Читать книгу Os deputados brasileiros nas Côrtes Geraes de 1821 - Manuel Emílio Gomes de Carvalho - Страница 13
CAPITULO IV
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As responsabilidades do crime de 21 de abril.—O conde dos Arcos.
Lançado o decreto de 22 de abril que prohibia a applicação provisoria ao Brasil da lei fundamental da Hespanha, o rei aprestou-se para embarcar immediatamente convencido de que «no meio do desenfreamento das paixões e da insubordinação das tropas não tinha o livre exercicio de suas attribuições soberánas»[78]. Declara-o a Silvestre Pinheiro, e a analyse de semelhante confissão revela não ser infundado o sentir dos contemporaneos[79], que faziam D. Pedro e o conde dos Arcos responsaveis da carnificina da Bolsa e do quasi perjurio do soberano para com o ministro da guerra e para com os eleitores. A gravidade da accusação e a circumstancia de se basear em conjecturas exigem desenvolvimento da materia mais longo do que desejavamos. O rei «commovido» auctorizara Silvestre Pinheiro a despersar a reunião da Praça conforme julgasse mais conveniente, e o ministro da guerra não tinha a duvida mais tenue sobre a fidelidade das tropas. Não é licito suspeitar da sinceridade do velho monarcha nem tão pouco suppôr que o chefe do exercito, diligente e sagaz, se illudisse ácerca dos sentimentos dos militares. O facto, pois, do soberano considerar-se decahido do poder supremo significa que, em partindo o ministro da guerra para executar os seus planos, houve alguem bastante poderoso para constranger o rei a revogar as suas ordens sob pena de perder a auctoridade sobre as tropas. E o rei cedeu para fugir a um conflicto que lhe tiraria o resto do prestigio. Como nenhum dos ministros nem nenhum dos cortesãos intimidava D. João VI, é no seio de sua familia que devemos procurar quem se achava em condições de lhe impôr taes villanias. O maior inimigo do rei era a esposa,[80], mas lhe não assistia influencia alguma sobre o marido nem a cercavam o respeito e a estima dos palacianos a termos de crear uma corrente bastante forte para actuar sobre o chefe da dynastia. Os negocios publicos não interessavam a D. Miguel, apenas com 19 annos. Resta D. Pedro. Principe herdeiro com assistencia nos conselhos da corôa e muito querido do exercito, nenhum outro se achava em melhor situação para agir sobre um espirito timorato, qual o do Rei. Este, aliás, devia temel-o, porque a sua desconfiança instinctiva, propria dos fracos, inclinava-o certamente a acolher o rumor publico que considerava o successor da corôa um dos promotores do levante de 26 de fevereiro. D. Pedro não era máu filho, mas soffria facilmente a acção dos que o cercavam, e entre estes occupava agora a preeminencia na privança o insinuante conde dos Arcos. «O conde dos Arcos está com o principe no maior auge de valimento de que ha idéa, escrevia em tres de abril á esposa o conde de Palmella, a ponto de ir S. A. Real visital-o a casa todos os dias»[81]. O conde não era mais deshumano nem mais injusto que a maior parte dos homens, mas o que o singularizava dos seus semelhantes, era o gosto desenfreado do mando, para satisfazer o qual não recuava deante dos excessos mais reprovados. A sua attitude tão arbitraria quanto feroz na repressão do levante pernambucano de 1817 não teve outra causa. Receoso de perder o governo da Bahia por causa do desfavor crescente do rei, a sua inquietação confinava com o delirio aos tres de março. «Sou coberto de affrontas, escrevia, e sou até ameaçado de castigo no tremendo nome d'el-rei nosso senhor. Oh! meu Deus!»[82] Aos seis de março estalou a revolução em Pernambuco, immediatamente divulgada na Bahia. O conde aproveitou com soffreguidão o ensejo para readquirir o valimente régio e assegurar o mando. Levantou forças consideraveis e usurpou attribuições privativas da corôa com o fim de inculcar a gravidade da conjuntura. Mandou executar o padre Roma julgado por commissão militar tres dias depois de preso, sem por conseguinte, submetter a sentença ao poder magestatico. Nas proclamações aos soldados ordenava o fuzilamento sem processo dos pernambucanos, que não marchassem immediatamente com as forças legaes contra os insurrectos. Não lhe importavam as leis da humanidade e as garantias da defêsa, com tanto que alcançasse victoria, tanto mais brilhante quanto mais rapida para estar na graça do soberano. Como hesitaria semelhante indole em arcabuzar os eleitores, se não havia outro meio para poder governar o Brasil consoante os seus intentos? Quem era o conde dos Arcos? De sua vida os livros e os archivos não revelam senão o trecho decorrido na antiga colonia, e isto pela rama. Por influencia do ministro das colonias, o visconde de Anadia viera ao Brasil assumir o governo do Pará.