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Capítulo 2

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– Queria saber algo da rapariga?

Sergei levantou o olhar dos papéis para o seu assistente, Grigori. A rapariga era Hannah Pearl, conforme descobrira depois de investigar um pouco, uma americana que viajava sozinha. Na verdade, ele não queria saber nada sobre ela, embora não tivesse conseguido tirá-la da cabeça desde que a deixara no táxi há duas horas. Tinha voltado para o escritório e tirara a roupa que costumava vestir quando ia a lugares desagradáveis à procura de Varya. Em vez de a encontrar, encontrara uma turista cativante.

Não conseguia deixar de pensar nos seus olhos violetas e naqueles lábios rosados. Perguntou-se que figura se escondia sob o casaco grosso. Mas o que o fascinara, ainda mais do que os seus encantos físicos, fora a sua honestidade, o seu otimismo e uma naturalidade que a vida ainda não estragara. Não recordava quando conhecera uma mulher, ou uma pessoa, assim.

– Instalou-se? – perguntou, pois era a única coisa que queria saber.

– Sim, na suíte grande.

Sergei pedira para ela o melhor quarto do hotel. Certamente, fora uma tolice completamente desnecessária, mas não tinha gostado nada de a ver tão perdida quando a tinha encontrado à porta da embaixada. Odiava ver pessoas vulneráveis, essa sombra de insegurança e de medo que se instalava nos seus olhos. Era algo que vira com muita frequência. Durante um momento de loucura, aquela americana fizera-o pensar em Alyona. E ele nunca pensava em Alyona.

Talvez tivesse sido por isso que se aproximara dela e lhe oferecera coisas que não tivera intenção de lhe oferecer. Sentira coisas que não queria sentir.

Era verdade que a encontrara porque tinha decidido procurá-la. Ao vê-la a sair da Praça Vermelha sentira outra coisa que também não quisera sentir: culpa. Podia ter detido aqueles rapazes muito antes e ter evitado o roubo. Então, ela poderia ter apanhado o seu voo de regresso aos Estados Unidos e naquele momento não estaria no melhor quarto do seu hotel.

Naquele mesmo edifício.

De repente, o seu corpo e a sua mente viram-se invadidos por uma sensação completamente diferente que nada tinha a ver com o desejo de a proteger, era simplesmente desejo. Sentia uma enorme curiosidade pelo corpo que escondia o casaco, por aqueles olhos que escureciam quando algo afetava o seu otimismo natural. Curiosidade, mas também a certeza de que a única coisa que ia despertar nele era desejo.

Agarrou um papel impulsivamente e escreveu uma mensagem que deu imediatamente a Grigori.

– Leva-o e pede que nos reservem a mesa privada do restaurante para jantar. Seremos dois.

Grigori assentiu, mas parou antes de sair.

– Encontrou Varya? – perguntou-lhe.

– Não – respondeu Sergei, com frustração.

Deixara-se distrair por uma certa turista e não pudera dedicar mais tempo à busca. Sabia que se metera em alguma confusão por causa da mensagem que lhe deixara no atendedor de chamadas. Claro que, quando é que Varya não estava metida em alguma confusão?

– Voltará – disse o seu assistente, possivelmente mais para se convencer do que a Sergei. Os três tinham passado muito tempo juntos no orfanato e Sergei suspeitava que Grigori estava apaixonado por Varya desde criança. – Volta sempre.

– Sim – mas não queria pensar que acabaria por se transformar num corpo doente esquecido em algum edifício ou que aparecesse a flutuar no rio.

Quantas mais vezes poderia salvá-la? A vida ensinara-lhe que, na verdade, havia poucas pessoas que podia salvar. Às vezes, não era possível fazê-lo.

– Agora, vou levar isto – disse Grigori, levantando o bilhete.

Sergei arrependeu-se nesse instante de o ter escrito, mas limitou-se a assentir. Talvez fosse melhor pôr Hannah Pearl no seu lugar, o de uma mulher que conquistaria e depois abandonaria para que não houvesse mais nada. Nada profundo.

Uma mulher que o fazia pensar em Alyona e no rapaz que ele fora noutro tempo, tão jovem e inocente como ela; era muito perigosa.

