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CAPITULO I

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SUMMARIO:


Causas da revolução de Portugal de 1820.—Incerteza sobre o regresso d'el-rei.—Necessidade da adhesão do Brasil para o exito da revolução.


Em consequencia da invasão francêsa e da abertura dos portos do Brasil ás nações amigas, a miseria no Reino ia em crescimento assustador. Cada anno assignalava nova reducção na marinha; augmentava a importação dos generos de primeira necessidade, a começar pelo trigo; fechavam-se as fabricas, os productos vencidos da concorrencia inglêsa no ultramar, e os operarios, famintos, tornavam-se mendigos ou ladrões. Em 1820 a penuria attingia o extremo. Exgottado inteiramente, o erario não pagava aos funccionarios publicos nem restituia os depositos. Queixavam-se os soldados de que havia oito mezes não recebiam os soldos, e nem mesmo os compromissos sagrados do monte-pio eram satisfeitos;[1] á miseria ajuntava-se a humilhação. Humilhação no exercito, onde a presença de officiaes europeus fazia acreditar na incapacidade do português para defender só a terra natal; humilhação em todas as classes, porque a gloriosa nação se achava reduzida á colonia do Brasil, constituido o centro da monarchia, por abrigar o soberano.[2] O descontentamento geral e o enthusiasmo com que a Hespanha acolheu o juramento da constituição de Cadiz pelo rei, a 7 de março de 1820[3], induziram os liberaes do Porto, auxiliados pela guarnição, a se revoltarem em 24 de agosto contra o absolutismo, com programma verdadeiramente moderado. Não pregavam a republica nem mesmo a substituição da monarchia, a despeito de haver o rei abandonado a nação, em fuga precipitada para o Brasil; ao contrario, referiam-se a elle com expressões de respeito, sympathia e dedicação, que certamente não merecia o chefe que já não podia justificar a sua ausencia da patria. Manteriam a religião catholica. O que queriam era a participação do povo nos negocios publicos. Nem isso era cousa nova, porquanto outr'ora os soberanos, por força do direito consuetudinario[4] ouviam ácerca dos interesses nacionaes os representantes do clero, da nobreza e do povo. Era o restabelecimento d'esse fôro, conculcado pela realeza, com as modificações adequadas ás idéas do tempo e com as garantias necessarias para não ser de novo frustado, que, em ultima analyse, se traduziria a constituição que os procuradores da nação, convocados pelos revolucionarios, pretendiam então fazer. Resoluções tão moderadas e reivindicação tão justa, defendidas por homens de moralidade elevada, como os chefes do movimento, á medida que se divulgavam, iam conquistando os animos e annullando as velleidades de resistencia manifestadas nos commandantes das armas de Tras-os-Montes e da Beira[5]. A regencia, designada por el-rei, que em 2 de setembro reconhecia, em carta ao soberano, a impossibilidade de defender o regimen por lhe não inspirarem confiança as tropas da capital, e a impossibilidade de viver, porque a sublevação das opulentas provincias do norte tiravam ao governo a fonte mais copiosa de rendas,[6] aos 15 de setembro perdia a direcção da causa publica, acclamados outros governadores pelos batalhões e populares reunidos no Rocio. Estes, de accordo com os chefes da insurreição portuense, crearam o governo supremo. Aceita a revolta por todos os angulos do reino com jubilo tal que desterrava receios de perturbação da ordem, os novos directores da politica empenharam-se com fervor na execução do seu programma. Duas questões levantaram-se, ardentes e inquietadoras: tornaria a Portugal el-rei ou qualquer pessoa da sua familia? Que acolhimento reservaria á nova ordem de cousas o Brasil? Tornava-se indeclinavel a presença do monarcha, não só para sanccionar o movimento, mas ainda para restituir o velho reino á sua condição de metropole, da qual se achava despojado por ser governado por prepostos e receber ordens de além-mar. Assim, um dos primeiros actos do novo governo é deprecar ao soberano que volva á patria ou mande alguma pessoa de sua familia, a fim de consolidar a obra da regeneração social[7]. Avultava, comtudo, a desconfiança de que el-rei não acudiria ao appello. No meado de março, a imprensa portuguêsa de Londres noticiava que a familia real assentára fixar-se para todo o sempre no Brasil, e pouco depois correu voz de que estava imminente a declaração official d'aquelle proposito.