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Capítulo 3

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Kira mexeu-se ao ouvir a voz aveludada dos seus sonhos. Mal entendia francês, mas o seu corpo reconheceu a promessa de prazer das sensuais palavras que se filtravam nos seus sonhos.

Como sempre, foi incapaz de evitar o desejo que se apoderou do seu corpo e, ensonada, arqueou-se em sonhos, como se suplicasse as suas carícias, os seus beijos.

A mão masculina deslizou sob a sua saia e subiu pela coxa, aproximando-se de onde ela mais a desejava. Uma gargalhada suave destruiu o sonho e Kira ficou paralisada, sabendo, mesmo antes de abrir os olhos, que aquela carícia íntima era tão real como o homem que estava junto dela. André estava ao seu lado, olhando para ela intensamente, com uma expressão indecifrável e os dedos a poucos centímetros da união das suas pernas.

– O que estás a fazer? – perguntou ela, tentando empurrá-lo com as mãos, embora sem muito sucesso.

Ele esboçou um sorriso.

– Isso devia ser evidente.

Ela abanou a cabeça, sem conseguir acreditar que André tentara aproveitar-se dela enquanto dormia e muito menos que ela estivesse prestes a render-se a ele.

– Não cometerei esse erro outra vez.

– Mas desejas-me – declarou ele, com firmeza.

– Não.

– Sei quando uma mulher finge – disse ele, – e quando o desejo a domina.

Um dedo deslizou sob a renda que debruava as cuecas de seda e Kira não conseguiu reprimir o calafrio que a percorreu. Com um sorriso de satisfação, André acariciou o tecido húmido da roupa de roupa interior com o dedo e ela teve de morder o lábio inferior para sossegar um gemido de prazer.

– Sabia que estavas pronta antes de te tocar – disse ele, num tom grave.

– André, não, por favor – suplicou ela.

– Porquê? Não temos nada a perder.

– Enganas-te.

Ela já estava prestes a perder o seu coração, o que era ridículo, tendo em conta que o causador a raptara no seu hotel e a levava para a sua ilha com intenções que não estavam muito claras.

André deslizou a palma da mão para baixo, acariciando-lhe lentamente a coxa e a barriga da perna, perdendo-a num mar de prazer. Depois, segurou no seu pé e acariciou-lhe a planta com os dedos.

– Não! – exclamou ela, de repente, afastando o pé. – Estás a magoar-me!

Era um exagero, mas a verdade era que o pé lhe doía. André examinou-o em silêncio e passou os dedos pelas marcas e pelas bolhas que as sandálias lhe tinham deixado.

– Há quanto tempo tens os pés assim? – perguntou, furioso.

– Começaram a doer-me quando saí do carro.

– Devias ter-me dito.

– Não estavas precisamente de muito bom humor – respondeu ela, tentando afastar o pé.

Mas ele mexeu-se à velocidade da luz e, deitando-a no sofá, pôs-se sobre ela. Apoiou os braços ao lado da cabeça feminina, mantendo a metade superior do corpo no ar, mas não a barriga. Kira conseguia sentir o sexo duro contra a barriga e teve de conter um gemido, receando que a fizesse dele ali mesmo e, ao mesmo tempo, que não o fizesse.

– Descobrir que a amante do meu pior inimigo me enganou deixa-me de muito mau humor – disse ele, com a boca muito perto da dela.

– Não sou a amante de Peter! – protestou ela.

– Porque te empenhas em continuar a mentir?

O rosto masculino estava mais tenso do que nunca.

– Porque te empenhas em não acreditar em mim?

– Porque sei o que és – respondeu ele, – e o que queres.

Kira ficou vermelha de raiva e de impotência.

– Não, só achas que sabes.

– Então, diz-me, como conseguiste o controlo do Château?

Kira teve a verdade na ponta da língua e quis poder revelá-la de uma vez por todas. Já não havia motivo para manter a promessa que fizera a Edouard há anos, mas o que devia ponderar com supremo cuidado eram as possíveis consequências de confiar em André. Porque se a odiava naquele momento, o seu ódio e desprezo multiplicar-se-ia por mil quando soubesse toda a verdade.

– O que foi? Custa-te organizar as mentiras?

Não as mentiras, mas a verdade, podia responder ela.

– Claro que não – declarou ela, desviando o olhar e decidindo que, por enquanto, era melhor calar-se.

Estava cansada de trabalhar muitas horas para conquistar o lugar que lhe correspondia por direito no Château, cansada de estar sempre à margem da vida de Edouard Bellamy para que a sua família não tivesse de saber que ela era a sua filha ilegítima. Cansada de receber apenas migalhas de afecto de Edouard e cansada de ter de discutir sobre o mesmo assunto com André.

– Sou apenas uma trabalhadora que soube investir na sua empresa – disse ela finalmente, repetindo a desculpa que o próprio Edouard inventara para explicar os seus actos.