Não, pensou enquanto observava o céu escuro com melancolia, era muito melhor assim.

Hannah olhou à sua volta quase com medo de tocar em alguma coisa. O quarto era incrível. E enorme.

Que tipo de homem era Sergei Kholodov?

Sentiu um calafrio que era em parte temor e em parte excitação. Estava claro que era aquele tipo de homem. Ela não tinha muita experiência, mas bastava para reconhecer aquela reação. Sergei Kholodov era incrivelmente sensual, tudo nele transmitia autoridade, a frieza do seu olhar, o poder do seu corpo. Nunca estivera com uma pessoa tão excitante. Com um homem.

Mas já não importava porque pensava que nunca voltaria a vê-lo. Dera-lhe mais do que Hannah teria podido esperar. Então, porque continuava a pensar nele?

Porque era muito difícil não o fazer. Tudo o que acontecera nas últimas horas fora estranho e avassalador desde que Sergei se aproximara dela na Praça Vermelha até ter ido procurá-la à embaixada para depois lhe oferecer aquele quarto luxuoso de hotel. Aquele lugar não fora feito para uma mulher normal, procedente de uma pequena vila do estado de Nova Iorque. Nos três meses que passara de viagem não lhe acontecera nada semelhante. No último dia de viagem tudo enlouquecera.

Certamente, recuperaria a calma no dia seguinte, quando Sergei a ajudasse a fazer um novo passaporte e conseguir um voo de regresso.

Queria isso dizer que ia voltar a vê-lo?

Hannah decidiu não pensar muito nisso e desfrutar ao máximo do que estava a acontecer. Tencionava tomar um bom banho naquela banheira que parecia uma piscina.

Não tinha nem ideia de como Sergei o fizera, mas o caso era que a sua mala chegara pouco depois dela, o que era incrível porque nem sequer lhe dissera como se chamava ou em que hotel se alojava. Estava claro que era um homem muito poderoso.

De repente, bateram à porta e Hannah foi abrir com uma mistura de emoção e temor, mas dececionou-se ao ver que não era Sergei, mas um homem de aspeto sério com um fato muito sóbrio e uma marca de nascimento que lhe cobria metade do rosto.

– Menina Pearl, sou Grigori, o assistente do senhor Kholodov. Trago-lhe uma mensagem dele.

Hannah agarrou o papel e agradeceu-lhe.

– Quer que lhe dê uma resposta?

– Ah... Sim – desdobrou o papel rapidamente e leu as duas linhas escritas com tinta preta.

«Por favor, jante comigo no restaurante do hotel às oito. Sergei.»

Hannah engoliu em seco, levantou o olhar e viu Grigori à espera. Um restaurante era um lugar seguro e a verdade era que sentia curiosidade e muitos nervos. Porque é que um homem como Sergei Kholodov quereria jantar com ela? Simplesmente quereria ser amável ou...?

– Menina Pearl?

– Sim... Sim. Obrigada. Será um prazer jantar com o senhor Kholodov às oito.

– Muito bem – disse Grigori e virou-se com um ar militar.

– Grigori...

– Sim, menina Pearl?

– O senhor Kholodov... Há muito tempo que é proprietário do hotel? – queria saber algo dele.

Grigori juntou as sobrancelhas.

– Penso que há cinco anos. Se lhe interessar, na gaveta da secretária encontrará um folheto onde se conta a história do hotel.

– Ah, muito obrigada – Hannah fechou a porta com um sorriso incómodo nos lábios.

Dirigiu-se para a secretária, ainda espantada com o convite. Leu os parágrafos em que se explicava que aquele hotel existia há cem anos, até chegar onde aparecia pela primeira vez o nome de Sergei para contar que comprara o lugar e o reformara, dera trabalho a um milhar de pessoas e desde então cumpria com o firme propósito de oferecer o melhor serviço possível.

Sem dúvida, era um homem incrível. E ela ia jantar com ele, pensou, com o coração acelerado. Claro que não era nenhum encontro. Sergei Kholodov não podia estar realmente interessado nela... Ou sim? Certamente, era ridículo pensar nisso.

