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Capítulo 3

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– De mim? – Hannah olhou para ele e um calafrio percorreu-a de cima a baixo ao reparar no seu sorriso sensual. – Não compreendo – disse. – Já falámos muito de mim e sou muito aborrecida.

Sergei sorriu ainda mais enquanto baixava o olhar lentamente pelo seu corpo.

– Temos de o confirmar.

Ela riu-se.

– Acredita em mim.

– Deixa-me ser eu a decidir.

Hannah encolheu os ombros, certa de que não demoraria a perceber a vida tão rotineira que tinha, especialmente para um milionário como ele.

– Está bem – disse ela, com um sorriso brincalhão. – Dispara.

– Conta-me mais coisas sobre a loja.

Hannah pestanejou ao ouvir aquilo. O que esperava, que quisesse saber os seus segredos mais íntimos?

– Já te contei tudo, não há muito mais para dizer. É apenas uma loja pequena.

– Estou a ver – limitou-se a dizer Sergei.

O modo como olhava para ela e falava fazia com que Hannah tivesse a impressão de que conseguia ver no seu interior e revelar todos os seus segredos, o que era absurdo, visto que não tinha nenhum segredo. Certamente, devia-se ao facto de ver o mundo de um modo muito escuro e de adivinhar o pior em tudo. O problema era que começava a conseguir fazer com que Hannah fizesse o mesmo e não gostava.

– Então, vais continuar sozinha com a loja.

– Porque não o faria? – continuava a observá-la com os olhos fixos e os lábios entreabertos. Tudo nele era frio e duro exceto aqueles lábios, que eram suaves e quentes. Hannah sentia-se fascinada pelos seus lábios, mas fez um esforço para olhar para ele nos olhos. – Tenho muitas ideias para melhorar o negócio.

– Precisa de melhorias?

– Como tudo. Em qualquer caso, já te disse que a loja era muito importante para os meus pais.

– E para ti?

– Também é muito importante – disse com firmeza, mas pela primeira vez teve a sensação de estar a mentir e isso incomodou-a.

– Fala-me da tua viagem – pediu Sergei. – Estiveste em muitos sítios?

– Alguns – voltou a sorrir, pois alegrava-se de não continuar a falar da loja. – Estive a viajar de comboio por toda a Europa. Moscovo era a última paragem.

– Mas perdeste o voo de regresso.

Ali estava a dura realidade novamente.

– Exatamente.

– Não penso que seja difícil conseguir que amanhã estejas noutro avião.

Era uma boa notícia, mas embora se alegrasse por ele conseguir resolver o assunto do passaporte, a verdade era que não queria que acabasse aquela noite.

– Suponho que poderás puxar alguns fios – deduziu Hannah, que achava difícil de imaginar esse tipo de poder.

Sergei encolheu os ombros, tirando-lhe importância.

– Na Rússia tudo depende de quem conhecemos.

– Está claro que eu não conheço ninguém. A mulher da embaixada não se interessou pela minha história – disse Hannah com tristeza, mas depois apressou-se a acrescentar: – Foi muito amável, claro...

– Claro – concedeu ele, num tom que dava a entender que achava o contrário. Então, inclinou-se para ela e observou-a com olhos brilhantes. – Ou talvez seja apenas uma pessoa que não se importa nada com os viajantes que se aproximam da sua mesa.

Hannah abanou a cabeça lentamente.

– Pensas sempre o pior de todos?

– De ti, não pensei o pior – replicou Sergei.

– E o que seria o pior que podias pensar de mim? – perguntou ela, com curiosidade.

– Que planeaste que te roubassem à minha frente para eu te ajudar.

– O quê?

– E para depois me seduzires e provavelmente entrar na minha cama.

Hannah engasgou-se ao ouvir aquilo e começou a tossir, Sergei serviu-lhe mais água. Uma vez recuperada, endireitou-se e olhou para ele, atónita.

– Há mulheres que fazem isso?

Voltou a encolher os ombros antes de dizer:

– Às vezes.

– E não as intimidas com essa atitude tão áspera? – perguntou-lhe, embora ainda continuasse a pensar na sua cama... E nela junto dele.

– Oxalá fosse assim – disse Sergei.

– De certeza – respondeu ela, ironicamente. – Deve ser muito aborrecido afastar tantas mulheres. Como consegues chegar à rua?

– Com muito esforço.

– Pobrezinho...

Encheu-lhe novamente o copo de vinho sem parar de sorrir. Um vinho que Hannah não devia beber porque já se sentia atordoada, embora fosse uma sensação muito agradável.

– Mas estávamos a falar tua viagem. Porque tinhas tanta vontade de viajar?

– Porque nunca o fiz – explicou simplesmente. – Tinha passado toda a vida sem sair do estado de Nova Iorque.

– E quando foste para a universidade?

– Fui para a universidade pública de Albany, a uma hora de caminho.

– O que estudaste?

