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D. Leonor Telles
ОглавлениеDuzentos e vinte cinco annos eram decorridos desde que Affonso I se ligára á virtuosa Mafalda de Saboya (1146-1371), e n’este longo periodo não houve uma unica soberana que manchasse a purpura com o labéo da devassidão.
Só D. Mecia destoára um pouco das suas predecessoras; no entanto o papel impudico só o representou como comedia.
Foi preciso que no throno se sentasse o filho d’um monarcha justiceiro, respeitador do lar e da honra de seus vassallos, para que esse brazão de perto de trez seculos fosse eclypsado pelo desbragamento mais devasso.
Pedro I espumava de raiva quando o thalamo era profanado. Constante na sua louca paixão, o vulto d’Ignez nunca lhe abandonou a existencia.
Via-a quando açoutava o salteador e quando queimava o adultero; a imagem d’ella fortalecia-lhe o pulso e animava-lhe a fogueira.
D. Fernando, esse tinha um pensar inteiramente opposto. Tratára o consorcio com D. Leonor d’Aragão, na esperança de dominar Castella, guerreando a posse d’aquella monarchia a Henrique II.
Mais tarde esqueceu-se do contracto e escolheu por esposa a outra Leonor, filha do seu rival. Tambem faltou a esta promessa. O caracter rijo do pae, herdára-o unicamente o bastardo; os outros bandearam-se em Castella, e o herdeiro, embora possuisse boas qualidades administrativas, não passou de um ambicioso, covarde, sacrificador do paiz ao seu amor adultero.
Ainda mulher alguma soubera impressionar verdadeiramente aquelle homem.
Fôra frascario, mas amor propriamente dito jámais o perseguira. Era bello e era rei, e a lascivia, na edade media, não tinha os fóros de vicio—era um costume.
Vira Leonor Telles quando o marido, cançado da monotona vida de provincia, partiu para Lisboa, cioso de ver os ouropeis da realeza e o faustoso brilho da côrte. No peito do rei o coração ardia-lhe e no cerebro forjavam-se-lhe mil idéas pouco lisonjeiras para elle e pouco honrosas para o senhor de Pombeiro; mas não passou, ao principio, de idyllios imaginarios.
D. Leonor percebeu-o. Os olhos são uns espias preversos em casos d’amor, e por mais que fizesse, o rei não deixava de a contemplar.
Ella retrahia-se. Na sua alma damnada brotou o pensamento que a honestidade poderia servir de degrau para o throno. Talvez até se recostasse na fronte do esposo, para mais exasperar a paixão do pobre soberano!
Afinal, D. Fernando abandonou a timidez—sempre a ha quando o coração sente.—Receava magoar a honra d’aquella mulher. Poz de parte o receio; mas, como ainda lhe ficassem restos, não se lhe dirigiu, fallou com a irmã, chorou aos pés de Maria Telles, supplicou-lhe que advogasse aquelle amor louco, que o faria abandonar a corôa se preciso fosse. Movida D. Maria de tão instantes rogos, procurou convencer a irmã. Convencida estava ella ha muito, desde que farejára os olhares do rei. Não o amava, mas endoudecera-a a perspectiva da realeza—d’um modo legitimo, bem entendido. Barregan d’el-rei... nunca; esposa, isso sim.
Lisboa alvoraçou-se com a nova.
Todos, á uma, estranharam o procedimento do filho do saudoso D. Pedro. A cidade resolveu representar n’este sentido nomeando seu interprete o alfaiate Fernão Vasques, a quem D. Fernando assegurou ser falso o boato. Socegaram os animos.
Entretanto a côrte partiu para o norte do reino, e ao chegar a Leça do Bailio (1371), el-rei apresentou Leonor Telles, em publico, como sua mulher.
Desligára-a de João Lourenço da Cunha, pretextando motivos de parentesco, e no logar do Eixo (5 de janeiro de 1372) lhe doou Alemquer e seus pertences.
Principia aqui a mais nojenta tragedia da historia de Portugal. Leonor Telles foi o Alcacerquibir da dynastia de Borgonha. Começára esta em Affonso Henriques, o valente fundador da nossa nacionalidade, acabára em D. Fernando, o fraco apaixonado de uma Messalina! Succedeu-lhe o Mestre d’Aviz, o reorganisador da nação, equiparando Aljubarrota a Ourique.