Às sete e meia, Hannah estava vestida e pronta para sair. Olhou-se ao espelho e teve de admitir que aquele vestido preto a favorecia, mas tinha pouca graça e os três meses de viagem não lhe tinham feito nenhum bem. A única joia que tinha era um simples colar de pérolas que os seus pais lhe tinham oferecido quando fizera dezoito anos. Calçou uns sapatos pretos sem salto, pôs um pouco de batom e decidiu esperar para descer, pois não queria parecer ansiosa.

Finalmente, já só faltavam cinco minutos para as oito e pôde dirigir-se para o restaurante, um lugar sóbrio e elegante que estava cheio de gente. Ficou à porta e procurou Sergei com o olhar até alguém lhe tocar no braço.

– Menina Pearl? – disse-lhe Grigori. – O senhor Kholodov espera-a.

Ao ver o sorriso do assistente de Sergei, Hannah pensou em como o seu chefe era diferente e perguntou-se se também lhe imporia a sua frieza ou se estaria habituado. Talvez Sergei Kholodov só fosse frio com ela.

Seguiu-o até uma mesa situada num canto onde ninguém poderia vê-los do resto do salão. Estava pronta para dois, com uma toalha, copos de cristal e uma vela. Sergei levantou-se e aproximou-se dela, observando-a atentamente.

Hannah sentiu como o seu rosto e todo o seu corpo começavam a arder sob o seu olhar, um olhar que não podia estar a imaginar. Talvez a achasse atraente. A ideia era incrível. E muito emocionante.

Ele estava impressionante. Trocara as calças de ganga e o casaco de couro preto por um fato cinzento-escuro impecável que lhe assentava como uma luva. Parecia uma estátua.

– Boa noite! – disse ele.

Hannah sentiu-se completamente deslocada e ainda mais quando Sergei lhe estendeu uma mão, que ela aceitou de maneira instintiva, e a conduziu para a mesa com um sorriso sensual nos lábios.

Ao ver o modo como Hannah esbugalhava os olhos e mordia o lábio inferior, Sergei sentiu uma pontada de desejo. Sem dúvida, estava a reparar no lugar tão íntimo em que se encontravam. Só de a ver, teve a certeza de que tomara a melhor decisão. Desejava-a e isso fazia com que as coisas fossem mais simples. O desejo era fácil e sem riscos. Pelo modo como ela olhou para ele, de uma maneira aberta e sem malícia, Sergei pensou que o seu desejo era correspondido. Um ligeiro rubor coloriu-lhe as faces e deixou cair a mão com que estivera a tocar numa madeixa de cabelo.

Sergei passeou o olhar por todo o seu corpo mais uma vez. O cabelo castanho caía-lhe como uma cascata pelas costas, quase até à cintura e a luz da vela projetava nela reflexos dourados. Tinha um vestido barato e aborrecido, mas não importava porque o tecido caía deliciosamente sobre as curvas suaves dos seus seios e das suas ancas. Era muito magra e, no entanto, Sergei continuava a sentir a mesma tentação.

Não tinha uma beleza clássica, possivelmente porque era muito aberta e sincera. Não se mostrava altiva nem distante. Mesmo assim Sergei achava-a impressionante e sabia que era a única mulher que o tentava a transgredir as regras, a querer mais, mais do que se permitiria desejar.

Afastou aquela ideia. Aquilo era apenas desejo, atração física. Mais nada. Assegurar-se-ia de que continuava a ser assim.

– Espero que o quarto seja confortável – disse.

– Confortável? A sério? É incrível. Estive uma hora na banheira, olhe – mostrou as mãos para que o verificasse. – Ainda tenho os dedos enrugados.

– Fico feliz por ter gostado.

– Certamente. Muito obrigada. Tudo isto é... Como um conto de fadas. A sério – olhou para ele nos olhos com um ar brincalhão. – É a minha fada madrinha?

– Não – respondeu Sergei. – Só tento mitigar o peso de consciência.

– Não tem de se sentir culpado – disse ela, enquanto se sentava.

Sergei percebeu o seu cheiro, o do sabonete e do champô que o hotel proporcionava aos seus hóspedes. Sempre pensara que era uma fragrância doce.

