ao senti-lo dentro dela?

Com uma mão, deslizou o nó da gravata e tirou-o. Em breve saberia.

Paixão cruel - Três semanas em atenas

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