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Capítulo 4

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Tentando dominar o pânico, Zoe murmurou.

– Disseste que era um helicóptero. Vamos para tua casa de avião?

– Sim – confirmou ele, enquanto o motorista saía e ia abrir a sua porta.

Ao humedecer os lábios, Zoe sentiu que lhe tremiam.

– Onde é a tua casa?

Zoe apercebeu-se de que devia ter feito aquela pergunta com antecedência. Anton permanecia imóvel, mas o seu olhar de aço fez com que, intuitivamente, ela agarrasse a cadeirinha.

A tensão eletrizou o ar.

Quando o motorista abriu a porta, Anton segurou o vidro para o parar, sem desviar o olhar de Zoe.

– Vamos para a Grécia – disse.

– Para a Grécia? – exclamou ela, ficando em guarda. – Mas disseste que…

– Não disse que a minha casa era em Inglaterra – disse ele, como se esperasse que Zoe aceitasse a situação sem discutir.

Mas não foi assim.

– Nem eu nem o meu irmão vamos para a Grécia – disse Zoe, ao mesmo tempo que tentava soltar o cinto de segurança do menino.

– E onde tencionas ir? – perguntou Anton.

– Para casa.

– Como?

– A pé, se for preciso! – exclamou ela. E olhando para ele, acrescentou: – Ou talvez vá falar com a imprensa e lhes diga que és um trapaceiro e um mentiroso e que me sequestraste.

Pela primeira vez, Anton fez um ar de irritação.

– Talvez tenha mentido por omissão – disse. – Mas não te enganei nem estou a raptar-te.

Zoe continuou a tentar soltar o cinto da cadeirinha.

– E o que é isto, umas férias?

– Por exemplo.

– Quem nos espera ao fim da viagem, Anton Pallis, Theo Kanellis?

A forma como pronunciou ambos os nomes, como se a envenenassem, tirou Anton do sério.

– Não – disse, segurando com firmeza na cadeirinha quando Zoe finalmente a soltou. – Queres parar e ouvir?

– Para que continues a mentir? Achas que sou idiota? – Zoe fechou ambas as mãos à volta da asa da cadeirinha. – Pediste-me para confiar em ti e já vês de que me serviu!

– Podes confiar em mim – insistiu Anton. – Não vamos para casa de Theo. Juro-te pela minha honra que a oferta de um refúgio era sincera.

Zoe olhou para ele desdenhosamente antes de soltar uma mão e apalpar a porta, para tentar abri-la.

– Devia ter sabido que a tua amabilidade era mentira – disse, num tom trémulo. – Afinal de contas, és o seu representante. Não é de estranhar que o meu pai tenha evitado todos vocês.

– Isto não tem nada a ver com Leander.

– Não ouses pronunciar o seu nome! – gritou ela. – Para ti, é o senhor Ellis. Agora compreendo que não tenha suportado usar o apelido Kanellis.

– Eu não sou um deles, Zoe – disse Anton. – Reconheço que não te disse toda a verdade sobre o nosso destino, mas…

Praguejou ao ver que Zoe começava a tremer como um vulcão prestes a entrar em erupção e que adquirira uma palidez fantasmagórica.

– Escuta, Zoe… Maldita! – resmungou Anton, quando Zoe abriu a porta subitamente e saiu do carro.

Anton saiu precipitadamente e alcançou-a quando se baixava para pegar em Toby.

Cerrando os dentes, agarrou-a pela cintura e puxou-a antes de ela conseguir agarrar na cadeirinha. Ela retorceu-se e esperneou até Anton a pôr no chão. Segurando-a pelos ombros, obrigou-a a virar-se.

– Ouve – disse, entre zangado e suplicante. – Lamento ter-te aborrecido tanto.

Aborrecê-la? Zoe levantou a cabeça e olhou para ele com os seus olhos azuis tão cheios de rancor que soube que aquela palavra ficava longe de descrever os seus sentimentos.

– Odeio-te! – ela soluçou. – O meu avô e tu destruíram-me a vida e, se não me soltares, vou gritar e pedir socorro.

Respirou fundo e abriu a boca para cumprir a sua ameaça, mas Anton conteve o grito apertando os seus lábios contra os dela. Até ele próprio se surpreendeu por usar aquele recurso para a parar, mas assim que o fez, nem lhe passou pela cabeça afastar-se. Os lábios de Zoe estavam entreabertos e trémulos. As suas línguas encontraram-se e houve uma onda de calor de uma força explosiva. Embora Zoe continuasse a chorar, retribuiu o beijo com uma urgência frenética e Anton soube que agia de forma inconsciente.