– Quer um copo de vinho? – ofereceu-lhe.

– Bom… – ela sorriu, tentando mostrar-se sofisticada, mas estava claro que estava nervosa. – Obrigada.

Aqueles olhos, aquela cara, cada palavra que pronunciava, não escondia nada. Ele, que passara toda a sua vida a esconder todas e cada uma das suas emoções, sentia-se comovido e inquieto por haver alguém assim.

– Aos momentos inesperados – disse, levantando o seu copo para ela, que brindou com certa insegurança depois de alguns segundos.

– Eu hoje tive alguns – admitiu, depois de beber um gole de vinho.

– Fale-me dessa viagem, da oportunidade da sua vida.

– Bom... – fez uma pausa, franzindo ligeiramente o sobrolho, – os meus pais morreram, eram idosos e não foi nada inesperado, mas mesmo assim foi muito... Intenso, portanto, depois de tudo isso, decidi que era uma boa oportunidade para tirar um tempo para mim – esboçou um sorriso triste. – Embora não tivesse poupanças.

– Lamento o que aconteceu aos seus pais – disse ele em voz baixa, pois a história fizera-o sentir uma afinidade que não esperava. De certo modo, era órfã, como ele. – Mas é evidente que teve dinheiro suficiente para financiar a viagem.

– Com muita dificuldade, mas sim – reconheceu. – Tive de fechar a loja e fazer economias, mas não penso que isso lhe interesse – acrescentou, abanando a cabeça. – É muito aborrecido, sobretudo para um milionário.

Na verdade, era multimilionário, pensou Sergei, mas não ia corrigi-la. Sentiu curiosidade por essa loja que mencionara e pela sua vida em geral. E pelo modo como olhava para ele, como se confiasse nele, como se confiasse em todos. A vida não lhe ensinara nada? Sentia vontade de destruir as suas ilusões e, ao mesmo tempo, protegê-la.

Desejava-a, recordou-se. Isso era tudo. Era simples.

– Mencionou uma loja – disse Sergei, ao mesmo tempo que mudava de posição e, ao fazê-lo, tocou na perna dela.

– Sim, uma... Uma loja – murmurou ela, gaguejando um pouco, afetada pelo toque da sua coxa.

De repente, sentiu-se culpado e perguntou-se se estava bem pensar nessas coisas, perguntar-se como seria estar com ela na cama, tê-la nos seus braços, pois ela tinha a inocência marcada na cara. Sergei tinha sempre amantes com experiência, mulheres que compreendiam as regras e nunca tentavam aproximar-se muito.

Porque se o fizessem... Se alguma vez soubessem...

Afastou o sentimento de culpa e tentou endurecer-se, imaginando-se a despojá-la do vestido e a beijar-lhe o pescoço. Ela também o desejava.

Era fácil.

Era uma tolice sentir-se assim, tão viva. Só estavam a falar e, no entanto, conseguia sentir a perna de Sergei a milímetros da dela, o calor do seu corpo.

– A loja – começou novamente, consciente de que devia estar a parecer-lhe uma parva. – Os meus pais abriram-na antes de eu nascer e, quando morreram, fiquei com ela.

– Que tipo de loja é?

– De artesanato – já tinham passado seis meses desde a morte da sua mãe e ainda lhe custava acreditar que a loja era dela. Apenas dela.

– E teve de a fechar? Não podia ter contratado alguém para a gerir enquanto estava fora?

– Não podia pagar a ninguém – explicou. – É numa vila muito pequena, portanto não há muito negócio, exceto no verão.

– E onde é essa pequena vila?

– A cerca de quatro horas a norte da cidade de Nova Iorque, chama-se Hadley Springs.

– Deve ser muito bonita.

– Sim – adorava a natureza do lugar, mas às vezes sentia-se um pouco sozinha num lugar tão pequeno.

Sergei devia ter-lhe lido o pensamento.

– Nunca quis mudar-se para outro sítio?

– Não, nun... – Hannah parou ao perceber que não era que não quisesse, o que se passava era que nunca fora uma alternativa factível.

