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Adalberto era feliz.

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Seria difficil imaginar uma vivenda mais linda do que aquella em que corriam os primeiros annos de Adalberto; era o campo da Normandia com seus vallados, seus arbustos, extensos prados, campos dourados, com todos os seus perfumes e flôres. D'estes thesouros participava Adalberto com todas as outras crianças do logar, porque para todos tinha Deus dado aquellas felicidades; mas, do que só aquelle rapazinho gozava, com seus irmãos e sua irmã, era d'uma bonita e grande casa, cujas janellas deitavam para um lindissimo jardim, onde se podiam admirar as mais formosas rosas.{6}

Por todos os lados arvores verdes, alamos, sobreiros, carvalhos, ormeiros, por entre as quaes se viam ora ruas caprichosas, ora limpidas aguas onde viviam lindos peixes. No fim do parque havia um labyrintho formado por lilazes e clematites onde a gente se perdia; tantas voltas elle dava. Esse labyrintho parecia feito de proposito para jogar as escondidas; e era um dos grandes divertimentos de Adalberto andar procurando seus irmãos Eugenio e Frederico, e sua irmã Camilla.

A cincoenta passos do castello via-se n'um grande lago um barco pintado com as mais vivas côres. Este barco era o encanto de todos os pequenos. Um passeio sobre a agua, ao luar, era o mais desejado de todos os divertimentos de Valneige, talvez porque este favor só se obtinha quando se era premiado, e a troco dos muito bem e optimamente. É que não ha maior prazer do que aquelle que alcançamos pelo cumprimento do dever.

Perto do lago havia um bonito casal pertencente aos paes de Adalberto, e alli, uma duzia de vaccas em uma grande arribana, e mais um toiro que mettia medo, apesar do seu olhar bem meigo. Mais longe, n'uma grande estrebaria, sete ou oito cavallos de lavoura, grandes e robustos. Defronte quatrocentos carneiros chegando-se uns para os outros, vivendo felizes e tranquillos. No pateo, na estrebaria, nas mangedouras, na estrumeira, sob os telheiros, por{7} toda a parte gallinhas, frangãos, gallos, gansos, patos, uma multidão de pequenos seres esvoaçando, banhando-se, brigando e escarnecendo de todos com uma incrivel sem ceremonia.

A tia Barru era a rainha d'este pacato imperio, ou por outra era a caseira; sendo muito razoavel, só perdia o seu bom humor em duas occasiões: quando um criado se embriagava, ou quando uma gallinha ia esconder longe os ovos. N'estes casos, que ella reputava merecedores da forca, ralhava do criado e da gallinha durante muito tempo; se não tinham emenda; punha-se o criado na rua e a gallinha na panella.

Pode imaginar-se quanto eram agradaveis os primeiros annos de Adalberto passados entre brinquedos e estudos nada difficeis, sob as vistas de paes extremosos. Eugenio e Frederico, ambos mais velhos do que elle, iam entrar no collegio com grande desgosto de Adalberto, que muito gostava d'elles, apesar das suas continuadas questões. Os grandes, como diziam em Valneige, sabiam que se não deve abusar da força, e como teriam de certo vencido Adalberto, tão pequeno e delicado, estes bons rapazinhos consentiam, seguindo os conselhos de sua excellente mãe, em ceder nas questões de todos os dias a proposito d'uma pella ou d'um peão.

Camilla era toda doçura, e, ainda que tivesse{8} perto de quatorze annos, entretinha-se a jogar as damas com o seu manosinho, a quem os oito annos faziam muitas vezes confundir as suas tabulas com as do adversario. Era dotada de toda a paciencia de sua mãe e da seriedade de caracter de seu pae. Os senhores de Valneige tinham-lhe dado uma grande prova de confiança, permittindo-lhe que cuidasse da primeira educação de Adalberto, que lhe chamava mamãsinha. A querida menina, graças aos verbos e aos themas, tratava-o ás vezes por meu filho, tomando um ar serio, que fazia rir immenso o senhor de Valneige.

Tudo estava regulado no campo; as horas da comida, as do estudo e as do recreio. Como a regularidade é, em tudo, uma excellente coisa, havia no palacio dois relogios; um de dar horas outro vivo. O primeiro estava dependurado no vestibulo; o segundo subia e descia a escada trinta ou quarenta vezes por dia, entrava nos quartos, ia, vinha, girava, ralhava, sabia tudo, via tudo. Ah! que relogio! chamava-se Rosinha; tinha-lhe a madrinha posto este lindo nome julgando que a afilhada nunca envelheceria; mas como havia já setenta annos, a afilhada tinha rugas, as mãos magras, e as faces encovadas.


Meu filho! (Pag. 8.)

Era uma boa mulhersinha, bem activa, um pouco impertigada, mas muito bondosa e inteiramente dedicada á familia, e á casa. Estava alli havia tanto tempo que ninguem{9}

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{11} fazia idea do que seria Valneige sem Rosinha, nem Rosinha sem Valneige.

A boa da velha tinha conservado as saias curtas d'outro tempo, as toucas chatas com folhos encanudados, o lenço do pescoço branco com flôres vermelhas, emfim o que ella chamava o trajo da sua terra. Rosinha era de uma tal exactidão que chegava a ser minuciosa; conhecia a hora pelo cantar do gallo, pela sombra das arvores, pelo grito das aves, pelas fraquesas de estomago que tinha em certos momentos, e pelas caimbras nas pernas, que sentia um pouco mais tarde: era, por consequencia, d'uma inexcedivel exactidão no cumprimento de toda a regra estabelecida. Se Rosinha governasse o mundo, os que se queixam por elle andar torto tambem se queixariam; tão direito elle andaria!

Graças a este espirito de exactidão chamavam-lhe o relogio vivo de Valneige, e na realidade ter-se-hia bem dispensado o outro, que só sabia dar horas, como uma machina que era. Um olhar de Rosinha mandava para o trabalho os pequenos preguiçosos, que se entretinham na escada ás horas da lição; um gesto seu chamava do fim do parque os mais traquinas; emfim, nas circumstancias importantes, a sua voz imperiosa obrigava cada um a entrar no seu dever, fosse qual fosse a distracção presente.

Em vez de se dizer; o relogio vae dar horas;{12} dizia-se, Rosinha vae passar, e o regimento desfilava em boa ordem sem dar palavra. Os senhores de Valneige approvavam muito esta vigilancia que tornava mais facil a sua, e as proprias crianças, temendo um pouco os ares sérios que a velha sabia tomar, gostavam comtudo d'ella porque era justa, porque fazia os dôces, e porque era sempre ella quem da melhor vontade se prestava aos seus caprichos, comtanto que esses caprichos não se lembrassem de vir uma hora mais tarde ou mais cedo do que devia ser. O relogio primeiro do que tudo.{13}

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