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VICTOR CONSIDÉRANT

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Um dia Victor Consideram dirigia-se á Escola Polytechnica, e atravessava os caes de Paris, bouquinant, como dizem os francezes, isto é, entretendo-se a vêr as curiosas livrarias, de livros raros e antigos, que guarnecem as varandas dos caes, na margem esquerda do Sena, e que constituem uma das primeiras curiosidades da grande capital da França, quando, subito, se lhe deparou uma obra que lhe despertou a attenção e a curiosidade. Era o Nouveau monde commercial de Fourier. Abriu-o, leu-o e estudou o minuciosamente.


No fim do livro, Fourier dizia, pouco mais ou menos, o seguinte:

«Precisa-se um capitalista, para realisar um novo mundo. Carta para minha casa.»

E designava a sua morada.{22}

Considérant apresentou-se em sua casa.—«Não sou o seu homem, disse. Não tenho dinheiro, mas comprehendi-o».

Fourier havia encontrado o seu primeiro discipulo, que lhe levava a mais que os capitaes pedidos—o genio para vulgarisar as suas theorias.

Fourier nutrira, desde creança, um horror invencivel pelo commercio. Filho de commerciante, e tendo apenas sete annos de edade, ouviu um dia o pae gabar-se á mãe de haver enganado um cliente. Vexado por este proceder que qualificou de villão, procurou o freguez, afim de participar-lhe o occorrido. Valeu-lhe a indiscrição um bom par de bofetadas; mas, desde esse momento, votou ao commercio esse odio que transparece nos seus primeiros livros.

«Possuo o segredo da felicidade, para todos os homens—dizia».—Intimaram-n'o a provar praticamente a sua asserção.—«Escrevel-o-hei—respondeu».

«O genero sahe das mãos do productor, custando 3, por exemplo, e chega ás mãos do consumidor valendo 9. O intermediario, isto é o commerciante, ganhou, portanto, 6, na sua commissão, o que não succederia evidentemente, supprimindo-se o intermediario, e estabelecendo-se, pura e simplesmente, a troca entre productores e consumidores.

O seu systema baseava-se sobre o principio da felicidade humana, e o ideal do mosteiro de Théléme não foi estranho ás suas concepções. «A felicidade consiste em cada um fazer o que quizer.» Mas, fazendo cada um aquillo que quer, corre tambem o{23} risco de fazer o que os outros não querem. A esta objecção respondia elle que na natureza tudo se equilibra—o mal e o bem.

Fourier era um poeta, mas tinha-se por homem pratico. Uma occasião, terminando uma conferencia sobre o futuro da humanidade: «E agora, concluiu, preparemos o cosido.»

Ninguem contesta o grande alcance philosophico, da theoria phalansteriana; mas a sua parte organica e sociologica, observou muito bem Anthero de Quental, é quasi a negação do verdadeiro socialismo, positivo, liberal e moral.

Victor Considérant pretendeu primeiro fundar um phalansterio em Conde-sur-Végre que não passou de uma tentativa infructuosa. A ideia, porêm, fructificou mais tarde, embora de modo differente, por occasião da fundação de uma colonia de velhos, n'aquelle mesmo paiz, que se denominou—«o phalansterio.»

Em Texas estabeleceu Considérant, não um phalansterio, mas uma colonia agricola. Uma sedição, organisada por Cantagrel, desapossou-o do territorio e obrigou-o a retirar-se com sua esposa. A colonia prosperou a principio; depois desaggregou-se. Era mal vista pelos naturaes por causa da sua falta de religião—diziam.

Um pintor de Paris, Capy, ensinava a musica. «Todos os domingos, respondia elle a um inspector americano, fazemos musica.» Ah! n'esse caso, é differente, exclamaram os bons Yankees, sempre ali ha um pouco de religião, uma vez que se canta.»{24}

E a verdade é que as censuras cessaram. Os membros da colonia, tambem, por seu turno, deixaram de ser phalansterianos.

É mister ir a Iowa, para encontrar uma colonia communista—a Icaria. Tudo ali é commum, sem mesmo exceptuar as mulheres. Podem-se estabelecer uniões temporarias, mas de curta duração; se as uniões se prolongam, a authoridade intervêm, porque, nesse caso, affirmam os estatutos, a cousa torna-se immoral.

Vejamos, porêm, como Victor Considérant considerava a organisação da nova ordem social.

O primeiro feudalismo que sahiu da conquista militar, havia feito concessão do sólo aos chefes militares e aos nobres, subordinando as populações conquistadas á pessoa dos conquistadores pela servidão da gleba.

A guerra industrial e commercial, succedendo é guerra militar, sob a fórma de concorrencia, em que o capital e a especulação ficam forçosamente senhores do trabalho pobre, tende a constituir, pelas suas conquistas, uma nova servidão—não a servidão pessoal e directa, mas a servidão indirecta e collectiva, o dominio, em massa, da classe dos possuidores de capitaes, das machinas e dos instrumentos de trabalho, sobre a classe dos desherdados.

E, com effeito, os proletarios das cidades e dos campos, considerados collectivamente, estão sob a dependencia absoluta d'aquelles que monopolisam os instrumentos de trabalho.

Este grande facto economico e politico póde traduzir-se, pela seguinte formula, na vida pratica:{25} «Para ter que comer todo o proletario é obrigado a subjeitar-se a um patrão.»

A revolução não se completou, pela simples emancipação politica, isto é pelo dogma metaphysico da egualdade perante a lei, ou da liberdade pura e simples.

A antiga sociedade havia sido organisada, pela guerra e para a guerra. A nova sociedade terá de ser organisada pelo trabalho e pela paz e para o trabalho e para a paz.

O problema dos nossos dias não póde pois, visar senão á libertação dos servos da industria, dando a todo o homem que queira trabalhar o direito aos instrumentos do trabalho, tornando-o assim proprietario dos fructos do seu labor, e creando a ordem, a cooperação e a convergencia no campo industrial.

A solução d'este problema, que não é outra cousa senão a transformação do salariado, a moderna fórma de escravidão, constitue o complemento da revolução, e póde e deve intitular-se o problema social.

Tal era, em rapidos traços, a doutrina d'essa altissima personalidade e d'esse bello caracter que se chamou Victor Considérant, e que tantas vezes vimos atravessar o boulevard S.t Michel, no bairro latino, consagrado pela mocidade das escolas e venerado por todos os que, acima dos materialismos do mundo, põem o supremo ideal da bondade e da felicidade humana.{26}

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O Primeiro de Maio

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