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Capítulo 5

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Um ano depois

Sergei observou o perfil de Manhattan enquanto o resto dos executivos o observava com um ar incómodo. Ia assinar o contrato para adquirir a empresa daqueles homens e a reunião era apenas um mero formalismo que já estava a durar muito.

– Vamos assinar – anunciou.

Assinou o seu nome em meia dúzia de documentos, mas continuava a ter a mente na paisagem da cidade.

«Hadley Springs... A quatro horas a norte da cidade de Nova Iorque.»

Passara um ano e não a esquecera. Não esquecera uma única coisa daquela noite, nem de Hannah Pearl.

Levantou-se da mesa enquanto os outros continuavam a falar e voltou para a janela.

Teria mudado? Continuaria a ser tão ingénua, otimista e natural como naquela noite?

«És uma pessoa melhor do que pensas.»

Ou talvez a vida lhe tivesse ensinado alguma coisa finalmente e a tivesse obrigado a desenvolver uma atitude mais dura e cínica. Talvez tivesse sido ele a ensinar-lho. A ideia causou-lhe uma sensação de perda estranha e absurda. Todos precisavam de endurecer para sobreviver.

Continuaria a ter a loja? Tinha-lhe parecido que tinha uma vida muito solitária, esforçando-se para seguir em frente com um negócio de que nem sequer gostava e que, no entanto, não abandonava por lealdade aos seus pais e, possivelmente, impulsionada por um otimismo que o fazia pensar que poderia fazê-lo funcionar. Sergei sabia o suficiente do mundo dos negócios para ter a certeza de que uma pequena loja no meio do nada não tinha nenhum futuro.

Talvez tivesse saído da vila. Quem sabe, talvez tivesse voltado à universidade. Ou talvez estivesse casada.

«Não saberia para onde ir.»

Era incrível que continuasse a lembrar-se de tantas coisas e que ainda pensasse tanto nela, por muito que tentasse não o fazer. Era incrível que uma só noite tivesse tido tal efeito na sua vida.

Alguns meses depois de Hannah se ir embora graças aos documentos e ao bilhete de primeira classe que Grigori lhe conseguira, Sergei fizera algo que nunca teria acreditado que faria.

Entrara em contacto com um detetive privado e pedira-lhe para procurar Alyona. Há mais de vinte anos que não a via, desde que ela tinha quatro anos e ele tinha catorze, uma idade com que ambos tinham ficado marcados pela vida. O detetive continuava a investigar, embora em duas ocasiões Sergei lhe tivesse pedido para parar porque não sabia se queria descobri-la, mas então tinha recordado Hannah e o seu sorriso cândido.

«Diz-me só uma coisa boa que te tenha acontecido. Ou melhor ainda, uma pessoa realmente boa que tenhas conhecido. Alguém que te tenha mudado a vida.»

Em ambas as ocasiões, pedira ao detetive para continuar a indagar. Possivelmente depois de tantos anos, Sergei queria acreditar, tal como Hannah, que havia pessoas boas no mundo.

«És a pessoa mais irritantemente otimista e agradável que conheci.»

Era muito frustrante não ser capaz de a tirar da cabeça. Continuava a deixá-lo furioso.

– Senhor Kholodov...

Finalmente, afastou-se da janela e prestou atenção aos executivos que passara um momento sem ouvir, mas não pôde fazê-lo por muito tempo. O seu pensamento voltou para Hannah. Hadley Springs ficava a quatro horas. Em alguns minutos poderia descobrir se continuava a viver ali e obter a sua morada. Se fosse assim, poderia alugar um carro e estar lá naquela tarde.

A ideia surpreendeu-o, mas a verdade era que lhe parecia bem. Muito bem. Poderia voltar a vê-la e satisfazer a sua curiosidade. E possivelmente algo mais, pensou, recordando a atração que tinha rebentado entre ambos. Talvez, se satisfizesse o desejo que ela despertara, pudesse finalmente esquecê-la.

Não era isso que queria?

Ou queria simplesmente voltar a vê-la?