Germen da nova dynastia, teve fructos dignos de si e de seus passados: D. Duarte, sabio como D. Diniz; D. Affonso V, patriota como Sancho II; D. João II, politico e justiceiro como D. Pedro I; e D. Sebastião (coincidencia notavel) amante da gloria, como D. Fernando o fôra de uma mulher, arrastou o paiz aos areaes da Africa, como este o arrastára á perdição infallivel, nas graças seductoras da sua amada!
O decorrer dos seculos ainda não poude absolver os crimes d’esta soberana.
O seu reinado é uma scena continua d’adulterios e de assassinios. Invejosa por natureza, convenceu seu cunhado, o Infante D. João, de que a mulher d’este (a D. Maria Telles que lhe approximára a corôa) lhe commettia infidelidade. Cioso, o principe matou-a. D. Leonor respirou; assim desfez o seu receio, porque temia a morte do marido e via com inveja que o throno seria occupado pela irmã e pelo infante, querido do povo, como filho d’esse rei de que elle conservava saudosa memoria.
O susto que a movêra a mais uma infamia, realisou-se no dia 22 d’outubro de 1383, epocha em que falleceu D. Fernando, aos trinta e oito annos d’existencia, talvez a mais amargurada e com certeza a mais vergonhosa de todos os nossos monarchas.
Depois da sua morte, a viuva assumiu a regencia, fazendo logo acclamar sua filha D. Beatriz, casada com D. João de Castella. Reinava emfim! Podia livremente fazer o que lhe aprouvesse, sem falsificar as firmas de ninguem; escusava de se valer dos seus dotes para obter uma vingança ou uma desforra. Ella era o poder supremo, grande, inegualavel!
Odiava Lisboa, e a cidade pagava-lhe na mesma moeda. Toda a gente sabia da privança do Conde Andeiro; revoltaram-se e convidaram o bastardo de D. Pedro, o Mestre d’Aviz, para assassinar o valido. Consumado este acto, D. Leonor recolheu-se em Alemquer, fiada na lealdade do povo e na fortaleza das muralhas. Foi a primeira vez que se lembrou do seu senhorio!
D. João mandou á villa dois embaixadores, a ver se negociava o casamento com a rainha. Recusada a proposta, o principe cercou-a; mas depois de varias refregas, veiu a noticia de que o rei de Castella já estava em Santarem, onde D. Leonor, temerosa, se refugiára. A maior parte dos sitiantes tinha abandonado o seu posto. Todos temiam o estrangeiro, quando os habitantes, lealissimos portuguezes, declaram, ao saber-se da entrega do reino, que punham as suas vidas ao serviço da independencia. No emtanto, a força subjugou-lhes a vontade, e o castelhano penetrou nas muralhas, arvorando a sua bandeira. Sciente o Mestre do occorrido, embarca no Tejo com varias forças e vem-lhe pôr novo cerco.
Houveram então valentes combates!
Aquellas encostas foram um vasto campo de batalha; ali pereceram muitas esperanças, ali se fortaleceu muita valentia, ali se deu um grande passo para a causa de Portugal.
Como a guarnição era valorosa, tiveram os do Mestre de recorrer ao prolongado sitio, vendo se assim se rendia.
Foi o que aconteceu a 10 de dezembro de 1384. Mais tarde (janeiro de 1385), a traição de Vasco Pires de Camões obrigou o Defensor do Reino a faltar aos compromissos tractados na capitulação.
Este, acclamado rei nas côrtes de Coimbra (1385), mandou demolir parte dos muros d’Alemquer, terra que, pela infamia da viuva de D. Fernando e pela fatal inclinação do Alcaide, tão pouco sympathica se lhe tornára.
Leonor Telles falleceu encarcerada nas Tordesillas aos 27 d’abril de 1386,[16] talvez arrependida das suas culpas e seguramente convencida de que o echo da maldade é aborrecido por todos e em toda a parte.
SEGUNDA DYNASTIA