Читать книгу Segredos revelados - O festim do amor - Maya Blake - Страница 5
Capítulo 1
Оглавление– Signora?
A voz, hesitante, mas insistente, acordou Ava de um sono profundo. Desorientada, afastou da testa uma madeixa da sua cabeleira ruiva, mas o pesadelo continuava a envolver os limites da sua consciência.
– Lamento incomodá-la, mas o signor Di Goia está ao telefone outra vez – a assistente de bordo, com um fato de seda verde-esmeralda, estendeu-lhe o mesmo telefone preto que lhe levara três vezes nas últimas oito horas, desde que tinham saído de Bali.
Um amontoado de emoções varreu a irritação de Ava e os restos da angústia provocada pelo pesadelo. A sensação de perda que a assolava cada vez que pensava em Cesare confundiu-se com a excitação que esses pensamentos provocavam.
Durante alguns segundos, esqueceu a desolação assustadora que deixava para trás. A presença do homem do outro lado da linha ocupava a sua mente por inteiro. Um homem que, apesar de estar a milhares de quilómetros, continuava a ter o poder de a deixar sem fôlego. O homem que Ava estava a perder irremediavelmente.
– Por favor, diga-lhe que falarei com ele quando aterrarmos – precisava de guardar as suas forças para enfrentar o que tinha por diante.
A assistente de bordo pareceu horrorizar-se.
– Mas... Insistiu – sem dúvida, era a primeira vez que se encontrava com uma mulher capaz de contradizer Cesare Di Goia. Especialmente quando essa mulher viajava a bordo do avião privado dele, rodeada do luxo e da ostentação que representavam a fortuna e a influência do poderoso homem de negócios.
– Signora? – insistiu, nervosa, a assistente de bordo.
O sentimento de culpa fez com que Ava agarrasse no telefone.
– Cesare – atendeu, enquanto continha a respiração.
– Agora, dignas-te a atender a minha chamada... – disse uma voz grave e profunda.
– Porque deveria fazê-lo quando tu estiveste a evitar as minhas durante duas semanas? Disseste-me que voltarias para Bali na semana passada – a facilidade com que a deixara plantada fê-la apertar o telefone com força. Era a mesma atitude que tinha demonstrado no seu casamento durante o último ano.
– Tive um contratempo em Abu Dabi... Um assunto inevitável – acrescentou com voz tensa.
«Inevitável.» Quantas vezes tinha ouvido aquilo?
– Claro... É tudo?
Ouviu-se um suspiro carregado de raiva do outro lado.
– Não, não é tudo. Explica-te.
– Porque estou a viajar no teu avião?
– Sim. Isso não fazia parte do plano.
– Eu sei, mas os meus planos também mudaram... inevitavelmente – acrescentou, com naturalidade fingida.
– Em que sentido?
– Se te tivesses incomodado em atender o telefone nas últimas duas semanas, ter-to-ia dito.
– Falámos nestas últimas duas semanas...
– Não, Cesare. Telefonaste-me algumas vezes para me dizeres que adiavas o teu regresso – sentiu um nó na garganta ao recordar as chamadas intermináveis que fizera para a secretária de Cesare para se assegurar de que lhe limpassem a agenda, lhe comprassem os fatos mais elegantes e o cozinheiro da luxuosa residência de Bali lhe preparasse os seus pratos favoritos. Ocupara-se de tudo até ao último detalhe num esforço vão de salvar o seu casamento. – Seja como for, estou a poupar-te o incómodo de fazeres uma longa viagem ou de inventares outra desculpa. Adeus, Cesare.
– Ava...
Desligou e deixou o telefone na mesa, sem se incomodar em atendê-lo quando voltou a tocar. A expressão horrorizada da assistente de bordo fê-la sorrir, apesar de ter o pulso acelerado.
– Não é tão mau como parece.
A mulher pigarreou com desconforto e retirou-se rapidamente.
