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Casos de Vida

1

— É feliz?

— Se ser feliz é um ato de coragem, talvez!

Mimi, 37 anos, Lisboa

Chegou sem querer chamar a atenção, mas do alto do seu metro e setenta era difícil não reparar na sua exuberância inata.

Esguia, de ar confiante, com traços exóticos, voz e olhar doces, assim é Hamida, conhecida desde sempre por Mimi.

Tem origem indiana por parte do pai e isso está-lhe estampado no rosto, na pele e nos olhos. Cabelo longo, escuro de nascença, mas pintado de louro por agora, porque gosta de mudar de vez em quando. Talvez da próxima vez que a encontremos já não tenha o mesmo visual, porque gosta de variar, mas apenas na aparência.

Tem uma história difícil de contar, nem tanto por si, mas pela crueza dos factos que podem dar uma má impressão daqueles que ama e que a rodeiam.

Escolhe bem as palavras, tenta não se emocionar, quer sentir-se uma fortaleza para os três filhos que tem para criar. Já cuidou de uma criança em tempos: o sobrinho. Perdeu-lhe o rasto, e tampouco sabe o nome que lhe atribuíram posteriormente, mas assegura, conformada, que “foi melhor para ele!”.

Se pudesse tinha dado outro destino àquela criança, mas ela própria era então uma criança, na altura em que foi retirada à família e colocada “à experiência” no Centro de Acolhimento Temporário descrito neste livro.

Era o mês de Dezembro do ano de 1998. Mimi tinha 15 anos e a única preocupação da assistente da Segurança Social responsável pelo processo era não a querer na rua.

A diretora do Centro foi desde logo avisada: “É natural que tente fugir”.

E tentou, e conseguiu, mas voltou, e só saiu da casa de acolhimento para uma casa própria aos 21 anos, ou seja, seis anos depois.

A primeira coisa que Mimi disse nesta entrevista, mal se sentou, foi: “Eu em pequenina fui muito feliz!”

Baixando os olhos continuou naquela incursão pelo seu passado longínquo que tenta manter impoluto na memória – “Entretanto foram as opções da minha mãe que fizeram com que as coisas corressem mal”.

O orgulho na progenitora e na educação que recebeu dela na infância é referida com um sorriso nos lábios porque a mãe “pode não saber ler nem escrever, mas é uma mulher muito culta”.

Mimi relembrou os fins-de-semana em que a mãe passeava com ela e com os irmãos por Lisboa e lhes explicava as origens dos locais por onde passavam. Hoje em dia, Mimi faz o mesmo com os filhos, porque lhes quer passar essa espécie de legado: “Afinal nem tudo é mau, é isso que a pessoa tem de ver: do mau tirar a parte boa”.

Mimi tem cinco irmãos, quatro rapazes e uma rapariga. Um deles nunca chegou a conhecer. Outro vivia, durante a sua infância, numa casa de acolhimento.

A morar na mesma casa eram ela, dois irmãos e uma irmã mais velhos. A sua maior ligação sempre foi com o primogénito, com quem conviveu até ir para a casa de acolhimento: “Foi o que sempre lutou por nós!”

O pai, conheceu-o há pouco tempo. E se em nada a marcou na educação e nos ensinamentos, está-lhe no ADN e nas características físicas. “É indiano, muito engraçado, já está velhote”.

A complacência inicial é seguida pela desilusão dos factos: “Não foi uma receção muito calorosa e eu resisti a receber o amor dele, mas eu sou assim porque não me dou a conhecer com facilidade. Foram muitos anos sozinha com a minha mãe, a lutar por uma vida, e de repente ele aparece, como se não se tivesse passado nada”.

Mimi não gosta de se demorar muito neste assunto: “Gostei de o conhecer e pronto. Ele vive perto de Lisboa, até me liga de vez em quando, mas nada mais do que isso”.

E se tratar uma filha assim para ele é normal Mimi aceita, mas não compreende: - “Não me cabe a mim perceber porquê, até porque tenho de me preocupar com os meus próprios filhos”.

Era o padrasto que ela via como um pai, até este morrer.

Mas no campo dos afetos mais precoces uma outra pessoa era o centro do seu mundo. Uma criança — mais concretamente o seu sobrinho — de quem cuidou incondicionalmente até ele ser adotado.

Foi o mais difícil de ultrapassar, saber que teria de se separar daquela criança de quatro anos que ela adorava e tratava como filho: “Mas era o melhor, ele tinha o direito de ter um lar estruturado”. Esta justificação aceita-a agora com a maturidade dos adultos, mas naquele momento o coração não pôde compreender.