A questão era que Sergei sempre fora um homem de ação. Dirigiu-se aos homens reunidos à volta da mesa enorme.

– Cavalheiros, penso que acabámos.

Ouviu-se a campainha da porta da loja. Hannah levantou o olhar dos livros de contabilidade.

Era Lisa, que lhe trazia mais coisas tecidas à mão por ela. Lisa entrara na loja numa manhã fria de primavera, pouco depois de Hannah ter regressado de Moscovo e enquanto se sentia especialmente desanimada. Tinham acabado de despedir o marido de Lisa e ela precisava de ganhar algum dinheiro, por isso propusera a Hannah que a deixasse vender ali as coisas que fazia e dar aulas de croché para atrair mais alguns clientes. Ambas as coisas tinham funcionado muito bem, mas não bastavam para dar sucesso ao negócio. Essa era a conclusão a que Hannah tinha chegado durante os últimos meses.

– O que vais fazer? – perguntou-lhe Lisa, que se tornara uma grande amiga e por isso adivinhava rapidamente quando Hannah estava preocupada.

– Seguir em frente enquanto posso, suponho – admitiu Hannah, esfregando a testa porque começava a sentir uma dor de cabeça intensa.

– Podias vendê-la.

Hannah ficou imóvel. Não sabia se tinha forças para continuar a lutar pela loja, mas sabia que não queria fazê-lo. Lisa e ela já tinham falado disso noutras ocasiões, mas era a primeira vez que lhe sugeria a possibilidade de a vender de maneira direta. Significaria abandonar tudo aquilo em que os seus pais tinham acreditado... Ou no que ela pensava que tinham acreditado.

Sergei Kholodov fizera-a questionar certas coisas e, depois do seu regresso da Rússia, tinha descoberto que a tinham enganado... Tudo isso a fizera mudar. Possivelmente para sempre.

– Não estou preparada para vender – disse a Lisa. – E também não sei se haveria alguém interessado em comprá-la.

– Não saberás até tentares.

Hannah abanou a cabeça. Aquela loja era tudo o que lhe restava dos seus pais. A ideia de a vender causava-lhe tristeza, medo e uma certa culpa, porque em parte queria fazê-lo.

«Não saberia para onde ir.»

Era curioso que tudo tivesse começado com Sergei. Por muito que tentasse não pensar nele, não conseguia evitá-lo, entrava na sua cabeça várias vezes. Com alguns comentários e um beijo demolidor conseguira despertar as suas dúvidas e derrubar todas aquelas coisas de que tivera a certeza, o que causara uma verdadeira reação em cadeia que deixara a sua vida devastada e vazia.

Agora já não tinha a certeza de nada, já não era irritantemente otimista. Claro que isso não importaria porque, certamente, nem parara para pensar nela.

«Não gosto de virgens, especialmente das que nem sequer sabem beijar.»

A lembrança daquelas palavras continuava a fazê-la tremer. Em que teria estado a pensar para lhe dizer que não acreditava e insistir que a desejava? Ainda corava de humilhação ao lembrar-se. Agora sabia que Sergei não sentira o menor interesse por ela.

Esforçou-se para afastar tudo aquilo da sua mente e olhou para a sua amiga.

– Não devias sugerir-me que vendesse a loja, recordo-te que também é a tua fonte de rendimentos – disse, num tom animado.

Lisa sorriu com tristeza.

– Não é que esteja a enriquecer, Hannah. O que quero é ver-te feliz.

– Sou feliz – assegurou de maneira automática, embora fosse mentira. Não era feliz, pelo menos, não como fora noutro tempo ou pensara que era. Irritantemente otimista. Perguntou-se se saberia voltar a ser feliz e se seria possível sê-lo.

Possivelmente simplesmente amadurecera.

– Devia ir – disse Lisa. – David tem uma entrevista de trabalho e quero estar em casa quando voltar.

– Espero que tenha corrido bem.

– Eu também – respondeu a sua amiga, pondo-lhe uma mão no ombro. – Cuida-te, linda, e pensa em vender.

