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Capítulo 5

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Anton ergueu-se, deu um passo atrás e, por alguns segundos que pareceram eternos, entreolharam-se fixamente. A cena desagradável que acabara de acontecer flutuava no ar entre eles, criando uma mistura de emoções entre as quais Zoe reconheceu, preocupada, a atração. Estava certa de que odiava Anton e, no entanto, também desejara que a beijasse. Fora por isso que o esbofeteara, fugindo de um desejo que se recusava a sentir.

Os olhos de Anton eram duas brasas cujo calor lhe permitiu intuir que ele também se sentia confuso. Estava pálido sob a sua compleição morena e os seus dentes estavam fortemente cerrados.

Finalmente, ele deixou escapar um suspiro prolongado.

– Receio que tenha voltado a comportar-me inadequadamente – admitiu. – Por favor, aceita as minhas desculpas.

Zoe não conseguiu falar e, depois de alguns segundos, Anton virou-se e foi-se embora.

Quando ficou sozinha, Zoe afastou-se da parede e deixou-se cair sobre a cama ao mesmo tempo que libertava o ar que ficara preso nos seus pulmões. Tinha a sensação de ter acabado de participar numa luta de boxe. Estava cansada. E o pior era que ela própria causara a discussão ao acusar Anton de ser um caçador de fortunas.

Porque o teria feito se, apesar de tudo, não acreditava que fosse capaz de cair tão baixo?

A verdade era que já não sabia em que acreditar. Ao levantar-se naquela manhã e encontrar a carta do seu avô sentira-se ferida e ressentida. Quando abrira a porta e aparecera Anton Pallis, tinha-o deixado entrar com a certeza de que o expulsaria numa questão de minutos. E, no entanto, quanto mais falavam, ou discutiam, pensou com um sorriso, mais sabia que podia confiar nele. Quem no seu juízo perfeito confiaria num mentiroso? Porque preferia pensar que o que acabara de dizer fora uma maneira de se vingar por o ter acusado de ser um caçador de fortunas?

Toby tremeu com um soluço e Zoe virou-se.

– Não te tiraram os gases – disse.

Recordou que fora o próprio Anton que tratara dele e sorriu ao ver que não conseguira fechar bem os colchetes da roupa.

Aquele homem perturbador era uma mistura de doçura e severidade, de consideração e crueldade. Porque Zoe estava convencida de que cuidara de Toby como demonstração de arrependimento.

Inclinando-se para ele, endireitou-lhe a roupa e pô-lo ao ombro.

– O que fazemos, Toby? – perguntou. – Aceitamos a oferta de ir conhecer o avô ou continuamos com a batalha?

O menino arrotou e Zoe voltou a pô-lo na cama.

– Já que estamos virtualmente na Grécia, suponho que não vale a pena continuarmos a protestar – decidiu, suspirando.

Mas, de repente, apercebeu-se de que para entrar na Grécia precisariam de passaportes…

Dez minutos mais tarde, depois de se arranjar, Zoe voltou à cabina principal. Só então é que se apercebeu do interior luxuoso e incomodou-a que seis membros do pessoal se levantassem para a receber.

Sentado relaxadamente no seu lugar, Anton levantou o olhar do computador, observando aquela demonstração voluntária de respeito dos seus homens à passageira, e não conseguiu evitar compará-la com os olhares de recriminação que lhe tinham lançado a ele.

Nem sequer Kostas, que nem sequer olhou para ele ao passar ao seu lado para receber Zoe, falava com ele.

Anton virou a sua atenção para o computador enquanto o ouvia perguntar a Zoe se tinha descansado e se oferecia para pôr o menino na sua cadeirinha. Nunca vira aquela faceta de Kostas e muito menos quando, ao sair do quarto, se aproximara para lhe dizer que o seu comportamento fora vergonhoso.

E embora estivesse de acordo com ele, Anton não quisera admiti-lo. Como também não lhe falaria dos outros sentimentos, como o desejo e a atração. A neta de Theo, com os seus olhos azuis vivos, o seu cabelo dourado e a sua pele pálida, assaltava os seus sentidos, deixando-o sem capacidade de reação.