– Literatura. Poesia, sobretudo. Nada muito prático, eu sei. Os meus pais queriam que estudasse Gestão Empresarial – engoliu em seco ao recordar o modo como tinham recebido a notícia da sua decisão. «A literatura não te levará a lado nenhum, Hannah. Não te servirá de nada na loja.»

A loja. Sempre a loja. Surpreendeu-a sentir ressentimento. Porque é que nunca pensara assim? Porque nunca conhecera ninguém como Sergei, que lhe fizesse tantas perguntas e despertasse as suas dúvidas. E a fascinasse tanto.

– Mas tu seguiste em frente com a literatura? – perguntou-lhe ele.

Hannah viu-se obrigada a olhar para ele.

– Não, deixei-o – admitiu, encolhendo os ombros para tirar importância àquela decisão de que nunca se arrependera.

– Porquê?

Aquele olhar parecia ver tudo. Como fazia para adivinhar tudo daquela maneira?

– O meu pai sofreu um ataque quando eu tinha vinte anos. A minha mãe não podia tomar conta dele e da loja ao mesmo tempo, portanto voltei para casa para ajudar. Tinha intenção de voltar para a universidade quando tudo voltasse à normalidade, mas entre uma coisa e outra...

– A normalidade nunca voltou – acrescentou Sergei, como se compreendesse sem nenhum problema.

– São coisas que acontecem – murmurou com resignação, pois de nada servia ficar triste com algo que tinha acontecido há anos, algo que ela própria escolhera.

– Deve ter sido muito difícil abandonar a universidade.

– Sim – admitiu. – Mas prometi que voltaria e fá-lo-ei algum dia.

– Para estudar Gestão ou Literatura?

– Literatura – respondeu, sem hesitar, e surpreendeu-se por ter tanta certeza.

Sergei esboçou um sorriso.

– Parece que tens o teu próprio sonho.

Hannah olhou para ele fixamente.

– Suponho que sim – disse, depois de um momento. – Embora não soubesse muito bem o que faria quando acabasse e tivesse o diploma. Fiz um curso sobre Emily Dickinson, uma poetisa americana, mas... – encolheu os ombros. – Também não vou começar a escrever poesia nem nada disso.

Sergei sorriu ainda mais.

– E eu que pensava que eras uma otimista.

– Sou – assegurou, rindo-se. – Quem sabe, talvez comece a recitar sonetos.

Sergei fingiu tremer.

– Não, por favor.

Hannah deu uma gargalhada, impulsionada por aquela demonstração de sentido de humor.

– «Trago um vinho invulgar para uns lábios há muito secos perto dos meus e incito-os a beber» – recitou com voz suave.

As palavras ficaram a flutuar no ar, propagando ondas no silêncio como o vento sobre a superfície de uma lagoa. A intimidade que o poema retratava causou um efeito estranho neles. Sergei observou-a com um ar pensativo até voltar a pegar no copo.

– Emily Dickinson? – deduziu.

Hannah assentiu, incapaz de falar. Estava claro que bebera muito, de outro modo não se teria atrevido a recitar poesia. Finalmente, Sergei levou o copo aos lábios e bebeu sem desviar o olhar dela, que também não desviou os olhos dos dele e bebeu.

Não foi um brinde, não foi nada, no entanto, Hannah tinha a sensação de que entre eles acabava de acontecer algo muito importante, como se os dois tivessem decidido em silêncio... O quê?

– Que idade tens? – perguntou-lhe Sergei.

– Vinte e seis. Sei que já deixei a universidade há muito tempo, mas voltarei – disse, com um ímpeto inesperado. – Quando tiver dinheiro...

– Poupado? – acrescentou Sergei e riu-se.

– Sei o que pensas, que não devia ter usado tudo na viagem se queria voltar a estudar – e provavelmente era verdade, mas precisava daquela viagem. Depois da morte da sua mãe e de a sua amiga Ashley se mudar para a Califórnia, sentira-se terrivelmente sozinha. Não teria podido continuar assim, sozinha na loja, a lutar para chegar ao final do mês. Precisava de viver coisas novas. Mas também sabia que fora algo impulsivo, imprudente e possivelmente até um pouco parvo, algo que um homem como Sergei Kholodov nunca faria.

– Talvez – disse, secamente. – Mas, às vezes, é bom fazer algo impulsivo.

Algo como aquilo? Porque certamente jantar a sós com ele fora o mais impulsivo e imprudente que fizera e, no entanto, tinha a certeza de que não o trocaria por nada no mundo. Estava a divertir-se imenso.

– Claro que uma coisa é fazer algo impulsivo e outra coisa é cometer uma loucura – acrescentou, com a mesma secura.

– A linha que separa ambas as coisas é muito fina.

– Muito, sim – reconheceu.

Hannah sentiu a força do seu olhar sobre ela e falou com a voz ligeiramente trémula.

– E tu, alguma vez fizeste algo impulsivo e imprudente? – bebeu um gole do vinho delicioso. – Deixa-me adivinhar, certamente, dormiste na rua para poupar e poderes começar o teu próprio negócio.