Os seus pais sempre tinham precisado muito dela e ela nunca poderia ter abandonado tudo. Agora queria dar uma oportunidade à loja e tentar ter sucesso, embora fosse apenas porque era o que teriam querido os seus pais.

– Não saberia para onde ir – corrigiu, depois de alguns segundos.

– Suponho que o facto de poder fazê-lo dá medo – comentou ele, com um sorriso.

– Suponho que sim – respondeu ela, devagar, pensando que nunca antes o sentira. Nunca se tinha permitido pensar nas possibilidades, no entanto nesse momento, enquanto aquele homem bonito a observava fixamente, tudo lhe parecia possível.

– Está a pensar em vender a loja?

– Não – estava a pensar nele, mas não podia negar que as suas perguntas tinham despertado algo no seu interior, algo que ainda não estava preparada para analisar. – Era o sonho dos meus pais. A sua grande ilusão.

– A menina não era mais importante para eles?

Hannah abanou a cabeça e perguntou-se porque se empenhava em ver as coisas com tanto cinismo.

– Sabe o que quero dizer. Nessa loja, investiram as poupanças de toda a sua vida e dedicaram-lhe toda a sua energia. O meu pai sofreu um enfarte quando estava a pôr caixas no armazém – engoliu em seco. – Era muito importante para eles.

– Era o sonho deles – concluiu Sergei. – Mas também é o seu? Não pode obrigar-se ninguém a desejar o que nós desejamos – parecia falar por experiência própria. – Todos devemos ter o nosso próprio sonho.

– Qual é o seu?

– O êxito – respondeu brevemente. – E o seu?

Hannah teve a impressão de que se encontrava face a um desafio e a verdade era que não queria responder. Sergei olhou para ela com os olhos brilhantes e um ar frio, mas, apesar da dureza das suas feições, o seu aspeto era simplesmente impressionante. Hannah engoliu em seco e procurou algo superficial para dizer, algo que mitigasse a sensação de incerteza que Sergei tinha semeado nela. Possivelmente ele também se apercebera porque naquele momento olhou para ela e esboçou um sorriso enquanto lhe dizia:

– Talvez esta viagem fosse o seu sonho.

– Sim – disse, com firmeza. Era o seu sonho, mas já tinha chegado ao fim. No dia seguinte, voltaria à realidade e nuns dias abriria novamente a loja, cheia de pó, de contas atrasadas e de indícios de que, mais cedo ou mais tarde, a obrigariam a reconhecer que o sonho dos seus pais dava muito pouco dinheiro. Mas Hannah tinha muitas ideias e planos para que o negócio funcionasse. A loja era dela, o que não sabia se lhe pertencia era o sonho. Afastou aquele pensamento da sua mente e tentou não sentir rancor por Sergei por lhe ter despertado tantas dúvidas. – Então, o seu sonho é ter êxito – recordou, com a intenção de desviar a conversa para outros caminhos que não fossem ela própria. – Mas êxito no quê?

– Em tudo.

Hannah impressionou-se com tanta arrogância, embora certamente fosse algo ao alcance de um homem como Sergei Kholodov.

– A julgar por este hotel, vai no bom caminho para o conseguir – disse, enquanto um empregado começava a servi-los.

– Spasiba, Andrei – disse Sergei.

Hannah sentiu curiosidade por saber se conheceria o nome de todos e cada um dos seus mil empregados.

– Como criou este império? – perguntou-lhe. – É um negócio familiar?

– Não – disse, depois de uma breve pausa.

– Fê-lo sozinho?

– Sim – respondeu, sem hesitar. – Não demorei muito a aprender que é a única maneira de ter êxito. Não devemos depender de ninguém, nem confiar em ninguém – acrescentou, num tom duro, tanto como o seu rosto e o seu olhar.

– Mas haverá alguém em quem confia – ela também estava um pouco sozinha no mundo, mas nem tanto.

– Não – limitou-se a dizer Sergei.

– Ninguém que trabalhe para si? – tanto Grigori como Andrei pareciam olhar para ele com muito respeito.

– Sou o seu chefe, é uma relação diferente.

– Então, tem algum amigo? – ao ver que não respondia, Hannah abanou a cabeça. – Parece-me muito triste.

