Читать книгу Pelo mundo fóra - Maria Amalia Vaz de Carvalho - Страница 13

V

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A estatua deante da qual eu acabo de passar algum tempo, pedindo-lhe o segredo do perdido Ideal que ella traduz, representa, como eu já disse, esse momento fugitivo e bello da vida grega.


Esculpiu-a um desconhecido artista: mas não são totalmente desconhecidos tambem para nós, os pobres oleiros que amassaram e modelaram as lindas estatuas encontradas nos tumulos de Tanagra e não são tambem ellas a poesia, o encanto, o velado mysterio, a ineffavel graça?


Falando d'ella, diz Paulo de Saint Victor: «Oh! bemdito seja o camponez grego, cuja enxada exhumou a deusa enterrada ha dois mil annos em uma leiva de trigo!... Graças a elle, a idéa do Bello ascendeu mais um gráu sublime, o mundo plastico encontrou a sua Rainha!... A belleza ondula d'essa cabeça divina e espraia-se em todo o corpo como uma luz!... Só a lingua de Homero e de Sophocles seria digna de celebrar tão regia Venus! Sómente a amplidão do rythmo hellenico poderia moldar, sem deslustral-as, fórmas tão perfeitas!


«Por que palavras exprimir a magestade d'esse marmore triplamente sagrado, a attracção mesclada de assombro que elle inspira, o ideal supremo e ingenuo que revela?»


E Theophile Gauthier, descrevendo-a, diz assim:


«A fronte soberba, de linhas curvas, cingida pelas bandelettes do penteado, é tal qual a podiamos sonhar para séde de uma alma divina; o collo direito e firme lembra o fuste de uma columna dorica, o seio de virgindade eterna é digno de servir de modelo, como o de Helena, para a taça dos altares!»


E, no emtanto, essa bella e pequenina cabeça, que uma graça ideal nimba eternamente, não é tal como elle diz, séde de uma alma divina. A Venus de Milo não pensa. N'aquella branca flôr marmorea uma alma vegetativa sonha e dorme! Que sabe ella da Vida e das suas longas tragedias, que sulcam de rugas profundas a fronte pallida das mulheres, que contorcem em ancias, indomitas como o Oceano, a alma dos homens?


Quem lhe revelou, a ella, o segredo das nossas paixões que devastam, das nossas luctas que ou disvirilisam ou depravam, das contradicções medonhas de que erriçamos o nosso cruel destino, dos abysmos que abrimos debaixo dos nossos cançados pés? Que presentimento sequer tem ella—a deusa inalteravel e serena—de tudo que a engenhosa imaginação dos que vieram depois—deuses e homens—inventou para se torturarem e nos torturarem?


Os dois mil annos que temos a pesar-nos sobre a cabeça e sobre o peito, passou-os ella ignorante e tranquilla sob a terra da Grecia.


O que ella representa é um momento risonho e curto da existencia humana; um momento em que tudo é bello e harmonioso na terra e no céo, em que, para imitar os deuses que crearam, os homens não precisam de deixar mutilar as suas energias mais vivas, os seus instinctos mais naturaes; um momento em que o amor é sagrado e puro como a fonte inexgotavel dos sêres, e como tal tem culto e tem altares; um momento em que a Natureza é benevola e sã, e em que da espuma dos mares da Jonia póde brotar a flôr maravilhosa da eterna belleza, em que a inconstancia das ondas, a perfida doçura das sereias, o abysmo glauco, que tem no fundo grutas de esmeralda collaboram em uma obra divina e produzem um symbolo immortal...


Pelo mundo fóra

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