O rosto de Sergei toldou-se de repente e as suas feições adquiriram tal fúria que Hannah ficou gelada. Por um instante, pensou ver o homem que se escondia por trás da sua fachada dura e era alguém com segredos escuros e uma dor mais profunda do que ela teria podido imaginar. Mas, então, respirou fundo e voltou a sorrir.

– Não estás assim tão desencaminhada – disse, num tom superficial, e na sua cara já não havia fúria.

– Bom, esta viagem era muito importante para mim – respondeu ela, no mesmo tom.

– Suponho que a tua mãe te telefonou para a universidade para que a ajudasses, mas diz-me, não podia ter conseguido outra pessoa para tu poderes acabar os teus estudos?

– Ela queria que acabasse, fui eu que insisti em voltar – explicou Hannah, que não compreendia o que tencionava insinuar e porquê, nem sequer conhecera a sua mãe.

Sergei limitou-se a assentir e Hannah soube que não acreditava.

– O que fez com que te tornasses tão cínico? – perguntou-lhe ela, sem rodeios. – Tudo te parece suspeito e todos. Porque és tão...?

– A experiência – a interrompeu.

– És rico, a tua vida não pode ser assim tão horrível.

– Não se diz que o dinheiro não traz a felicidade?

– Mesmo assim, certamente, há coisas que correm bem – insistiu ela. – Não podes dizer-me nada bom?

Sergei riu-se.

– És uma otimista empedernida.

– Talvez. Não tenho intenção de viver a pensar que tudo é horrível. De que te serve fazê-lo?

Sergei observou-a durante uns segundos.

– Assim não acabo defraudado.

– Sim, mas também não vives realmente – replicou ela. Esse era o propósito da sua viagem, viver a vida ao máximo depois de estar seis anos a cuidar primeiro do seu pai e depois da sua mãe, vítima da demência. – Diz-me uma só coisa boa que te tenha acontecido – pediu, num tom desafiante. – Ou melhor ainda, uma pessoa realmente boa que tenhas conhecido. Alguém que te tenha mudado a vida e de quem não conseguirias falar com cinismo.

– Porquê? – perguntou-lhe ele, com cansaço.

– Porque eu te peço. Porque quero demonstrar-te que há coisas e pessoas boas na vida.

Sergei inclinou-se para ela e Hannah viu tal brilho nos seus olhos azuis que sentiu um calafrio.

– Podia mentir-te.

– E onde estaria a diversão?

– Estamos a divertir-nos? – perguntou, num tom brincalhão.

– Parece-te que não? – replicou ela, do mesmo modo.

Nenhum dos dois desviou o olhar. Hannah sentiu uma emoção, um formigueiro que lhe invadia o corpo e a alma e pensou que aquilo era viver ao máximo... Algo que nunca fizera antes. Queria mais.

– Suponho que sim – reconheceu ele. – Alyona – disse então.

– Alyona? – perguntou, despistada.

– Alyona, uma boa pessoa que conheci.

Pelo modo como o disse, Hannah soube que aquela mulher, fosse quem fosse, já não fazia parte da sua vida.

– Aí o tens. Há alguém bom na tua vida. Fala-me dela.

– Não – disse.

Hannah ficou tensa, ofendida com a sua reação, embora compreendesse que não tinha o direito de lhe pedir para lhe contar os seus segredos, por muito que virtualmente lhe tivesse contado os seus... Uns segredos que nem sequer se apercebera de que tinha.

– Bom, pelo menos, tens alguém.

– Tinha – disse, de uma maneira que não abria a porta para mais perguntas.

Hannah sentiu uma tremenda curiosidade por saber quem seria essa Alyona. Teria sido uma namorada ou a sua esposa? Amava-a? Talvez tivesse sido por isso que se tornara tão cínico e tão hermético. Ou talvez ela tivesse visto demasiados filmes na televisão.

– Então, porque desconfias de todos? – perguntou-lhe, num tom mais superficial.

– Já te disse, por experiência. A maioria das pessoas faz as coisas por algum motivo e normalmente não é bom – mais uma vez, esboçou um sorriso sensual. – Exceto tu, possivelmente.

– Eu?

– Sim, tu. És a pessoa mais irritantemente otimista e agradável que conheci.

– Irritante? – isso incomodou-a.

– Os cínicos acham o otimismo irritante.

– Talvez seja porque precisas que haja mais otimismo na tua vida.

Sergei observou-a mais uma vez, passeou o olhar pelo seu corpo lentamente até a fazer arder de excitação. Teria a menor ideia de como era atraente quando olhava para ela assim? Era como se estivesse a despi-la com o olhar. Invadida pelo desejo, Hannah apercebeu-se de que queria que acontecesse, não sabia muito bem o quê, mas estava impaciente para que acontecesse.

Voltou a olhar para ele na cara e afirmou:

– Talvez tenhas razão.

Escuras emoções - O mais escuro dos segredos

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