Com mãos trémulas, Ava serviu-se de um copo de água e bebeu um pequeno gole. Sim, Cesare estava habituado a que ninguém questionasse a sua autoridade, mas ela nunca se submetera cegamente às ordens de ninguém. E fora esse caráter indómito e passional o que tanto tinha intrigado, e enfurecido, Cesare. Ou assim fora pelo menos até que a sua relação estancara na indiferença e Cesare começara a afastar-se a pouco e pouco dela, prolongando as estadias em Roma em vez de estar com ela na residência do Lago de Como. Antes da devastação provocada por um terramoto no Pacífico Sul acabar com as esperanças de Ava de salvar a sua família.
A decisão corajosa que tomara no dia anterior em Bali começava a provocar-lhe nervosismo e ansiedade. O mês anterior fora um inferno, mas tinha de ser forte. Ia necessitar de toda a sua coragem para enfrentar a verdade.
Sentiu um aperto no estômago ao recordar a rapidez e a intensidade com que começara tudo com Cesare. As coisas tinham-se descontrolado desde o princípio e Ava vira-se possuída por uma paixão impossível de conter ou de compreender.
Mas, naquele torvelinho de encontros frenéticos e sexo selvagem, sentira que Cesare era tudo o que sempre desejara e que com ele poderia ter o lar e a família que nunca tivera.
«Esta loucura tem de acabar!», fora a confissão acalorada de Cesare quando a levara para uma despensa durante um jantar de beneficência.
Ironia do destino, no dia seguinte descobrira que estava grávida de Annabelle.
Fora então que Cesare começara a afastar-se.
Abanou a cabeça e levantou a persiana para que o sol da manhã lhe aquecesse a cara. Mas nada podia aliviar a dor glacial que a gelava por dentro.
Não, não podia deixar que Cesare a afetasse tanto. Annabelle não merecia ter um pai amargurado e ressentido. Nem uma mãe que vivesse sumida na infelicidade. A família que Ava tinha acreditado ter encontrado com Cesare não fora mais do que uma miragem. E o homem apaixonado e cheio de vida com que se casara transformara-se em alguém tão frio e indiferente como o seu pai.
E, no seu desespero de se agarrar à ilusão do que nunca tivera, estivera prestes a perder a sua filha.
Annabelle já sofrera bastante e não ia permitir que a sua filha sofresse mais rejeição.
– O que raio achas que estás a fazer?
A voz profunda e irresistivelmente sensual de Cesare Di Goia exercia sobre ela um efeito tão poderoso como o seu impressionante metro e noventa de musculatura. Impecavelmente vestido com um polo branco e umas calças de ganga pretas que realçavam as suas ancas esbeltas e as coxas fortes, erguia-se tão alto e orgulhoso como qualquer uma das centenas de estátuas espalhadas pela sua cidade natal.
Tinha o cabelo, preto e molhado do duche, mais comprido do que da última vez que Ava o vira. E, como sempre, dizia o que pensava sem o preocupar quem pudesse ouvi-lo.
– Porque não gritas mais alto para assustares a minha filha? – propôs-lhe ela com sarcasmo, enquanto tentava tranquilizar Annabelle, que se agitava em sonhos.
Os olhos de Cesare, da cor do ouro brunido, pousaram em Annabelle.
– Está a dormir.
– Não por muito tempo se continuares a gritar assim. Já sofreu o suficiente, Cesare. Não vou permitir que continue a sofrer.
– Não fales comigo como se fosse um desconhecido, Ava. Sei muito bem pelo que passou – tinha suavizado o tom da voz, mas os seus olhos ardiam de fúria.
– Lamento ter de to recordar, mas pareces tê-lo esquecido. Annabelle encontra-se numa situação muito frágil, portanto, faz o favor de te acalmar. E, quanto à tua pergunta, acreditava ter deixado muito claro o que estou a fazer.
– Referes-te à longa mensagem de texto que me enviaste ao descolarem de Bali: «Chegamos às duas»? Ou à resposta de que os teus planos também tinham mudado? – perguntou-lhe com tom acusador, sem fazer menção de se afastar da porta.