O facto de o enfrentar como uma igual só servia para despertar ainda mais a sua curiosidade. Embora ela se sentisse ofendida se soubesse, a verdade era que tinha a força de Theo. Era uma mulher valente na adversidade e decidida a sobreviver. Anton admirava-a e desejava-a em partes iguais. Sentira-se confortável com ela desde o instante em que entrara em sua casa e fora por isso mesmo que não se incomodara em questionar-se se lhe pareceria bem o plano que preparara para ela e para o seu irmão.

Agira como um homem concentrado em cumprir uma missão, dominado pela adrenalina de ter de tomar decisões e não parara para pensar que qualquer golpe podia derrubar as suas defesas frágeis. Como consequência, Anton tinha a certeza de que recordaria durante muito tempo os gemidos lancinantes de dor que tinham brotado da sua garganta. Era o seu castigo e merecia-o. Como o de o acusar de ser um caçador de fortunas.

O seu perfume a maçã precedeu-a. Mudara de roupa e vestia uma túnica preta e tinha o cabelo preso numa trança frouxa.

– Tenho de falar contigo – disse.

– Por favor, senta-te – convidou ele, deixando o computador de lado.

Zoe mordiscou o lábio, porque teria preferido sentar-se à frente dele e evitar a proximidade, mas finalmente sentou-se com as costas muito erguidas e disse:

– Esqueceste-te de que para entrar na Grécia precisamos de passaportes. Vamos ter de voltar.

Anton olhou para ela sem se alterar.

– Está resolvido – disse, com óbvia satisfação. Depois, inclinou-se para o lado e, tirando uma pasta do banco, pô-los sobre a mesa.

Zoe observou-o, perturbada, enquanto ele a abria e rebuscava até tirar um documento com o selo do governo britânico, que lhe deu.

– O teu irmão viaja com um visto de urgência – explicou, enquanto ela o lia. – Pedi-o aduzindo à gravidade do estado de saúde do teu avô.

Anton passou-lhe outros dois papéis.

– Esta é uma carta do teu médico a dizer que Toby está condições de viajar e esta é dos serviços sociais a dar-te permissão para viajar para o estrangeiro com o teu irmão.

– Conseguiste tudo isto sem que ninguém se incomodasse em consultar-me? – perguntou Zoe, perplexa.

Anton assentiu.

– Só como medida de precaução no caso de surgirem problemas com a custódia – esclareceu. – Dentro de alguns dias, chegará um passaporte para Toby à embaixada em Atenas.

– É preciso uma fotografia para o passaporte – sussurrou Zoe, sem desviar o olhar dos documentos.

– Tirei-lhe uma com o telemóvel e enviei-a ao departamento correspondente.

– Quando? – perguntou Zoe, começando a indignar-se.

– Enquanto fazias as malas – disse ele, sem se aperceber da reação que estava a despertar nela. – Como todos os jornais falavam de ti, não me custou fazer com que as pessoas compreendessem a situação e acelerassem os trâmites. Conheço pessoas nos sítios adequados.

Zoe sentiu que lhe fervia o sangue.

– Está claro que a riqueza e o poder são muito úteis.

Anton devia ter percebido alguma coisa no seu tom porque olhou para ela. No meio de um profundo silêncio, ele bateu com os dedos sobre a mesa e Zoe respirou fundo para conter a raiva.

– Receio que tenha voltado a cometer um erro – disse ele finalmente, suspirando.

– Porque não contaste comigo?

– Porque não precisava de ti. Agi como o teu advogado.

– E ninguém pensou em confirmá-lo?

– Como te disse, todos se mostraram muito atentos.

Zoe deixou escapar uma gargalhada sarcástica.

– Claro e como és tão encantador e um grande manipulador…

– Dizem que é uma das minhas maiores virtudes.

Zoe olhou para ele e viu que esboçava um sorriso enquanto lhe pedia desculpas com o olhar. Recostando-se, abanou a cabeça com impotência, pensando que o encanto era apenas uma das muitas características que faziam com que aquele homem conseguisse o que queria. Para sua tristeza, sentiu que os lábios formavam um sorriso.

Aproveitando a trégua, Anton chamou o comissário de bordo e pediu um chá para Zoe.

– E diz a Kostas para ir ver o menino. Pareceu-me ouvi-lo.

O comissário de bordo assentiu e foi na direção indicada. Zoe tentou levantar-se, mas Anton reteve-a, pondo a sua mão sobre a dela.

