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THEODORO HERTZKA E O SEU FREILAND

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Freiland! (terra livre, paiz livre)—tal é o titulo do livro de Theodoro Hertzka, um austriaco e um sociologo eminente.


Pelos meados de julho de 18...—assim principia a narrativa de Hertzka—lia-se o seguinte nos principaes jornaes da Europa e da America:

«Sociedade livre internacional

«Acaba de constituir-se um grupo de individuos de todas as partes do mundo civilisado, com o fim de emprehender e tentar a resolução do problema social.

«Ao cabo de muitas e pacientes investigações, opinou-se pela creação de uma communidade, estabelecida sobre as bases, ao mesmo tempo, da liberdade mais ampla e da justiça economica, a qual, mantendo de uma maneira absoluta a independencia pessoal de cada trabalhador, lhe assegure o{27} gôso completo e integral do producto do seu trabalho. Para fundar a mencionada communidade, occupar-se-ha uma vasta região, n'um local que não tenha possuidor, mas que seja fertil e proprio para a colonisação.

«N'esta região, a sociedade livre não reconhecerá nenhum direito de propriedade sobre o sólo, quer a favor de um individuo quer a favor da communidade.

«Para cultivar o sólo, como, de resto, para realisar toda a especie de producção, constituir-se-hão associações, sendo cada uma administrada como melhor o entender, e distribuindo, entre os seus membros, o resultado da producção, consoante o trabalho de cada um. É facultativo a cada membro o filiar-se na associação que escolher e de a abandonar tambem a seu bel-prazer. A communidade encarrega-se de fornecer gratuitamente os capitaes aos productores, com a condição d'estes os restituirem. Os individuos incapazes de trabalhar, assim como as mulheres, teem direito aos meios de subsistencia, á custa da sociedade. A receita indispensavel para a acquisição dos objectos, acima mencionados, assim como para as despezas de interesse geral, será assegurada por uma quota tirada do rendimento bruto de cada producção. A sociedade livre internacional possue já o numero de membros e de capitaes sufficientes para a realisação do seu plano. Sendo, porém, de opinião, por um lado, que o resultado d'esta tentativa ha de ser tanto mais seguro e efficaz, quanto maiores e mais importantes forem os meios de que disposer, e desejando, por outro lado, offerecer a todos o ensejo de poderem participar da empreza, a sociedade, pelo presente aviso, faz saber ao publico que os pedidos e offertas de qualquer natureza que sejam, devem ser dirigidos para Haya, Bochstraat, 57.

«A sociedade livre internacional celebrará em Haya, no dia 20 do proximo mez de outubro, uma assembléa politica em que serão apreciadas as ultimas resoluções, afim de realisar praticamente a sua obra.

Haya,... de julho, 18..

Pelo comité da sociedade livre internacional.

Karl Strahl{28}

Este annuncio produziu uma profunda emoção na imprensa e no publico. O nome do signatario, que era conhecido não só pela sua posição social, senão ainda por ser um dos primeiros escriptores da Allemanha em sciencia economica, afastava todo e qualquer pensamento de mystificação ou de equivoco.

Realisou-se um congresso que foi aberto pelo seguinte discurso de Strahl:

«A convicção de que a communidade, á fundação da qual vamos proceder, é destinada a extinguir a pobreza e a miseria pela base e a destruir com ella todos os desgostos e todos os crimes que devem ser considerados como uma consequencia forçada da miseria e da pobreza, essa convicção, apercebe-se não só nas palavras, senão tambem na maneira de obrar da maioria dos nossos consocios e no profundo e desinteressado enthusiasmo, segundo o qual cada um—na medida das suas forças—se tem applicado ao fim commum. Quando publicámos o nosso appêlo, eramos apenas 84; os recursos de que podiamos dispôr orçavam por 11.400 libras sterlinas; presentemente a sociedade compõe-se de 5.650 membros e o seu fundo monta a 205.620 libras sterlinas. Convêm notar que esta somma, não nos foi fornecida simplesmente pelas classes pobres que habitualmente se consideram como as unicas interessadas no problema social. E isto torna-se ainda mais evidente percorrendo a lista dos socios. Irresistivelmente, chega-se á conclusão de que a aversão e o horror, inspirados pelas actuaes condições sociaes, attingiram tambem as classes que, á primeira vista,{29} parecem aproveitar com as privações dos desherdados da fortuna. A resolução do problema social impõe-se hoje, por tal fórma, que até os ricos e os favorecidos da sorte não duvidam concorrer com alguns milhões de libras, para a fundação da nova communidade, auxiliando-nos e participando da nossa empreza. N'este facto, mais do que em qualquer outro, repousa a convicção de que a nossa obra não poderá deixar de fructificar.