– Vais sair daí ou pretendes ter esta conversa à porta? E o que estás a fazer aqui? Quase nunca vens à villa.
– Não importa o que estou a fazer aqui. Supunha-se que ias esperar em Bali até que dessem alta a Annabelle e que então eu iria ter contigo.
– O médico já deu alta a Annabelle há três dias.
A surpresa refletiu-se no rosto de Cesare, que olhou por cima do ombro de Ava para o carro.
– E Rita?
– Andava a ter pesadelos por causa do terramoto. Quando saiu do hospital, comprei-lhe um bilhete de avião para Londres. A culpa não a deixa viver em paz... Acha que falhou a Annabelle porque a perdeu de vista quando os tremores de terra começaram – uma pontada de dor atravessou-a ao recordar a angústia inconsolável da ama. – Pensei que tudo seria mais fácil desta maneira.
Cesare assentiu.
– Assegurar-me-ei de que receba o tratamento adequado e a indemnização que lhe corresponde. Mas tu não tinhas de fazer já esta viagem...
– Não, Cesare. Rita não era a única que precisava de voltar para casa. Tu devias ter regressado a Bali há duas semanas, mas estavas em Singapura e, depois, em Nova Iorque.
– Esta não é uma boa altura para...
– Há muito tempo que não temos uma boa altura, Cesare – uma onda de tristeza invadiu-a, mas conseguiu manter-se firme.
O cabelo colava-se-lhe ao pescoço e o sol da tarde queimava-lhe os ombros nus. Se não se protegesse do implacável sol italiano, no dia seguinte estaria vermelha como um tomate.
– Deverias agradecer-me por te ter poupado o incómodo. Vais permitir que fiquemos aqui em casa ou é um problema para ti?
Ele inspirou profundamente e baixou o olhar para Annabelle.
– Não, não é nenhum problema.
– É um alívio. Eu não gostaria de te causar... inconvenientes.
Annabelle estava a pesar-lhe e a fadiga de uma viagem de doze horas com uma menina de quase quatro anos fazia estragos nos seus membros exaustos. Mas fez um último esforço e conseguiu não mostrar a mínima fraqueza a Cesare, cuja imponente figura lhe impedia a entrada na villa.
– Ava, devíamos ter falado disto...
– Ainda bem que não estou paranoica, porque poderia pensar que tentavas evitar-me mais do que de costume – ele não se incomodou em negá-lo e Ava sentiu uma pontada gelada no coração. – Acho que tens razão e que esta não é a melhor altura. Vou levar Annabelle para o meu estúdio. Avisa-me quando te fores embora e então viremos para cá.
Apenas dera um passo quando uma mão a agarrou pelo braço e a puxou para trás. Chocou com uma parede de fibra e músculo, e depressa se viu envolta pelo aroma de Cesare. Uma mistura de sândalo e de uma virilidade embriagadora que a atravessou com a força de um tornado.
– Não. Annabelle fica comigo – a tensão emanava do seu corpo. – Se achas que vou perdê-la de vista depois do que aconteceu, estás muito enganada – ela tentou afastar-se, mas ele reteve-a.
Um calor abrasador propagou-se pelas suas veias. A sensação, arrebatadoramente familiar, mas imprevista, fê-la cambalear. Cesare apertou-a com força e pôs uma mão nas costas de Annabelle para as agarrar a ambas.
Ava levantou o olhar e o coração disparou-lhe ao ver o brilho de emoção que atravessou fugazmente os olhos de Cesare. Um formigueiro intenso percorreu-lhe as costas e teve de engolir em seco para desfazer o nó que se lhe tinha formado na garganta.
– Dou-te dez minutos para que me contes os teus planos e depois...
– Não. Primeiro, tenho de deitar Annabelle. Depois, teremos uma conversa civilizada.
Ele riu-se entredentes.
– Civilizada? – o seu fôlego acariciou-lhe a orelha, provocando-lhe outra onda de estremecimentos por todo o corpo. – Recordas como nos conhecemos, cara?