Hannah limitou-se a assentir e a olhar para outro lado porque a sua amiga via muito nos seus olhos. Por enquanto, a mera ideia de vender a loja fazia com que se sentisse culpada.

«Todos devemos ter o nosso próprio sonho.»

Soprou com frustração porque a incomodava continuar a pensar em Sergei Kholodov e continuar a recordar todas e cada uma das palavras que lhe dissera. Tinha passado um ano desde que tinham jantado juntos, desde que se tinham beijado. Um beijo que não conseguira esquecer, com que continuava a sonhar e que continuava a enchê-la de desejo.

Guardou os livros de contabilidade na gaveta com a intenção de deixar a decisão para outro momento. Estava cansada. Passara todo o ano concentrada naquele negócio, a fazer todas as mudanças que podia permitir-se, mas nada era suficiente. Não tinha hipoteca e ganhava o suficiente para ter uma vida modesta, mas era só isso. Uma má temporada, uma avaria imprevista ou um acidente e estaria à beira da ruína.

Voltou a tocar o sino da porta e Hannah levantou a cara com um sorriso nos lábios para cumprimentar um possível cliente. Mas o sorriso congelou nos seus lábios ao ver o homem de fato escuro que havia à porta da loja.

Era Sergei.

Continuava igual. Exatamente igual. Sergei sentiu algo parecido com alegria ao ver Hannah à frente dele, com o cabelo a cair à volta da cara e os olhos tão grandes e azuis como os recordava. Sorrindo. Sempre a sorrir. Possivelmente, até se alegraria por o ver.

Depois de Grigori lhe ter confirmado que Hannah continuava a viver em Hadley Springs, Sergei tinha alugado um carro e tinha conduzido toda a tarde até chegar a uma vila onde nenhum negócio poderia prosperar. Vira vários locais fechados e outros disponíveis para arrendar, mas o lugar não era uma atração turística. De facto, surpreendia-o que Hannah continuasse lá.

– Olá, Hannah!

Viu como o sorriso desaparecia do seu rosto e dava lugar a um vazio que conhecia bem, um ar carente de expressão que ele usava desde que, a uma idade muito antecipada, se apercebera de que a gargalhada e as lágrimas só serviam para receber castigos. Era melhor guardar silêncio e não revelar o que sentia.

Mas não era isso que esperava ver em Hannah.

– O que estás...? – fez uma pausa para humedecer os lábios, tão rosados como sempre, e começou outra vez: – O que estás a fazer aqui?

– Certamente, não vim fazer turismo – disse ele, esboçando um sorriso. – Vim ver-te.

– Ver-me – repetiu Hannah.

Ao princípio, pareceu incrédula, o que era lógico, mas depois deu uma gargalhada fria e apercebeu-se de que agia como ele. Tornara-se cínica.

Possivelmente, já não era a mesma.

Hannah olhou para Sergei sem conseguir acreditar, como se a qualquer momento pudesse desaparecer como uma miragem. Não podia ser verdade que fora vê-la. Era impossível, ridículo. E, no entanto, era real, visto que continuava ali, a sorrir e à espera.

À espera do quê?

Não compreendia nada. Se fechasse os olhos, ainda conseguia ver com clareza o sorriso gélido que esboçara enquanto passava o braço pela cintura daquela mulher, Varya. O que fazia ali agora?

Levantou a cabeça e olhou para ele fixamente.

– O que queres?

– Já te disse, queria ver-te.

– Porquê?

Percorreu-a com o olhar lentamente com uma emoção estranha no rosto que Hannah não soube identificar porque desapareceu depressa.

– Queria ver se continuavas a ser a mesma.

– O que quer dizer isso? Sou um ano mais velha – respondeu, com ironia, e começou a dobrar as novas peças que Lisa trouxera. Tremiam-lhe as mãos.

– E possivelmente mais sábia.

Riu-se antes de voltar a olhar para ele.

– Queres saber se continuo a ser irritantemente otimista? Não, já não sou.

– Também disse que eras muito agradável.