Agora, David, o sobrinho que já é maior de idade e já tem outro nome, é com certeza um adulto feliz, cresceu com uma família e é isso que interessa. Mas importa também saber que ele se lembra de certeza da tia Mimi. E a tia Mimi acalenta a esperança de que um dia a sua família atual lhe fale dela e lhe conte o quanto o amou e protegeu quando ambos eram ainda crianças.

Crianças de idades diferentes, mas unidas por laços de sangue e por um acontecimento que mudou as suas vidas para sempre.

Remontando aos factos que Mimi, naturalmente, não gosta de recordar: naquele outono de 1998 a tragédia bateu à porta da sua família. O futuro trágico já se adivinhava, mas ninguém, a não ser os adultos, tinham a capacidade de deter o rumo dos acontecimentos.

No apartamento onde viviam Mimi, a mãe, o padrasto, dois irmãos, a irmã e o sobrinho, uma morte acabou por expor o que acontecia no quotidiano daquela casa.

Uma noite, tragicamente, o padrasto caiu da janela.

Na sequência dessa morte houve buscas ao apartamento e a mãe acabou por ser presa, e posteriormente condenada a cinco anos de prisão por tráfico de estupefacientes. O irmão mais velho também foi condenado pelas mesmas razões.

Mimi tinha uma forte ligação ao padrasto e ficou profundamente marcada com a sua morte. Até porque presenciou tudo.

Nas buscas à casa, a polícia apreendeu armas e drogas.

Depois dos trágicos acontecimentos Mimi conseguiu ficar inexplicavelmente mais de 45 dias em casa com o sobrinho. Eram duas crianças a viver sozinhas. Não saíam da habitação e ir à escola tornou-se inviável.

Sem água nem luz, eram os amigos de Mimi que lhe valiam. Dormiam à vez lá em casa com ela e com o sobrinho ou apareciam pela manhã com pão fresco e leite para que não passassem fome.

Mas havia também os inimigos, os consumidores e traficantes que sabiam o que se fazia ali. O problema maior foi quando Mimi se tornou uma delatora junto da polícia e passou a correr risco de vida: foi vítima de ameaças e até de ofensas físicas.

Era impossível manter-se ali com o sobrinho, por isso, embora tenha resistido com todas as suas forças no dia em que os foram buscar, acabou por aceitar o inevitável: precisava de acreditar com esperança num recomeço e ver como corria. Nunca pensou, no entanto, separar-se de David.

Mimi passou de dona de casa e mãe a uma simples adolescente acolhida num lar. Com todas as regras e dificuldades que isso acarretava para quem já estava habituada a ser dona da própria vida.

Chegou assustada, cansada de problemas e injustiças, e os primeiros dias foram muito complicados — Mimi sentia falta das suas coisas, de poder estar à vontade e da sua família.

Foi num impulso que pulou o muro ao fim de uma semana. O seu único plano era fugir para bem longe dali.

Mas no seu campo afetivo apareceu uma pessoa que se viria a revelar muito importante, e mesmo a mentora que até aí nunca tivera: a diretora, à época, daquela casa de acolhimento.

Nessa altura, Mimi recorda que Cecília acreditou que ela já não voltava. “Mas voltei e fui muito feliz”.

Assim que Mimi chegou à casa, Cecília percebeu que tinha em mãos o desafio de lidar com uma jovem revoltada, marcada pelos acontecimentos, mas também “muito inteligente e com uma personalidade muito forte”. E essas duas características foram o mote para que a diretora a começasse a fazer acreditar que não podia desistir e que podia reverter a situação desfavorável em que se encontrava.

Os meses seguintes permitiram a Mimi refletir e passar por todas as duras etapas de um luto que teve inevitavelmente de viver e superar.

Começou por se revoltar com os acontecimentos recentes: “achei que era egoísta da parte deles, como adultos, não pensarem nas consequências dos seus atos e eu com 14 anos ter ficado sozinha com o meu sobrinho que tinha quatro e tê-lo mantido comigo um mês e meio até virem as assistentes sociais”.

A pergunta que não pode calar perseguia-a: “o que faço agora?”. Mas para uma jovem de 14 anos é muito difícil responder a esta questão. Petrificou. Não queria saber de nada, não conseguia sequer chorar, fazer planos ou ter esperança no futuro. Foi mais uma vez Cecília que conseguiu que “eu chorasse e pensasse na minha vida e que havia todo um longo caminho pela frente”.