– Recebeste um prémio por vires à minha ilha seduzir-me? – perguntou ele.

– É claro que não. Vim falar contigo – defendeu-se ela.

– Foi o que disseste, mas encontraste uma forma de te meteres na minha cama.

– Foi uma sedução mútua – recordou-lhe Kira.

– Oui, mas não fui eu que convidei o mundo para ser testemunha da nossa aventura na manhã seguinte.

Kira abanou a cabeça, sem poder alegar nada em sua defesa. Ela fora apanhada desprevenida pelo alvoroço, tal como ele. De qualquer forma, dissesse o que dissesse, ele também não acreditaria.

– Nem eu.

– Talvez tu não tenhas dado a ordem – insistiu ele, – mas estavas a par das intenções de Peter.

– Se soubesse, garanto-te que não teria vindo – declarou ela, furiosa com tanta desconfiança. – E, digo-to pela última vez, o meu advogado garantiu-me que tu tinhas marcado esse encontro entre os dois.

– Tens jeito para manter as mentiras – disse ele, com cinismo. – Talvez depois possas entreter-me enquanto me contas como uma simples empregada conseguiu comprar quarenta e nove por cento de um hotel de Las Vegas como o Château Mystique.

Antes de conseguir responder, a sirene do barco avisou-os de que tinham chegado a Petit Saint Marc. André endireitou-se e vestiu o casaco. Com um suspiro, Kira apanhou as sandálias do chão, pôs a mala ao ombro e, descalça, saiu para a coberta do iate.

A paisagem que se abria à frente dela deixou-a boquiaberta. Uma selva tropical exuberante cobria as ladeiras e a cratera do vulcão extinto que dominava a ilha de Petit Saint Marc. As palmeiras desciam até à água e deixavam-se balançar pela brisa suave das Caraíbas, na qual se sentia o cheiro a sal e a fragrância embriagadora das flores exóticas que povoavam a ilha.

– É linda – comentou ela, ao sentir a presença de André junto dela.

– Oui – disse ele. – Vamos, faz-se tarde.

Sem lhe pedir permissão, André pegou nela ao colo e, sem fazer caso dos seus protestos, tirou-a do iate e levou-a até um dos carrinhos de golfe que havia no barco, onde a depositou com supremo cuidado.

Depois, tirou o casaco, arregaçou-se as mangas da camisa e sentou-se ao volante.

Pôs o veículo a trabalhar e Kira observou o complexo turístico luxuoso com admiração. Deliciosos bangalós de telhados vermelhos adivinhavam-se meio escondidos entre a vegetação exuberante. Ao longe, viu uma pequena praia de areias brancas, onde um casal passeava de mão dada, tão nu como no dia em que chegara ao mundo.

– Tens uma praia nudista?

– Temos quatro praias naturais, todas são privadas e reservadas de antemão pelos nossos clientes – André esboçou um sorriso. – Na praia pública a parte de cima do biquíni é opcional. Aqui somos muito europeus.

– Sou demasiado britânica para o apreciar.

– Aprenderás a desfrutar disso.

Claro que não. Ela não era como a sua mãe.

Kira fechou os olhos para afastar as lembranças terríveis do passado da sua mente. Não, ela não era como a sua mãe. Inconscientemente, levou uma mão à barriga e acariciou-a. Aquele bebé era o seu futuro.

O veículo seguiu o seu percurso, passando vários bangalós, e subiu pela ladeira que conduzia até uma mansão imponente no topo de uma colina. Kira cerrou os punhos e tentou dominar o terror que se apoderou dela. Não pensaria levá-la para sua casa! Mas quando o veículo continuou a avançar e chegou até uma zona na parte posterior da mansão, teve a certeza de que essa era a intenção de André.

– Preferiria alojar-me num bangaló – disse ela.

– Os bangalós são para os clientes – disse ele, saindo do carro e pondo a chave no bolso.

– Está bem, pagarei como um cliente – disse ela. – Não viverei contigo.

– Não tens outra opção, ma chérie.

Kira saiu do veículo e encontrou-o ao seu lado, com um braço apoiado no toldo do carrinho e outro num dos postes.

– Não serei tua amante – disse ela, desafiante.

– Não te convidei.

Era verdade. André não mencionara nada a respeito disso e ela devia sentir-se aliviada, não decepcionada. O que raios se passava?

– Foi uma viagem muito comprida. Anda, ajudar-te-ei a entrar – e, sem lhe dar tempo para se afastar, André pegou nela ao colo.

Kira quis rebelar-se, mas os seus protestos não serviram de nada. André subiu os dois degraus do alpendre com facilidade. Nesse momento, a governanta abriu a porta e sorriu.

– Bom dia, senhor Gauthier!