Ava viu-se transportada de repente para o seu primeiro encontro. Cesare quase a atropelara com o carro numa passadeira porque ela ficara encantada com um edifício histórico que estava a fotografar. O facto de ter estado prestes a morrer combinado com o atrativo impressionante do homem que estava ao volante fizera-a bater com o punho com todas as suas forças no capô do Maserati vermelho.
A fúria de Cesare ao sair do carro para examinar os danos vira-se rapidamente substituída por uma emoção muito mais perigosa.
– Mal dissemos os nossos nomes e já estávamos a arrancar a roupa um ao outro. Meu Deus... Poucas horas depois de nos termos conhecido estavas a perder a virgindade em cima do capô do meu carro.
As chamas da lembrança incendiavam-na da cabeça aos pés.
– A que propósito vem isso? – perguntou-lhe.
– Só estou a recordar-te que não pode haver nada civilizado entre nós.
– Fala por ti. Talvez queiras comportar-te como um homem das cavernas, mas eu não tenho de me rebaixar ao teu nível – tentou afastar-se novamente e daquela vez ele permitiu-o.
– Finge à vontade, cara. Ambos sabemos que é verdade. Quando nos deixamos levar, a paixão torna-se incontrolável.
Sem desviar os olhos dela, como uma ave de rapina a observar a sua presa suculenta, abriu mais a porta e afastou-se com os braços cruzados.
Por alguns instantes, Ava foi incapaz de se mexer, aturdida pela musculatura poderosa que se adivinhava sob o polo e pelos pelos que apareciam pelo colarinho desabotoado. Fazendo um esforço enorme, conseguiu desviar o olhar e entrou no palazzo mais faustoso do Lago de Como, que fora o seu lar durante os últimos quatro anos.
O exterior de terracota, com o pátio cheio de fontes e os jardins escalonados, contrastava fortemente com o interior. As paredes de estuque e os tetos abobadados estavam perfeitamente conservados e providos de um sistema moderno de ventilação que refrescava a casa, o que permitia ter as persianas abertas para que as quatro alas da villa se enchessem de luz natural.
Uma olhadela rápida bastou para deixar Ava sem fôlego. Das peças dispostas no corredor até aos quadros renascentistas e aos retratos familiares que pendiam das paredes, o palazzo recordava o tempo em que a Villa Di Goia fora um famoso museu. O mármore veneziano e o chão de parqué reluziam com o brilho e a opulência que só os multimilionários podiam permitir-se.
– Não mudou nada desde a última vez que estiveste aqui, Ava. Sugiro-te que não percas tempo a admirar a arquitetura e que comeces a explicar-te. Restam-te oito minutos – a tensão sentia-se sob a sua aparente serenidade.
Ava respirou fundo e encarou-o.
– E eu sugiro-te que deixes de olhar para o relógio e que me ajudes com Annabelle... A não ser que queiras que comece a chorar.
A expressão de horror de Cesare foi ténue, mas não passou despercebida a Ava. Se não sentisse tanta tensão, ter-se-ia posto a rir.
Cesare aproximou-se dela e tirou-lhe Annabelle com cuidado.
– Tem bom aspeto – disse, apertando-a contra o peito.
– O médico está muito satisfeito com a sua recuperação – comentou Ava, dobrando o braço para aliviar as cãibras.
As emoções continuaram a refletir-se no rosto de Cesare enquanto observava a sua filha. Ava não necessitava de uma bola de cristal para adivinhar que estava a recordar a última vez que a tivera nos braços, quando a tinham encontrado depois do terramoto...
Cesare virou-se para a escada imponente que conduzia aos andares superiores. Subiu rapidamente, seguido de Ava, e surpreendeu-a ao virar para a ala este.
– Mudaste o quarto dela de sítio?
– Sim, mudei algumas coisas. Queria que estivesse perto de mim quando voltasse – o seu tom era arisco e irritado, como se não quisesse que questionassem os seus atos.