– Fica e conversa comigo – disse, num tom rouco.

Zoe hesitou e perdeu o impulso. Não a parou o desejo de ficar com o seu inimigo, mas a surpresa de os seus dedos descansarem sobre os dela com delicadeza, mais suplicantes do que impositivos. Zoe baixou o olhar e viu o contraste entre a pele de Anton, escura e quente, e a palidez fria da dela. Um calor que começava a parecer-lhe familiar assentou na sua barriga, enquanto se repreendia por ser tão contraditória. Ou odiava Anton ou gostava dele, mas não podia sentir as duas coisas simultaneamente.

– Não sou o teu inimigo – murmurou ele, como se conseguisse ler-lhe o pensamento. – Sei que te dei motivos para desconfiares de mim. Mas quero demonstrar-te que sou digno da tua confiança.

Zoe sentiu que queria ceder. Estaria a sofrer da síndrome de Estocolmo? Era uma estúpida por querer acreditar nele?

Kostas passou ao seu lado a caminho de ver Toby. Numa decisão súbita, Zoe parou-o.

– Eu vou – disse ao homem da segurança. E sem olhar para Anton, tirou a mão de baixo da dele, levantou-se e foi-se embora.

Aterraram quando o sol se punha sobre o mar cintilante. Kostas, que parecia ter-se transformado no seu protetor, ocupou-se de tirar Toby da cadeirinha e Zoe não se incomodou em evitá-lo.

Todos os tripulantes estavam de pé, a recolher as suas coisas, incluindo Anton, que estava de costas. Zoe pensou que tinha umas costas perturbadoramente musculadas e obrigou-se a olhar para outro lado.

Assim que pararam os motores, Anton falou por telefone. Zoe ouviu-o a dar ordens num tom grave e aveludado.

Ao ver que ia vestir um casaco, Kostas disse:

– Não precisa dele, thespinis. A temperatura exterior é de vinte e sete graus.

Ao pô-lo no braço, Zoe virou-se e descobriu Anton a observá-la com uma expressão perturbada e ela levantou o queixo mecanicamente, consciente de que corara.

Saíram do avião. Anton precedia-a e Zoe observou que, apesar do calor, vestira o casaco, recuperando o seu aspeto de homem de negócios elegante.

Kostas, com Toby, fechava o grupo.

Zoe parou por um instante para se deixar envolver pelo calor e o perfume a jasmim, limão e tomilho que impregnava o ar. Ao fundo da pista havia uma fileira de carros à espera deles: duas limusinas, um pequeno autocarro e um carro junto do qual havia um homem com aspeto oficial.

Zoe viu que o pessoal de Anton se dirigia para o oficial com os passaportes. Anton seguiu-os com o saco do computador ao ombro, falando ao telefone e fazendo gestos de impaciência com a mão livre.

Depois de poucos passos, Zoe sentiu uma sensação estranha e, quando a identificou, teve de parar. Estava na Grécia. Pensou: «estou a pisar na terra natal do meu pai pela primeira vez na minha vida.»

Entre todas as razões por que não quisera fazer aquela viagem, não lhe passara pela cabeça aquela sensação estranha e eletrizante que irradiava dos seus pés e ia percorrendo o seu corpo até se transformar na revelação de que aquele era um dos momentos mais profundos e intensos que experimentara.

Fechando os olhos, deixou-se levar pela sensação e pela noção peculiar de que finalmente estava em casa, uma ideia absurda, visto que ela era tão britânica como o chá, o cheiro das rosas no verão, ou o Big Ben. Ela era uma rapariga de climas cinzentos e húmidos, uma loira com pele delicada. Era a filha da sua mãe. E, no entanto, naquele instante sentiu que os seus genes gregos pugnavam para escapar dos esconderijos onde até então tinham permanecido e para se apoderar dela como animais famintos. Inclinou a cabeça para trás e respirou fundo, deixando-se possuir por aquela sensação de paz.

Seria essa a razão pela qual o seu pai não quisera voltar? Sabia que, como ela, experimentaria aquela sensação quase espiritual de que voltava ao seu lar?

– Zoe…

Aquela voz novamente, grave, modulada como a do seu pai. Só que naquela ocasião, reconheceu a diferença.