Para além da pista, do outro lado do portão, elevaram-se várias câmaras para capturar o beijo. O seu pessoal de segurança permaneceu impassível enquanto via o seu chefe a beijar apaixonadamente a neta de Theo Kanellis depois de terem tido uma discussão monumental. E mesmo assim, a paixão ecoava entre eles como se tivesse adquirido vida própria. Abraçou Zoe contra ele e a dureza do seu corpo fê-la gemer.

Separando os seus lábios bruscamente dos dele, Zoe rejeitou-o com decisão.

– Abusaste!

– Mas tu participaste por vontade própria – disse ele, que não se reconhecia naquele estado de descontrolo.

– És… és… – Zoe ficou sem palavras

Sentia os lábios inchados e quentes. Sensações que desconhecia percorriam o seu corpo, intensificando-se nas suas partes mais íntimas, desde os mamilos endurecidos até à pélvis, contra a qual Anton pressionava a prova da sua resposta física. A forma como olhava para ela naquele momento, como se fosse beijá-la novamente, fê-la sentir temor e desejo.

– Solta-me – sussurrou, sentindo a sua respiração no rosto.

Anton sentia-se alerta, vigorizado. A neta de Theo transformara-se numa obsessão num tempo recorde e ficou desarmado quando aqueles olhos azuis espetaculares se encheram de lágrimas.

– Porque me fazes isto? – ela gemeu.

Ao ouvir um ruído ao seu lado, virou-se instintivamente. Espantada, viu que o carro, com as portas ainda abertas, se afastara.

– Anton! Toby está no carro! O que faz aquele homem com o meu irmão?

O pânico apoderou-se dela, perdendo-a numa espiral de terror. Olhou para Anton e encontrou o seu rosto inexpressivo.

– Por favor! – suplicou, chorosa. – Não me tires o meu irmão!

Com os dentes cerrados, Anton disse alguma coisa, mas ela não o ouviu porque o medo a ensurdecia. Tinham entrado no avião e Anton conduzia-a para o interior. Zoe remexia-se e batia-lhe.

– Toby! – gritou, até o nome ecoar na sua cabeça.

Deixando-a num banco, Anton baixou-se à frente dela.

– Ouve-me, Zoe – disse, com firmeza, consciente de que estava a sofrer um ataque de histeria. Tremia como uma folha e não parava de chorar e de chamar o seu irmão. Anton cerrou os dentes e pôs-lhe o cinto de segurança. – Acalma-te.

Não se importava com o que fizesse desde que obedecesse à sua ordem. Como se as suas palavras tivessem atravessado a névoa do cérebro de Zoe, ela agarrou-se às lapelas do seu casaco.

– Anton, por favor. Preciso do meu irmão. Por favor, Anton, por favor…

Foi como o gemido de um animal ferido, face ao qual ninguém poderia permanecer impassível. Todos os presentes, incluindo Anton, ficaram gelados, e Anton não recordou ter-se sentido tão zangado nem tão envergonhado de si próprio.

Kostas olhou para ele com desaprovação.

– O seu irmão, está aqui, menina Kanellis – disse, com uma doçura que Anton, que o conhecia há anos, nunca o ouvira usar.

Zoe levantou o olhar e viu o menino ainda na sua cadeirinha.

– Toby – sussurrou, aliviada.

– Tenho de o pôr numa cadeirinha de segurança enquanto descolamos – continuou Kostas, no mesmo tom. – Está a duas filas de si. Está a salvo comigo, prometo.

– Obrigada – murmurou ela, antes de se virar para Anton. – Pensava que…

– Sei o que pensavas – disse ele, com solenidade. – Posso ter muitos defeitos, Zoe, mas juro-te que nunca mais darei Toby a ninguém, está bem?

Zoe assentiu, embora se perguntasse porque havia de acreditar.

– Ele é tudo o que tenho – cerrando os dentes, os seus olhos pousaram nos dedos com que ainda se agarrava às lapelas de Anton. – É tudo o que resta deles e…

Sentiu que as lágrimas se acumulavam nos seus olhos como uma onda avassaladora de tristeza dolorosa. Durante três semanas, conseguira conter-se. Permanecera tranquila, guardando os seus sentimentos porque tivera de demonstrar que podia ser uma boa mãe para Toby. Então, aparecera aquele homem e, pela primeira vez, baixara a guarda… E aquela era a consequência: estava num avião no meio do nada, quase a descolar para a Grécia.

Anton observou-a enquanto as lágrimas começavam a cair novamente pelas suas faces, umas lágrimas diferentes das que derramara até àquele momento. Cerrando os dentes e com uma expressão ininterpretável, ele fechou os braços à volta dela e, com uma mão, fê-la apoiar o rosto no seu peito. Não lhe ofereceu carícias reconfortantes nem a encorajou a chorar. Limitou-se a olhar fixamente para as costas do banco de Zoe e a segurá-la enquanto o poço profundo de tristeza em que estava perdida brotava como uma cascata imparável.