Ava sentiu outra pontada dolorosa no peito. «Perto de mim», dissera ele. Não «de nós».
O quarto estava pintado de verde e cor-de-rosa, as cores favoritas de Annabelle. Tinha uma grande cama de dossel e todos os brinquedos e peluches que uma criança poderia desejar. Cesare deitou Annabelle na cama e tirou-lhe com cuidado os sapatos e as meias, afastando Ava com um gesto quando ela se aproximou para ajudar. Tapou a menina com o lençol e pôs-lhe um cavalinho de peluche sob o braço.
Ava sentiu um aperto no coração. Quantas vezes tinha desejado que Cesare fizesse aquilo quando Annabelle era pequena? Quantas vezes o tinha imaginado a inclinar-se para beijar a filha na testa e a dar-lhe as boas noites num sussurro carinhoso?
Cesare deu meia-volta e cravou-lhe o olhar.
– Agora, já podemos falar – disse-lhe e encaminhou-se para a porta com passo firme e decidido.
A tensão crescia a cada passo. Os saltos da Ava ecoavam no chão de mármore. Esfregou as palmas suadas na saia e tentou conter a ansiedade que aumentava no seu interior.
Entrou no salão, cujas paredes envidraçadas ofereciam uma vista impressionante dos jardins e do cais privado na beira do lago. A imagem era tão espetacular que Ava pensou na sua câmara fotográfica.
Cesare estava diante da janela, seguindo com o olhar uma lancha que sulcava as reluzentes águas de cor turquesa. Mas Ava sabia que a sua mente ficara naquele quarto.
– Devias ter esperado por mim em Bali – disse-lhe, sem se virar.
– Sabes que nunca fui boa a acatar ordens. E não parecias ter muita pressa em trazer-nos para casa.
– Tinhas tudo o que necessitavas.
– Sim, o pessoal que contrataste era altamente qualificado. Só tinha de levantar um dedo para que satisfizessem os meus desejos.
– Mas?
– Mas não queria continuar rodeada de desconhecidos. Não era bom para Annabelle, portanto... Aqui estamos.
– Deverias ter-mo dito!
– Qual é o problema? Incomoda-te que quisesse voltar para casa ou que me atrevesse a questionar a tua autoridade?
Cesare inspirou profundamente.
– Mudaram muitas coisas...
– Já me dei conta, mas não penso que a solução fosse ficar a meio mundo de distância.
– Porque decidiste regressar antes do previsto?
– Porque não se trata apenas de ti, Cesare. A vida continua e eu tenho de tentar que Annabelle volte à normalidade o quanto antes. Além disso, quando te disse que os meus planos tinham mudado, falava a sério. Contrataram-me para o casamento de Marinello.
Cesare franziu o sobrolho.
– És uma fotógrafa de prestígio. Desde quando cobres casamentos de famosos?
– Annabelle precisa de se rodear de um ambiente familiar. Não posso levá-la para os confins do mundo.
– O casamento de Marinello converter-se-á num circo mediático. Não vou permitir que Annabelle se veja no meio disso.
– Nunca deixei que o meu trabalho a afetasse de modo algum e não vou fazê-lo agora.
– Não te lembraste de me contar antes do casamento de Marinello?
– Considera-o um efeito colateral do rancor que te guardo por me teres abandonado.
– Tu não sofreste nenhum abandono. Annabelle necessitava de cuidados médicos e não podia viajar até ter recuperado.
– Sim, mas não ia ficar lá para sempre... Embora comece a suspeitar que talvez fosse o que tinhas pensado.
– Claro que não. Estou de acordo em que Annabelle tem de estar em casa, mas não... – calou-se e Ava sentiu um calafrio nas costas.
– Mas não a tua mulher? – ele não respondeu e ela soltou um suspiro trémulo. – Não tens de o dizer, Cesare – esboçou um sorriso tímido. – Neste momento, a minha prioridade é Annabelle. Desde que ela esteja bem, não me importa que te mostres indiferente comigo ou que voltes para Roma.