«Trata-se de escolher a região onde poderemos realisar o nosso projecto. Toda e qualquer localidade europeia está naturalmente posta de parte, por rasões faceis de comprehender; a Asia, egualmente; e, em particular, devemos assignalar os pontos onde sóem acclimatar-se os emigrantes de raça caucasica, sendo facil que se estabelecessem conflictos com as organisações juridicas e sociaes de outros tempos. Na America e na Australia, os governos conceder-nos-hiam, com prazer, um territorio espaçoso, bem como a liberdade dos nossos movimentos; mas ainda ahi difficilmente poderia a nossa communidade encontrar garantia contra os ataques hostis e assegurar o repouso e a segurança, indispensaveis a um successo rapido e certo. Resta-nos a Africa, o continente mais antigo, e, sem embargo, aquelle cuja descoberta foi a mais recente. A parte central interior encontra-se ainda sem possuidor. Podemos encontrar ali, não só um espaço sem limite e um repouso assegurado, senão tambem as condições mais favoraveis, quanto ao clima e á fertilidade do sólo, desde que a escolha seja acertada. Ha paizes, a uma grande altitude, reunindo as vantagens dos tropicos{30} e dos Alpes, que aguardam uma immigração. As communicações com esses paizes montanhosos, situados no coração do continente negro, são certamente muito penosas, mas é precisamente isso de que havemos mister para principiar. Propômos pois, que se procure a nova patria, no interior da Africa equatorial. E pensamos, principalmente, no paiz das altas montanhas do Kenia. Concorda a assembléa com a escolha?»

Foi unanime o assentimento. Ouviram-se vozes que exclamavam:

«Para deante, e antes hoje do que amanhã!»

Era evidente que a maioria estava disposta a pôr-se a caminho sem mais delongas.

De novo o presidente toma a palavra para declarar que as cousas nem sempre podem marchar tão depressa, como muitas vezes se deseja. A nova patria terá primeiro de ser escolhida e conquistada, o que representa uma empresa arriscada e difficil. O caminho tem que fazer-se por entre desertos e florestas inhospitas. Não poderemos evitar os combates com as tribus selvagens e hostis, e, por isso, só nos poderão convir homens fortes e validos, e não mulheres, creanças ou velhos. Alêm d'isso, teremos que apurar os milhares de immigrantes que deverão acompanhar-nos, atravez d'aquellas regiões, e de os organisar devidamente; 200 emigrantes, entre os quaes 4 naturalistas, 3 medicos, 8 engenheiros e 4 representantes de outros ramos technicos, ricamente providos de armas, de machinas, de sementes, de mercadorias e de utensilios de viagem, formarão a vanguarda da expedição.{31}

A narração d'esta marcha até ao Kenia, constitue uma das partes mais interessantes do livro, devendo accrescentar-se que a descripção das grandiosas montanhas africanas não é obra de pura phantasia, mas é, ao contrario, extrahida das narrativas dos exploradores africanos que visitaram aquellas regiões. A expedição faz a sua primeira paragem em um valle delicioso, situado a 1:700 metros de altitude, ao sopé de um formidavel massiço do Kenia e das suas magnificas geleiras, e que se appellidará, por causa da sua belleza e da sua fertilidade, o valle do Eden. Com as provisões e os utensilios de que vão providos, podem os valentes porta-bandeiras da gloriosa caravana fazer os preparativos necessarios, para receber o principal grupo dos associados, se bem que só alguns mezes mais tarde, por occasião da chegada do comité director á base do Kenia, é que o paiz, onde refulgirá a liberdade, será baptisado com o nome de Freiland, pondo-se então, em pratica a nova organisação do trabalho, consoante os principios freilandezes.

Para todos os que se interessam pelo estudo das questões sociaes, e ainda para todos os que pensam que as modernas sociedades, desorganisadas como estão e lançadas em bases falsas, devem ser reconstruidas, segundo um principio de justiça e de moralidade, o livro do escriptor allemão é de um interesse palpitante[1]. Digamos tambem que o author{32} do Freiland teve a rara felicidade de despertar em muitos espiritos, pela sua maravilhosa obra, escripta em fórma de romance, o desejo ardente de fundar uma sociedade em tudo semelhante áquella que tão brilhantemente concebeu e descreveu.

Para vulgarisar e fazer a propaganda da ideia, creou e fundou a sociedade uma revista mensal, orgão dos associados:—«Freiland, organ der Freilandvereine».

Temos á vista uma carta de Theodoro Hertzka em que nos communica a partida de Hamburgo da primeira expedição, por todo o mez de janeiro do corrente anno, dirigindo-se ao Kenia, que fica a 600 milhas da costa de Este, exactamente sob o Equador.

E eis aqui está o motivo por que, depois de ter prestado homenagem á memoria dos mortos queridos, eu entendi que não devia continuar o meu trabalho, sem d'aqui saudar enthusiasticamente o honrado e illustre apostolo de uma nova organisação social, fazendo votos ardentes pelo completo triumpho dos seus ideaes.{33}

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O Primeiro de Maio

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