[8] A maneira ambigua por que o soberano respondia á regencia do reino, ao instar ella pelo seu regresso, robustecia o boato. Na verdade, D. João recusava-se volver ou mandar um dos filhos á terra d'onde sahira com terror panico dos francêses. Sentia-se bem no Brasil, onde «se cria amado»[9], não o torturavam achaques[10] e não havia vizinhos que puzessem em perigo a sua segurança. A 12 de outubro de 1820, o brigue «Providencia» tirou-lhe a quietação com a noticia da revolta portuense, transmittida pelo governo que o representava em Portugal. Ao mesmo tempo que o inteirava dos graves acontecimentos, participava-lhe haver convidado o clero, a nobreza e o povo a se reunirem em côrtes, e mais uma vez deprecava ao soberano que viesse[11]. A resposta do monarcha chegou a Lisboa a 16 de dezembro, quando desde muitas semanas a insurreição varrêra do poder o cardeal patriarcha, o marquês de Borba, o conde de Peniche, o conde da Feira e Antonio Gomes Ribeiro, delegados do soberano. Depois de notar a incompetencia da convocação da assembléa sem o seu concurso, dizia que elle ou um dos filhos tornaria á antiga metropole, logo que, encerrado o parlamento e conhecidas as suas propostas, houvesse certeza de que o real decôro não corria risco de affronta[12]. Se era n'esses termos que o rei respondia aos homens de sua confiança, racionalmente os revolucionarios não deviam contar com a sua presença na Europa, tanto mais que o conde de Palmella, agora em viagem ao Rio, ia lançando nas terras portuguêsas a que a arribava, Madeira e Bahia, a idéa de resistencia ao governo de Lisboa, com o fim de assegurar á corôa a proeminencia na reconstituição politica da monarchia[13]. Sem embargo do desassocego gerado pela disposição do soberano, transparente n'esse documento, os que regiam os destinos de Portugal julgaram mais acertado deixar ao Congresso, o qual se devia abrir brevemente, o cuidado de chamar novamente el-rei á Europa. Demais, da effervescencia dos animos, que a revolução não podia deixar de crear nos estados ultramarinos, não era temerario prevêr a superveniencia de successos capazes de mudar a inclinação do soberano. Não era menor a anciedade com que o governo de Lisboa aguardava o julgamento do Brasil ácerca da insurreição, julgamento considerado decisivo da sorte do velho reino. Um dos mais ouvidos publicistas da época affirmava que, sem o apoio do ultramar americano, Portugal se expunha a perder a independencia, não por causa das forças que lhe poderia oppôr a antiga colonia, mas pelos auxilios de seus alliados; e, n'essa tremenda conjunctura, não hesitava em aconselhar a patria a que esquecesse resentimentos e suffocasse antipathias, para se unir á Hespanha, a fim de não continuar a ser «miserrima colonia». Era um alvitre desesperado, ponderava, porque perderia assim uma parte da autonomia, mas «muito custa perder uma perna ou um braço; e algum d'elles ou alguma d'ellas tambem ás vezes se perde, quando, exhaustas todas as esperanças, é de necessidade perder uma parte para salvar o todo»[14]. Por mais despropositado que se nos afigure hoje o considerar a independencia de Portugal subordinada á união com o Brasil, era todavia corrente no tempo e fazia parte da prudencia mais elementar, attentos os successos politicos da Europa. Na verdade, em consequencia da alliança de 1815, da santa alliança como lhe chamam, constituida pelos soberanos da Russia, Austria e Prussia, com o intuito de assegurar a paz interna nos respectivos Estados e nos dominios dos principes christãos que viessem adherir a ella, nenhuma nação estava ao abrigo de uma invasão d'esses povos, solicitada pelo proprio monarcha para conter a reivindicação mais legitima dos seus subditos. No morrer d'esse mesmo anno de 1820, Napoles, por haver acclamado a constituição hespanhola e ter constrangido o seu soberano a jural-a, apparelhava-se para resistir á irrupção da Austria, delegada da Santa Alliança. Não devia Portugal temer egual sorte, caso D. João VI e o Brasil condemnassem a revolta? Se n'aquelle reino de Italia uma infima minoria capitaneada pelo rei justificava a aggressão dos alliados contra os liberaes, muito mais facil seria conseguir a cooperação armada d'elles contra o velho reino, firmando-se o soberano na fidelidade dos brasileiros, a qual testemunharia que os acontecimentos de Portugal procediam de uma facção victoriosa na secção menos importante da monarchia. Consoante as idéas do momento, era portanto questão vital para o levante o assentimento do ultramar á nova ordem de cousas, e não podia haver fórma mais evidente nem mais solemne dessa adhesão do que mandar elle representantes ás côrtes. Assim pensa o governo de Lisboa, que solicita o seu comparecimento no futuro congresso, com phrases commovidas, e no calor do transporte chega a prometter a todos os ultramarinos, sem distincção, a mudança da administração por outra que não tenha os gravames e humilhações do regimen colonial[15]. Maliciosamente informa um coevo que, pela primeira vez, os portuguêses da Europa deram aos compatriotas de além-mar o nome de irmãos[16].

Os deputados brasileiros nas Côrtes Geraes de 1821

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