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AMILCARE CIPRIANI

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Ao chegarmos a Zurich, na tarde de 6 de agosto de 1893—Amilcare Cipriani e eu—um soberbo e imponentissimo espectaculo se nos offereceu logo á vista, como só a Suissa seria capaz de offerecer e realisar. As sociedades do Grütli desfilavam pelas ruas da cidade, com os seus estandartes e philarmonicas á frente, no meio do enthusiasmo e das acclamações da multidão. Estas associações constituem uma das grandes e uma das primeiras forças da poderosa republica. A sua origem é lendaria, e deriva do local, onde se reuniram os amigos de Guilherme Tell, quando decidiram conspirar contra Gessler.

As sociedades do Grütli constituiram-se e organisaram-se, a principio, com um caracter puramente patriotico; mas teem-se transformado, pouco a pouco, e hoje são, na sua maioria, socialistas.

Nada mais bello e magestoso do que o desfilar d'esses 9:000 trabalhadores, todos pittorescamente vestidos com os trajos das suas profissões e os distinctivos correlativos, e precedidos por 150 bandeiras, quatro das quaes eram vermelhas.

São estas as procissões da republica, e ninguem que as presenceie póde deixar de se descobrir reverente{34} e solemnemente. O homem livre, associado e independente substituia o soldado escravo, tyrannisado e ás ordens de um senhor; ao principio da guerra contrapunha-se o principio da solidariedade humana; ao militarismo, o socialismo; ás armas e aos petrechos de guerra, os instrumentos do trabalho e os symbolos da paz.

O cortejo havia sido organisado em honra dos congressistas. Na rua, o povo formava alas á passagem dos seus representantes. Calculava-se em mais de 40:000 o numero dos cidadãos que accorreram ao chamamento dos iniciadores do congresso. Nas janellas os espectadores applaudiam phreneticamente e lançavam flôres á passagem dos manifestantes. A recepção era digna e estava em tudo e por tudo á altura das ideias que se glorificavam. Celebrava-se a abertura do congresso operario socialista e não havia, com effeito, melhor meio para solemnisar a gloriosa data.

Fallemos, porém, de Amilcare Cipriani.

Tenho deante de mim o seu retrato. Na sua physionomia transparece a bondade do seu coração, e nos seus olhos a candura e a gentileza da sua alma. Guardo d'elle a recordação saudosissima de um homem que põe a sua dignidade e o seu brio pessoal acima dos seus interesses e das suas conveniencias; do apostolo que colloca as ideias e os principios acima das paixões humanas; do revolucionario, emfim, que ao amor da humanidade sacrifica a vida, a familia, o bem estar e a tranquillidade. D'elle poderia dizer que é um exemplo a seguir e a imitar, e d'elle afirmarei, sem receio de contestação, que{35} é unico e excepcional, no meio de uma sociedade mercantil, gananciosa e covarde.


Amilcare Cipriani tem hoje 47 annos de edade, dos quaes 22 foram passados no carcere. Honrado, valente e desinteressado, nunca hesitou, sempre que a causa da liberdade careceu do seu braço para a defender. Bateu-se, como um heróe, no Egypto; bateu-se na Grecia: bateu-se pela Italia, a sua patria querida e bateu-se pela França, a sua patria de adopção.

Na parte inferior do seu retrato, e escriptas pelo seu proprio punho, lêem-se as seguintes phrases que synthetisam perfeitamente as suas aspirações e o seu credo social:

«Il proletariato, per essere libero ed emancipato, deve assingersi a rovisciare, colla forza, tutto l'ordine sociale existente.

Contre l'oppressione la ribellione é un diritto.»

Está aqui o homem politico. Fallemos agora no homem particular, no amigo e no companheiro queridissimo.

Soffreu sempre, com a maior resignação, todas{36} as crueldades e todas as privações da existencia, sem um queixume, sem uma magoa, sem uma palavra de odio ou de rancor. Muitas vezes o seu almoço é um copo de agua e um pequeno pão de 15 centimos.

Tendo amigos sinceros e dedicados, nunca pediu, para si, um real a nenhum d'elles. Se tem apenas 20 centimos no bolso, come com esses 20 centimos: se não tem dinheiro não come. Estando em Londres exilado, nem sequer tinha um quarto onde dormir. Por noites geladas e frias, com as botas rotas, sem abrigo, sem dinheiro no bolso, era obrigado a andar horas seguidas pelas ruas da enorme cidade, para não ser preso por vagabundo.

Quando falleceu o nosso querido e lealissimo amigo Benoit Malon, foi elle quem se conservou ao lado d'elle, durante quatro dias consecutivos; foi elle quem o vestiu e quem velou o cadaver, sem se deitar, sem sentir a menor fadiga, não pensando senão na amisade e no carinho que lhe consagrara durante a vida, e que tão bem retribuido foi pelo glorioso mestre. Mas no dia do enterro, apossou-se d'elle o desalento, no cemiterio do Pére Lachaise. Passavamos ao lado do tumulo do grande cidadão Anatole de la Forge.

—«Eis aqui um que foi candidato á presidencia da republica, que se bateu heroicamente pela sua amada França, e que teve de recorrer ao suicidio para não morrer de fome!—disse.—Eis a sorte que naturalmente me está tambem reservada—continuou.—Mas eu, se um dia me suicidar, hei de escolher o muro dos federaes para o fazer, e, quando,{37} junto d'elle, encontrarem o meu cadaver—que o transportem para onde muito bem quizerem, sem pompas nem discursos... Detesto as comedias e as representações theatraes deante de um cadaver.»

Ah! bom e querido amigo! n'essa hora angustiosa, tu pensaste na ingratidão dos homens, e, em frente do camarada morto, avaliaste a torpeza do mundo e a inanidade das suas palavras hypocritas e fementidas!

Os longos soffrimentos produzem, ás vezes, estes desanimos crueis. São momentaneos, é certo, mas são dolorosos.

Sahimos do cemiterio e fomos almoçar juntos. Duas horas depois, Amilcare Cipriani havia recobrado animo, e fallava-me em ir bater-se na Sicilia, ao lado dos seus compatriotas, victimas da miseria e do despotismo.

Que honradissimo caracter! e que gloriosa e brilhante personalidade!

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O Primeiro de Maio

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