O mais difícil para ela em todo o processo foi perder o rasto à família toda e ir viver para um local estranho onde não conhecia ninguém.

Mimi pensava na família a toda a hora, “chorei muito”, mas o tal “Anjo” que apareceu na sua vida, Cecília, conseguiu que ela fizesse visitas regulares à mãe na prisão. Às vezes era mesmo a diretora que a levava lá quando a assistente social não podia.

“Fizemos questão que a Mimi acompanhasse a mãe”, relembra Cecília, que sempre tentou atender as necessidades daquela menina revoltada mas cheia de garra e bons valores afetivos.

E Mimi recorda com gratidão essas visitas que fez, especialmente a primeira: “Estava cheia de nervos, a minha mãe é transmontana e passou-me muitos bons valores. Então quando lhe contei, na visita, que fumava ela não me recriminou e até me deixou fumar ao pé dela. Ficámos mais amigas as duas”.

Faltava à mãe de Mimi, segundo a sua perspetiva, ouvi-la a ela e aos irmãos enquanto filhos, e a jovem queria dar-lhe a sua visão dos acontecimentos. Foi o que fez logo na primeira visita.

Com o distanciamento no tempo e no espaço, Mimi consegue agora avaliar que “a certa altura, a minha mãe perdeu-se completamente, e o dinheiro acabou por falar mais alto, meteu-se em negócios sujos, mas quem sou eu para a julgar? Quando as pessoas têm dificuldades às vezes deixam-se levar”.

No entanto, e retirando o que fica do que passa, Mimi tinha uma mãe que não era perfeita, mas estava presente. Que lhe dera amor no passado e agora estava presa, mas podia visitá-la de vez em quando e, portanto, nada estava perdido.

Mas, ainda a desestruturar esta adolescente, estava a situação do sobrinho. Depois de ingressar na Casa de Acolhimento, Mimi mantinha o contacto regular com o menino, que ia lá passar os fins de semana com ela. Não podia viver lá, porque ali só aceitavam crianças mais velhas, e por isso foi para outra instituição. Mas os fins de semana com a tia eram muito importantes para os dois.

O pai de David estava preso, a mãe tinha-o abandonado em bebé e tinha paradeiro desconhecido, e, portanto, com tão tenra idade esta criança estava apta para adoção. O problema era Mimi conseguir aceitar isso e ter de se separar do sobrinho.

“Foram longas conversas pontuadas por muitas lágrimas e revolta”, recorda Cecília, para convencer Mimi de que o sobrinho merecia a oportunidade de ter uma família e um lar funcional onde pudesse crescer.

Foi um processo tão doloroso que ainda abala as estruturas desta menina, que já é mulher e mãe de três filhos!

Dos problemas herdados do tempo que vivia com a família vinha também o medo que se foi desenvolvendo de ir à escola. Toda a gente a conhecia e na escola andavam alunos que traficavam ou consumiam droga e tinham feito negócios com a sua família.

Cecília decidiu não pôr logo Mimi a estudar, não fosse ela ser perseguida por gangs ligados ao tráfico. Acabou por ir para um estabelecimento de ensino mais afastado, onde podia ficar longe dos olhares dos “inimigos” da família.

Acabou por não seguir o ensino normal e começou a fazer cursos profissionais. Primeiro de informática, a que se sucederam outros.

Fez, em 2002, um curso de validação de competências que lhe deu as equivalências necessárias e permitiu que não tivesse de regressar ao ensino público, que continuava a ter receio de frequentar e onde se sentia desfasada ao pé dos miúdos mais novos.

Depois, e por provar que era autodidata e tinha apetência para aprender, acabou por entrar num curso de Conservação e Restauro, que além de um diploma lhe deu a possibilidade de conhecer muitos lugares. Fez estágios em Coimbra, Lyon e Florença.

Na Casa de Acolhimento souberam entendê-la e respeitar os seus medos, e isso foi o mote para que ganhasse confiança. O suporte da casa de acolhimento permitiu-lhe a reconstrução da sua própria identidade.

Começou a ter regras e horários para se poder, posteriormente, integrar bem na sociedade.

Mimi atribui muitos dos méritos também à sua personalidade: “Eu sou bem-humorada, tenho a capacidade de me rir das coisas e, ao permitir-me isso, não levei tudo tão a sério e consegui andar para a frente”. Fazia-o muito com os voluntários da casa, com quem conversava e ria horas a fio.