– Não importa – apoiou a mão com força sobre o balcão com a esperança de que assim deixasse de tremer. Porque é que aquele homem continuava a afetá-la tanto? Só tinha passado uma noite com ele. Um só beijo.

Mas a verdade era que ao vê-lo tivera a sensação de ter estado à espera dele. Recordava perfeitamente os seus olhos azuis, o seu queixo e o toque dos seus lábios.

– E então? – perguntou-lhe. – Estás satisfeito?

– Nada disso.

Hannah abanou a cabeça.

– Não compreendo o que fazes aqui, Sergei.

Ele esboçou um sorriso suave e surpreendentemente amável que nada tinha a ver com o homem que recordava. Um homem frio, calculista e cruel.

– Eu também não.

– Então, talvez devesses ir-te embora.

– Demorei quatro horas a chegar, não me vou embora tão depressa. E... – baixou o tom de voz para acrescentar, num tom que Hannah recordava bem: – também não penso que queiras que vá.

– Não sabes nada de mim.

– Tens a certeza? – perguntou, com ar provocador.

– Completamente. Aconteceram-me muitas coisas neste último ano. Suponho que em Moscovo te pareci muito ingénua e simples, mas mudei e a verdade é que não consigo entender o que fazes aqui, nem o que queres.

– Porque estás tão zangada?

– Porquê? – fixou o olhar nele. – Perguntas-mo a sério? Depois de como me trataste e como me fizeste sentir?

– Passou um ano, Hannah.

– Sim, mas o teu aparecimento fez com que voltasse a recordá-lo.

– Tenho uma teoria – disse, ao mesmo tempo que dava um passo para ela.

Mas Hannah pôs as mãos na cintura e olhou para ele da maneira mais feroz que sabia.

– Não tenho nenhum interesse em ouvir as tuas teorias.

Viu-o sorrir e o seu corpo voltou a reagir imediatamente.

– Vá lá, deixa-me contar-te – pediu e, ao ver que ela encolhia os ombros, dispôs-se a fazê-lo: – Estás zangada porque a minha presença continua a afetar-te. Se me tivesses esquecido, como sem dúvida devias ter feito, agora não estarias a olhar para mim como se quisesses arrancar-me o coração com as tuas próprias mãos.

Contra a sua vontade, nos seus lábios apareceu um ligeiro sorriso e acelerou-lhe o coração ao ouvir aquelas palavras tão certeiras.

– Então, tenho razão.

– Segundo a tua teoria.

– Não é só uma teoria – disse ele suavemente, ao mesmo tempo que se aproximava um pouco mais. – Posso prová-lo – acrescentou, enquanto lhe punha uma mão no pescoço, onde conseguiu sentir o seu coração acelerado.

Hannah corou e desejou com todas as suas forças poder dizer alguma coisa muito cortante ou pelo menos ser capaz de se afastar dele. O problema era que era uma maravilha voltar a estar perto dele e sentir a sua mão na pele.

– O que se passa... – continuou a dizer Sergei, sem deixar de a acariciar, – é que também me sinto afetado pela tua presença.

Hannah abanou a cabeça instintivamente.

– Não é verdade. Tu não te deixas afetar por nada. Não sei porque vieste, Sergei, mas... – finalmente conseguiu dar um passo atrás. – Suponho que já satisfizeste a tua curiosidade.

Afastou a mão, mas continuou a olhar para ela com um ar pensativo.

– Nada disso.

– O que queres então?

– Jantar contigo.

– Jantar?

– Sabes, comer...

A lembrança de outro jantar e de outra noite invadiu a mente de Hannah. Sabia que devia dizer-lhe que não, mas algo a impedia, só podia olhar para ele. Sergei sorriu.

– Certamente, há algum restaurante decente nesta zona.

– Mais ou menos – admitiu Hannah.

O seu sorriso aumentou.

– Mostra-mo.

Apesar da sua intenção de lhe dizer que não, quando abriu a boca dos seus lábios saiu algo muito diferente, algo que não conseguiu evitar dizer, nem sentir, contra o seu bom senso.

– Está bem.

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