Zoe desabafou em soluços violentos entre os quais Anton a ouviu sussurrar «mamã» e «papá».

O comissário de bordo aproximou-se com cautela.

– Senhor, tem de se sentar.

Anton abanou cabeça, resistente a mexer-se e, depois de alguns segundos, o comissário de bordo foi-se embora.

Os motores começaram a funcionar e Anton sentiu a vibração nos pés. Assim que alcançaram altitude suficiente, soltou o cinto de Zoe e, pegando nela ao colo, foi com ela para o quarto que havia na parte de trás. Fechando a porta com o ombro, tirou os sapatos e depositou Zoe na cama. Como continuava agarrada às suas lapelas, em vez de a soltar, deitou-se ao seu lado, mantendo-a abraçada. Cada um dos seus soluços era um golpe contra a sua arrogância cruel e desconsiderada. Quando Zoe ficou finalmente cansada e adormeceu, Anton permaneceu ao seu lado, consciente de que nunca abraçara nenhum ser humano com tanta força, nem sequer durante o sexo.

Esperou que os dedos de Zoe afrouxassem e deslocou-se com cuidado para se levantar e ir à casa de banho. Fechou a porta e apoiou-se contra ela com os olhos fechados, dominado por um sentimento terrível de culpa.

Zoe acordou com a vaga sensação de que tinha acontecido alguma coisa de mal. Na sua mente sucediam-se imagens de si própria a gritar com Anton, a beijá-lo, a suplicar e a chorar. Mexeu-se, franzindo o sobrolho face à certeza de que se humilhara em público. Descobriu que estava numa cama, coberta com um edredão, mas completamente vestida.

Resistindo a abrir os olhos, permaneceu deitada, usando o resto dos seus sentidos. Ao sentir a vibração recordou subitamente o motivo da discussão com Anton e o medo que sentira ao pensar que a separavam de Toby.

– Portanto, estás acordada – disse ao seu lado.

Zoe abriu os olhos, espantada.

– Pensava que ias dormir durante toda a viagem.

Virando a cabeça, os olhos de Zoe encontraram dois olhos pretos que a observaram com ironia. Anton estava deitado ao seu lado, apoiado sobre um cotovelo e com a cabeça apoiada na mão. Tinha umas calças de seda cinzentas e uma camisa azul pálida.

– Toby… – murmurou ela.

– Está aqui – disse ele, indicando o espaço que havia entre os dois.

Seguindo o seu olhar, Zoe viu o seu irmão, a dormir profundamente.

– Bebeu um biberão inteiro – informou Anton. – Depois, fiz uma tarefa imprópria de um homem da minha classe – brincou.

– Mudaste a fralda? – perguntou Zoe, perplexa.

– Sim, embora tenha sujado o fato. Mas como já mo tinhas molhado com as tuas lágrimas, não me importei de ter de mudar de roupa.

Não acrescentou que se recusara a deixar que o ajudassem. Decidira cuidar do menino a modo de expiação, assim como suportar os olhares de recriminação que recebera do seu pessoal.

– Não sei o que dizer – resmungou Zoe.

– Basta um «muito obrigado».

– Não mereces. Sequestraste-nos.

– Voltamos às hostilidades? – suspirando profundamente, Anton levantou-se.

– Mentiste-me e enganaste-me até conseguires fazer com que perdesse a cabeça.

– Perder a cabeça não serve para o descrever – disse Anton, enquanto abria um armário, – mas pensava que tinha sido por causa do beijo.

Zoe recusou-se a olhar para ele ou a responder à provocação.

– Suponho que não devia estranhar o teu comportamento, visto que cresceste sob a influência de Theo Kanellis – disse, sentando-se e abraçando Toby. – És desconsiderado, cruel e manipulador, para além de careceres de escrúpulos.

– Resumiste a minha personalidade na perfeição, Zoe – disse Anton, desprendendo um casaco de um cabide. – Aceitarias as minhas desculpas por te teres assustado tanto?

– Ordenarias que o avião voltasse para Inglaterra?

Anton fez uma breve pausa no processo de vestir o casaco e limitou-se a dizer:

– Não.

Zoe não conseguiu resistir a olhar para ele e sentiu um nó na garganta ao ver o aspeto magnífico que oferecia, o que a tornou mais consciente de como estava desalinhada.

– Então, as tuas desculpas têm tão pouco valor como a tua palavra – disse, ainda que, assim que falou, sentisse que se acendia uma luz de alarme na sua mente por se ter excedido.

Desviou o olhar, que teve de voltar a elevar para o rosto de Anton quando ele deu a volta à cama até chegar ao pé dela.