Um brilho perigoso ardeu nos olhos de Cesare, que apertou os punhos e respirou fundo.
– Vou ficar aqui todo o verão.
O coração de Ava disparou, mas então viu a expressão de desagrado de Cesare.
– Nesse caso, será uma situação muito incómoda para ambos...
– Não te quero aqui. Agora, não.
As suas palavras cruéis foram como facas.
– Porquê?
– Estou a meio de... – passou uma mão pelo cabelo. – Ambos sabemos que o nosso casamento não está bem há muito tempo, mas neste momento não posso permitir-me nenhuma distração.
Ava respirou fundo, deixou a mala na mesa e recordou a si mesma porque estava ali.
– A situação do teu casamento é uma distração?
– Especialmente a situação do nosso casamento. Se tivesses ficado em Bali...
– Mas não o fiz. Gostas de controlar tudo, mas não podes fazê-lo comigo. Esta casa é tanto tua como minha, de modo que não posso expulsar-te. Portanto, terás de suportar a minha presença, assim como a da tua filha.
– Suportá-la? Sou o seu pai.
– Sei o que digo e não me tentes a qualificar o teu papel de pai ou marido. Não penso que gostasses do resultado.
Cesare ficou pálido e engoliu em seco.
– Se queres ter uma conversa civilizada, aconselho-te a que ponderes as tuas palavras, Ava. O que se passa entre nós não pode afetar a nossa filha.
Ava tentou conter a dor que a consumia e sentou-se o mais longe dele que pôde.
– Nesse caso, devemos organizar-nos. Podes estar com ela de manhã, enquanto eu me reúno com os meus clientes, e eu ficarei com ela à tarde. Dessa maneira não interferirei no que achas que estou a interromper. Será como se não estivesse cá.
Ele pôs-se a rir.
– Como um elefante numa loja de porcelanas.
– Só sou assim quando tenho de ser – especialmente quando enfrentava um italiano frio como o gelo e arrebatadoramente atraente, que dava ordens a torto e a direito. Ou quando crescera com um pai que a ignorava e uns irmãos que adoravam imitá-lo. – Às vezes, é a única maneira de nos levarem a sério.
– Foi por isso que voltaste tão repentinamente? Para que te leve a sério? – perguntou-lhe ele, com um tom inquietantemente tranquilo que provocou um arrepio a Ava.
– Voltei porque a minha filha precisa de estar em casa.
– A nossa filha – corrigiu ele, com um brilho perigoso nos olhos. – É tão minha como tua, Ava.
Ela pôs-se de pé.
– A sério? Mal a viste neste último ano. Preferias ficar em Roma e arranjar uma desculpa atrás de outra para não vires para casa. A que propósito vem este desejo repentino de ser pai?
Uma expressão estranha atravessou fugazmente a cara de Cesare, demasiado rápida para que Ava pudesse analisá-la.
– É a minha filha. O meu sangue. É lógico que queira retomar as minhas responsabilidades como pai.
– Retomar? Não podes evitá-las cada vez que te apetece! O que acontecerá se surgir outro negócio em Abu Dabi, em Doha ou na Mongólia? Voltarás a esquecê-la?
– Achas que abandonaria Annabelle pelos meus negócios?
– Oh, não faças essa cara de indignação... Quantas vezes me abandonaste para ires assinar algum contrato no fim do mundo?
– Isso era diferente...
– Esperas que acredite que as coisas vão mudar só porque estamos a falar da tua filha em vez de da tua mulher? Por acaso, não antepuseste os negócios a tirar a tua filha de Bali? – Cesare nunca fazia nada sem o ter calculado em detalhe. A sua decisão inesperada de passar o verão no lago e reclamar os seus direitos como pai era suspeita.
– As coisas mudaram, Ava.
– Como? Eu gostaria que me explicasses claramente como mudaram as coisas.
Ele desviou o olhar.