Baixou o queixo e, ao abrir os olhos, viu Anton, ainda mais bonito sob a luz do seu sol natal. Os seus olhos tinham perdido a sua qualidade de aço e tinham adquirido o aspeto aveludado do chocolate. Olhava para ela com preocupação e os seus braços formavam uma curva ao lado dela, como se se preparasse para a segurar se desmaiasse.

– Estou bem – murmurou ela.

– Não parece – disse ele.

– Foi o choque de estar aqui depois de tantos anos – admitiu. – Não esperava sentir… nada.

Anton começava a perceber que a bonita filha de Leander Kanellis sentia tudo profunda e apaixonadamente. A curiosidade de como se traduziria essa intensidade na cama ativou os seus sentidos, mas também o fez baixar os braços num gesto brusco de retirada.

«Território proibido», disse-se. Zoe entrara nele desde que o acusara de andar atrás do dinheiro do seu avô.

A mudança de atitude em Anton devolveu Zoe à realidade e, ao olhar para o horizonte, viu que só restavam as duas limusinas.

– Desculpa – disse. – Estou a atrasar-te.

– Não te preocupes – disse ele, amavelmente. – Já resolvemos todos os trâmites.

– Onde está Toby?

– Com Kostas, no segundo carro – Anton tirou um passaporte do bolso e deu-lho. – Aqui tens. Espero que não te importes que Kostas o tenha tirado da tua caixa de documentos.

– Obrigada – disse ela, pensando que era demasiado tarde para protestar.

– E agora, se já sentiste a terra dos teus antepassados, será melhor irmos.

Zoe assentiu e seguiu-o. Percebia que o tinha irritado, mas não sabia exatamente porquê. Encolhendo os ombros, olhou novamente à sua volta com curiosidade. Tinham aterrado num pequeno aeroporto privado e, ao longe, via-se o mar e colinas cobertas de pinheiros.

– Onde estamos? – perguntou.

– Em Thalia – disse Anton.

Zoe acelerou o passo para o alcançar.

– Thalia era a filha de Zeus – comentou, tentando recordar a mitologia grega.

– Ou a ninfa da juventude – sugeriu ele.

– É uma ilha? – inquiriu Zoe com desconfiança, parando bruscamente.

Anton chegara ao carro e virou-se com um ar de impaciência.

– Importas-te de deixar as lições de história grega para outro momento? Está a tornar-se tarde e tenho de voltar antes de anoitecer.

Zoe virou-se, observando os arredores. Estavam rodeados de mar. Devia tratar-se de uma ilha muito pequena.

– Fizeste-o novamente, não foi? – perguntou, irada. – Quebraste a tua promessa!

Anton suspirou.

– É impossível ter uma conversa normal contigo. Pode saber-se o que se passa agora?

– O que se passa? – Zoe levantou os braços. – Isto! Tencionas ir-te embora e deixar-nos com Theo Kanellis.

– Enlouqueceste? – perguntou Anton, indignado. – Esta ilha é minha, não de Theo. Nem sequer sabes onde nasceu o teu pai?

A julgar pela cara de surpresa de Zoe, Anton deduziu que não tinha ideia. O sol do entardecer fazia o seu cabelo resplandecer como se fosse um halo. «Maldita», pensou. E soube perfeitamente o que o fazia praguejar.

– A ilha do teu avô chama-se Argiris! – exclamou, furioso, apontando com um braço. – Fica a cinquenta quilómetros daqui.

– Ah… – disse ela. E olhou na direção que lhe indicava como se conseguisse vê-la.

Anton permitiu-se o prazer culpado de se imaginar a aproximar-se dela para a abraçar e beijar nos lábios que franzia numa careta encantadora.

– Entra no carro! – ordenou, ao mesmo tempo que abria a porta e esperava que Zoe entrasse.

Mais uma vez, o seu perfume precedeu-a, avivando os seus sentidos.

– Se não confio em ti, é por tua causa – disse ela com frieza, antes de entrar no carro com um suspiro.

Anton fechou a porta com firmeza e dirigiu-se para o outro carro sob o olhar atento de Zoe. Verificar que não conseguia suportar viajar com ele causou-lhe um vazio no estômago.

– É melhor não o fazer zangar – disse alguém ao seu lado.

Legado de paixões - O homem que arriscou tudo

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