Observando-a com o menino ao colo e rodeada pelo edredão, Anton pensou que parecia a representação viva da mãe terra, embora nunca tivesse visto uma estátua com aqueles olhos azuis, o cabelo dourado e os lábios tão carnudos e tentadores.

– Se te tivesse dito a verdade sobre a viagem, terias vindo?

– Não – disse ela, afastando o cabelo da cara.

– Então, a minha honra permanece intacta. Tu não podias continuar onde estavas e o único lugar onde eu podia pôr-te a salvo era em minha casa, na Grécia. Já me desculpei pelos meios que usei, Zoe, mas a verdade é que o menino também tem sangue grego, como tu, e tem o direito de conhecer a sua família grega. Ou será que tencionavas incluir a próxima geração na disputa familiar? Porque se for assim, não és melhor pessoa do que o homem a quem não queres chamar «avô». Pensa nisso – dirigiu-se para a porta e, antes de sair, acrescentou. – Aterraremos dentro de uma hora. A tua mala está na casa de banho, recomendo-te que mudes de roupa antes de sair.

Zoe olhou para as suas costas com ódio e murmurou:

– Caçador de fortunas.

Anton ficou paralisado. Zoe não sabia porque o dissera, mas o seu coração acelerou ao ver que Anton recuava.

A dureza que o seu rosto adquirira cortou-lhe a respiração. Passando ao ataque, acrescentou:

– Foste a minha casa e convenceste-me a seguir-te. Talvez até tenhas encorajado os jornalistas a assustar-me – levantou-se e deixou Toby na cama. – Theo quer o seu neto e estás decidido a cumprir as suas ordens mesmo que signifique levar-me também.

– E isso transforma-me num caçador de fortunas? – perguntou ele, com uma calma enganosa que aterrorizou Zoe.

Cerrando os punhos, tentou não se deixar intimidar.

– Até há três semanas, tu eras o herdeiro de Theo. Não sei muito de leis, mas imagino que o aparecimento de Toby e o meu muda um pouco as coisas. Se não, porque havias de ter tanto trabalho para nos levar para Grécia?

Anton permaneceu calado, olhando para ela fixamente.

– Diz alguma coisa! – explodiu Zoe.

– Estou à espera que chegues às tuas próprias conclusões antes de dar a minha opinião – disse ele.

Zoe cruzou os braços.

– Disseste-me que Theo estava muito doente e que queria o meu irmão. Se me incluíste foi para evitar o escândalo de nos separar. Portanto, suponho que queres agradar ao meu avô – embora uma voz interior lhe aconselhasse que se calasse, não conseguiu conter-se. – Ou traçaste um plano para continuar a ser o herdeiro e tornar-te tutor de Toby?

– Essa é a tua definição de caçador de fortunas? – perguntou Anton, com o olhar fixo nela. Quando assentiu, Anton continuou. – Vê-se que não tiveste em conta que há outro meio mais simples de manter o controlo sobre a fortuna de Theo, em que tu estás envolvida.

– Não sei a que te referes – disse ela, num tom trémulo.

– Bastaria fazer-te minha esposa e adotar Toby. Dois pelo preço de um – disse ele, com um sorriso cruel. – E visto que não tenho honra e minto e sequestro inocentes… – Anton encurralou-a até Zoe chocar contra a parede.

Depois de uma pausa breve e teatral, continuou:

– De facto, Theo adoraria esse plano. Os gregos são muito românticos – olhando para ela fixamente e com um sorriso insinuante, acrescentou: – O que me pergunto é de quem tens mais medo, se do teu avô, de mim… ou de ti própria.

Zoe apercebeu-se de que o seu coração acelerava e de que lhe faltava o ar, mas por mais que tentasse reagir, não conseguiu desviar o seu olhar dos lábios sensuais de Anton.

– Claro que se não estiveres disposta a cumprir o acordo – continuou ele, com um brilho sarcástico que fez com que Zoe sentisse pele de galinha, – posso enviar-te para junto de Theo para te prender até mudares de opinião. Sabes que os homens gregos não têm escrúpulos. Talvez até decida… – levantou a mão e pô-la ao lado da cabeça de Zoe, – beijar-te novamente – murmurou, – ou ir para a cama contigo – e aproximou o seu corpo do dela com uma lentidão provocadora. – De facto, podia fazer-te minha, antes de pisarmos em terra grega e transformar-te…

Zoe esbofeteou-o. Levantou a mão e deixou-a cair com toda a sua força sobre a face dele. A palma doeu-lhe ao entrar em contacto com as suas maçãs do rosto marcadas, mas não se importou.

– Desaparece da minha vista! – exclamou.

Legado de paixões - O homem que arriscou tudo

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