– O terramoto fez-nos abrir os olhos a todos, não o nego. Estou de acordo em que Annabelle precisa de se rodear de um ambiente seguro e familiar. Os nossos trabalhos são muito exigentes. Se surgir algum imprevisto, ela será bem cuidada. Lucia viverá aqui até que possa contratar outra ama. As duas poderão cuidar de Annabelle.
– Meu Deus... Primeiro, dizes que o terramoto te abriu os olhos e, um segundo depois, admites que a deixarias tranquilamente com uma ama para ires ocupar-te dos teus negócios?
– Tirarei todo o tempo que me for possível para estar com ela, mas não posso esquecer o meu trabalho. Nem sequer no verão.
– Claro que não... Nem sei porque me surpreende. Cesare Di Goia, o capitalista sem escrúpulos que converte em ouro tudo em que toca. Parece que não mudou nada...
– Annabelle fará quatro anos dentro de duas semanas.
Ava franziu o sobrolho, desconcertada pela mudança de assunto.
– Sim, eu sei. E já fiz planos.
– Mas, se vais cobrir o casamento de Marinello, terás de estar na Toscana nas próximas três semanas.
– Vejo que te informaste bem.
– Por alguma razão que desconheço, Agata Marinello empenha-se em manter-me ao corrente dos detalhes do casamento do seu filho.
– És o convidado de honra e a tua empresa financia o reality show de Reynaldo Marinello. Não é preciso ser um génio para perceber o interesse da sua mãe em ti. Além disso, penso que todos os convidados recebem as novidades pertinentes sobre o casamento.
– E foi por isso que bloqueei os seus e-mails esta manhã – replicou ele com impaciência. – Ainda não aceitei o convite para o casamento. Com tudo o que está a acontecer... – calou-se e abanou a cabeça. – Vou pedir que atestem o avião. Paolo levar-te-á ao aeroporto dentro de uma hora. Annabelle ficará aqui comigo. Quando tiveres acabado, falaremos – dirigiu-se para o interfone, mas Ava, fingindo uma naturalidade que não sentia, voltou a sentar-se e cruzou as pernas.
– A família Marinello mudou o local do casamento há três dias. A explicação oficial foi uma praga de térmitas na villa toscana, mas creio que a sua decisão de o celebrar no Lago de Como tenha mais a ver com a tua presença aqui... – encolheu os ombros quando ele franziu o sobrolho. – Amanhã à tarde reunir-me-ei com eles para falar dos preparativos. Mas parece-me que não entendeste o que tentei dizer-te, Cesare. Annabelle e eu somos inseparáveis. Para onde eu vou, ela vai.
– Não deites mais lenha na fogueira, Ava – advertiu-a com tom suave, mas ameaçador. – Não é a altura certa para levar a situação ao limite.
– Talvez devesses esquecer a história de ser pai, voltar para Roma e deixar-nos em paz.
Ele apoiou-se na parede e enfiou as mãos nos bolsos, mas Ava não se deixou enganar pela sua aparente calma. O olhar com que a percorreu de cima a baixo causou-lhe um arrepio e acelerou-lhe ainda mais os batimentos do coração.
Os alarmes dispararam na sua cabeça. Cesare nunca era mais temível do que quando se mostrava tranquilo e sereno. Por alguma razão tinha construído um império financeiro. Não podia prosperar-se tanto nos negócios se não se tivesse uma mente calculista e desumana.
– Não, tens razão. Pensando bem, talvez seja isto o que necessitamos.
Ava sentiu uma vaga de inquietação no estômago.
– Ao que te referes exatamente?
– A submeter o nosso casamento ao escrutínio que merece. A deixarmos de fingir que é mais do que uma farsa. Talvez então possamos discutir assuntos mais importantes, como a custódia da minha filha.
Ava lançou uma gargalhada amarga.
– E achas que eu te permitiria aproximares-te de Annabelle? – levantou-se e aproximou-se dele para lhe cravar um dedo no peito. – Achas mesmo que um juiz concederia a custódia a um pai que abandonou a filha durante quase toda a sua vida?