– Bom dia, Otillie! – cumprimentou ele, com toda a naturalidade, como se fosse o seu costume entrar na sua casa com uma mulher ao colo.

Mas a mulher parou à frente dele e começou a soltar uma enxurrada de palavras em francês que Kira foi incapaz de compreender. Finalmente, a mulher levantou os braços e afastou-se, murmurando em voz baixa.

– Passou-se alguma coisa? – perguntou Kira.

– Otillie está zangada por não a ter avisado de que trazia uma convidada.

– Devias ter-me deixado arrendar um bangaló.

– Devia ter-te expulsado da ilha da primeira vez que vieste com planos de vingança – corrigiu ele, sem a soltar.

– Porque não o fizeste? – perguntou ela, recusando-se a morder o anzol outra vez e a começar a mesma discussão sobre os seus motivos para ir à ilha.

– Porque me intrigaste.

Foi um sentimento mútuo. Kira nunca conhecera um homem como André. E nunca sentira uma ligação tão forte e poderosa. Para ela, fora muito mais do que sexo, embora suspeitasse que era aí que acabavam as semelhanças.

André subiu as escadas e entrou por um corredor amplo na penumbra. Kira percebeu onde estavam. No corredor do seu quarto, o mesmo quarto onde tinham feito amor e do qual ela fugira a correr, embargada pela raiva e pela vergonha. André passou junto da porta e só parou algumas portas mais à frente, numa porta de madeira que empurrou levemente com o ombro.

No meio do quarto havia uma enorme cama com dossel e mosquiteira que dançava suavemente sob a brisa marinha que entrava pela janela entreaberta.

André dirigiu-se directamente para a cama e pousou-a nela com cuidado, embora a expressão do seu rosto evidenciasse a cólera que sentia por dentro.

– Sou um homem muito zeloso da minha intimidade – disse ele depois, ao pé da cama. – Sempre mantive o meu trabalho e a minha vida íntima em privado, porém, numa só noite, tornaste a minha vida pública, para minha tristeza.

– Eu não tive nada a ver com os paparazzi! – protestou ela, mais uma vez.

André passou uma mão pelo cabelo.

– Não esperava que admitisses a tua participação.

– E tu? – perguntou ela. – Tu tens tanta culpa como eu na ruptura do teu noivado.

André deu uma gargalhada fria e dura.

– Tu humilhaste a minha ex-noiva com o teu comportamento.

– Não o fiz sozinha – declarou ela, com irritação. – E não era eu que tinha um compromisso com ela.

– Não me recordes – disse ele, cerrando os punhos e fixando o olhar nela.

Mas Kira sempre lamentaria ser «a outra mulher», a «amante» que a imprensa cor-de-rosa decidira encontrar a todo o custo. Era um papel que jurara nunca aceitar.

– Mas quero dizer-te que lamento profundamente o mal causado à tua noiva.

– Não me digas? – perguntou ele, brincalhão.

– É verdade – garantiu ela. – Se soubesse que estavas noivo, nunca teria permitido que me tocasses e muito menos que me levasses para a tua cama.

– Ou seja, agora sou o mau da fita, por não to ter dito.

– Porque não me disseste? – perguntou ela.

Um silêncio tenso reinou entre ambos. André estava tão furioso que parecia capaz de a matar com as suas próprias mãos. Kira também estava furiosa consigo própria por ter seguido o conselho do seu advogado e ter ido à ilha para uma reunião com André que ele garantia com todas as suas forças que nunca marcara.

Embora não tivessem demorado a acabar entre os lençóis, sem dúvida, André devia reconhecer que ele era tão responsável como ela, se não mais. Porque ele estava noivo de outra mulher.

– Percebes o mal que me fizeste? – continuou ele. – Quando a nossa relação se tornou pública, a minha noiva ficou tão furiosa que retirou a oferta com que íamos unir as nossas duas empresas. Custou-me uma fortuna.

Kira empalideceu, convencida de que estava a exagerar.

– Falas como se o noivado fosse apenas uma fusão empresarial.

– E era – confirmou ele. – E agora já não é nada. Por isso tens de sofrer as consequências dos teus actos.

Aquele era o motivo por que agora decidira comprar o Château e destruí-la, embora ele ainda desconhecesse a verdadeira razão por que o seguira até ali. Ele era o pai do seu filho.

Sem outra palavra, André saiu do quarto e fechou a porta à chave atrás dele.

Kira saltou da cama e verificou que não era possível abrir a porta.

– Abre a porta! – gritou, batendo na madeira. – Temos de falar.

– Disse tudo o que tinha de dizer.

– Não podes deixar-me aqui fechada.

– Veremos…

Kira não queria desesperar-se, mas estava fechada numa ilha com um homem que só queria vingar-se dela e ainda por cima estava grávida dele.

Mas se André achava que conseguiria desarmá-la, estava muito enganado.

Paixão cruel - Três semanas em atenas

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