[83] A intelligencia, a energia e a habilidade patenteadas nesta administração, que o protector solicito não deixava de salientar aos olhos do principe regente, deram-lhe aos trinta e cinco annos de edade o logar mais proeminente a que podia aspirar um português fóra da metropole, o vice-reinado da colonia transatlantica, do qual foi investido aos 21 de agosto de 1806[84]. Pouco tempo, porém, exerceu o cargo que o seu vehemente desejo de renome e dotes assignalados de administrador auguravam fertil em beneficios para o ultramar americano. De feito chegada a familia real ao Rio em 8 de março, o principe regente tomou a direcção suprema do Brasil, repartindo-a com os que o coadjuvavam em Lisboa. Era o mesmo gabinete com a differença de que o conde de Linhares substituia na pasta dos extrangeiros e da guerra a Antonio de Araujo, excluido dos conselhos da corôa por intrigas e rivalidades da côrte. Não havia nessa organização ministerial logar para o ex-vice-rei. Superintendia a secretaria da Marinha o seu antigo protector, o conde de Anadia; os negocios da fazenda publica estavam confiados ao egregio D. Fernando de Portugal, que durante cinco annos exercera com applauso o vice-reinado do Brasil e de quem recebera D. Marcos a investidura do regimento da colonia. Não podia tão pouco o illustre fidalgo disputar a pasta dos extrangeiros ao conde de Linhares, a qual, vista a situação perturbada da Europa, precisava de homem experimentado nos meneios da diplomacia e bem acceito da Inglaterra, mais que nunca arbitra dos destinos de Portugal. Não consta que se queixasse então o conde. Parece, porém, que a sua ambição insoffrida se manifestou em doestos aos que iam preenchendo na alta administração as vagas abertas continuamente pela morte de servidores de edade avançada ou que não resistiam á mudança de clima ou de habitos. Morto o conde de Anadia, substituiu-o no ministerio o conde das Galvêas; fallecido o commandante das armas, tomou-lhe o posto o Marquês de Angeja[85]. Emquanto se davam cargos a homens cheios de annos e de achaques, os quaes não podiam acudir ás necessidades de um paiz em formação, falto dos melhoramentos mais elementares, negligenciava-se a actividade do ex-vice-rei, malbaratadas as suas forças em funcções secundarias que o tolhiam de dar expansão ao seu genio administrativo. A injustiça era, em verdade, por demais flagrante para não attrahir ao astuto preterido sympathias. Julgou acertado a corôa, para enfraquecer, talvez, o partido dos descontentes, provel-o no governo da Bahia por acto de 30 de outubro de 1810. De feito os seus amigos e admiradores se não illudiam na apreciação de sua capacidade governamental. Promoveu a marinha e o commercio; melhorou as fortificações; creou novos corpos de milicias e construiu a Praça do Commercio. Ao mesmo tempo que promovia a força e a riqueza, não se esquecia de desenvolver a cultura intellectual, multiplicando as escolas e fundando a bibliotheca publica. Não se descuidou tambem do recreio dos moradores; abriu um jardim publico e favoreceu a terminação do theatro S. João. O espirito de justiça e as maneiras captivantes do capitão general e, de outro lado, o alvorecer das sciencias e das artes na velha cidade, despertaram o reconhecimento dos seus filhos, caracterizado com eloquencia no titulo de sua primeira gazeta,—A Idade de Ouro, apparecida em 14 de maio de 1811[86]. Nunca houve talvez governador mais querido. Depois de muitos testemunhos de estima e gratidão, os habitantes, á sua partida, intentaram dar-lhe um que lhe aproveitasse aos descendentes através dos seculos. Requereram ao rei licença para a instituição de um vinculo de cem contos a favor de D. Marcos[87]. Não se enganava D. Marcos de Noronha e Brito, como se chamava Arcos, quando suppunha que na repressão fulminante da revolta de Pernambuco se lhe deparava opportunidade de reconquistar a bemquerença do monarcha. De feito na organização ministerial de 24 de junho de 1817 coube-lhe a pasta da marinha e do ultramar. A sua passagem n'esta importante secretaria não deixou, todavia, traços dignos de menção. Na discussão ardente sobre os acontecimentos revolucionarios de Portugal e as providencias applicaveis a um e a outro reino, o seu papel foi tambem dos mais apagados. Conhecem-se as idéas de Palmella e de Thomaz Antonio, expendidas anteriormente; de Arcos apenas se sabe que «mostrava sentimentos cavalheirescos e tambem boas intenções, posto que assás vagas e indefinidas»[88]. Comprehende-se, até certo ponto, ahi a sua reserva, porque ao invez dos collegas que pleitêavam a partida do principe, pretendia ficar com este no Brasil. O que se não alcança, porém, é que continuasse a envolver em mysterio os planos de governar o Brasil durante a regencia de D. Pedro. Nem o velho monarcha logrou conhecel-os.[89]. A nosso parecer nada dizia porque nada tinha que dizer. Era administrador e não politico. Contava reger o Brasil como governara a Bahia, esquecido de que as circumstancias haviam mudado. Agora não preoccupavam o povo os melhoramentos materiaes mas sim o empenho de limitar a acção do poder e fixar as suas relações com os cidadãos e de dar a estes parte activa na direcção dos negocios publicos.