– Parece-me prático.

– Então, é ainda mais triste.

Sergei inclinou-se para ela e observou-a com os olhos brilhantes e frios como dois diamantes.

– Hannah, mais cedo ou mais tarde, descobrirás que as pessoas acabam sempre por te dececionar. Por te enganar. Eu penso que é melhor assumi-lo e seguir em frente do que ser continuamente enganado – replicou, tratando-a por tu.

– Eu penso que é melhor acreditar nas pessoas e ter esperança do que transformarmo-nos numa pessoa cínica e enfastiada como tu.

Sergei deu uma gargalhada sonora e recostou-se na cadeira.

– Está claro que somos muito diferentes – afirmou, enquanto a observava com um ar de reconhecimento puramente masculino.

– Sim – concedeu Hannah. De repente, tremiam-lhe os joelhos e todo o seu corpo experimentou uma estranha tensão.

O olhar de Sergei percorreu-a lentamente de um modo muito sedutor que despertou algo no seu interior, um desejo que era desconhecido. Possivelmente era cínico, mas também era muito sensual, incrivelmente sensual e o seu corpo respondia com vontade própria.

Tentou procurar outro assunto de conversa, qualquer coisa que dissipasse a tensão que se sentia no ar.

– Suponho que dependerias dos teus pais quando eras criança – disse.

Sergei fixou o olhar no seu rosto com mais frieza do que nunca.

– Não, sou órfão. Como tu agora. Tu não tens ninguém para gerir a loja, e eu também não tenho ninguém para gerir o meu negócio.

– Quando morreram os teus pais?

– Há muito tempo.

Hannah pensou que devia ter trinta e cinco anos.

– Quando eras criança?

Ele cerrou os dentes antes de falar.

– A verdade é que não sei. Ninguém se incomodou em dizer-mo. Fui criado com a minha avó – fez uma pausa e olhou para ela com um sorriso de gozo. – És muito curiosa, não és? Não te preocupes, Hannah – disse, ao ver a surpresa no seu rosto. – Sobrevivi.

– Mas a vida é algo mais do que sobreviver – era evidente que não gostava das perguntas pessoais. – De todos os modos, lamento muito o que aconteceu aos teus pais. Deve ter sido muito difícil.

Sergei encolheu os ombros e aproveitou a chegada dos pratos principais para esquecer a conversa. Desfrutou de ver o gosto com que Hannah provava os sabores da alta cozinha russa.

– Gostas? – perguntou-lhe.

– Está tudo delicioso – respondeu ela, sorridente. – Portanto, não gostas de falar do negócio e de nada pessoal.

– Não recordo ter dito isso.

– Não diretamente, mas ficou muito claro, não te parece?

Hannah olhou para ele diretamente, tal como ele fazia. Não ia deixar-se intimidar porque sabia que sob aquela fachada fria e arrogante havia um coração bom ou algo parecido. Ao fim e ao cabo, salvara-a e preocupara-se com ela, embora fosse à sua maneira. Hannah vira compreensão nos seus olhos, por isso confiava nele de maneira instintiva sem se importar com a sua arrogância.

Mexeu os lábios como se estivesse quase a sorrir.

– És muito direta, não és?

– Sou sincera, se é a isso que te referes, mas não sou intrometida – acrescentou, sorrindo. – Se fosse, perguntaria porque não queres falar de assuntos pessoais.

Ele também sorriu e levou o copo aos lábios.

– Então, fico feliz por não seres intrometida.

Hannah continuou a observá-lo, com cada vez mais curiosidade. Sergei Kholodov tinha segredos que não tinha a menor intenção de lhe contar, mas isso despertara a sua curiosidade... E a sua atração por ele. Aquele desejo era algo completamente novo, pois não era nada habitual ver em Hadley Springs homens de menos de cinquenta anos e muito menos que a convidassem para jantar.

– Sim, é uma sorte – disse ela e viu como o sorriso de Sergei se transformava num ar de sedução.

– Em qualquer caso – começou a dizer, num tom profundo e sensual, – prefiro falar de ti.

Escuras emoções - O mais escuro dos segredos

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