A integração com os meninos da idade dela foi mais difícil: “eu era muito retraída”. Mimi considera que com o tempo foi aprendendo a abrir o coração e dar-se a conhecer.

A curiosidade por descobrir o lado bom das pessoas falou mais alto. Permitiu-lhe a aproximação aos seus pares e, ao expor as suas fragilidades, começou a sentir-se mais leve. Aí começou definitivamente a grande viragem na sua vida.

As amizades aprofundaram-se, segundo Mimi havia “uma entreajuda incrível. Os mais velhos protegiam os mais novos. Eles fizeram questão de me conhecer e trataram-me muito bem e a partir de certa altura eu pensei: isto não é tão mau como parecia”.

Naqueles sete anos, Mimi garante que fez amigos para a vida, com quem mantém contacto regular.

Da casa guarda boas memórias, como as idas anuais a Fátima ou a excursão à Serra da Estrela que foi “espetacular”.

Todos os anos participavam numa feira de artesanato, com produtos feitos por eles que eram vendidos. Mimi adorava.

Paralelamente às experiências vividas, considera que trouxe para si muitos ensinamentos, como pessoa, acima de tudo. Percebeu que “antes de gostar dos outros eu tenho que gostar de mim e só assim se atraem pessoas que irão gostar de nós, senão só atraímos gente que não interessa e coisas más”.

Mimi nunca quis ajuda de psicólogos: “Não, não precisei, tive a ajuda da grande psicóloga que é a doutora Cecília”. A diretora foi sem dúvida o maior pilar de Mimi porque os afetos são construídos por pessoas.

“Quem me conhece daquela casa ainda me trata como a criança que eu fui, e isso é muito bom. E os meus filhos também não me deixam esquecer”. Mimi, apesar das vicissitudes, considera que teve muito amor: “a partir de certa altura, Cecília fez de minha mãe, e isso nunca esquecerei. Mas também não largo a minha família por nada, eles são humanos, cometeram os erros deles, mas eu também cometo os meus e ajudo-os no que eu puder. Eu digo-lhes o que penso, mas quando precisam também estou sempre lá”.

Mimi faz questão de que os filhos conheçam o lar onde passou a sua adolescência. Por isso, sempre que pode leva-os para uma visita e mostra-lhes os cantinhos todos. Aliás, recorda através dos filhos a sua infância, e refere que “aquela casa é linda, maravilhosa. Acho que eles gostam, se eu deixasse ficavam lá, porque tem aquela energia boa.”

Gosta também de ter a companhia do marido nas visitas.

Com Cecília mantém um contacto regular, e é claro que fez questão de lhe apresentar os “netos” emprestados.

Refletindo sobre o passado, Mimi considera que ter vivido naquela Casa de Acolhimento também contribuiu muito para ser a pessoa que é. Deu-lhe a tolerância, a capacidade de aprender a colocar-se no lugar do outro antes de fazer julgamentos precipitados: “Acho que foi um dos grandes ensinamentos que me trouxe”.

Conhecendo a sua história de vida, duas coisas surpreendem: a sua clarividência na análise dos factos e a ausência de revolta: “Não tenho…É claro que há coisas que a pessoa pensa, mas isso é do ser humano”.

Não gosta de apontar o dedo aos outros, prefere refletir no que faria diferente se pudesse voltar atrás, “porque enquanto adolescente também dei os meus passos errados, mas também não seria a pessoa que sou hoje, nem teria os filhos que tenho, se assim não fosse. Não me sentiria realizada e feliz como sou”.

Para a maioria poderia ser um grande desafio conseguir construir a própria família, mas Mimi acha que foi um processo natural: “As coisas aconteceram desde que aprendi a abrir o meu coração”.

O amor bateu-lhe à porta e Mimi soube retribuí-lo, primeiro construindo uma família com o marido, e depois com os filhos. A estes últimos, gosta de ver felizes, de lhes dar algo que não teve, especialmente a calma, que considera muito importante.

Os filhos também lhe devolvem muitas coisas, preenchem-na enquanto mãe.

Não se sente órfã, sabe que teve uma mãe.

Conhecer o pai não se revelou muito positivo — não que tivesse grandes expetativas, mas “custa não ter havido uma explicação para a falta de interesse em mim, nem mesmo uma tentativa de se redimir. Conheci-o aos 32 anos, o que posso esperar agora? Quem quis fazer parte da minha vida já o tinha demonstrado antes. Só fica na minha vida quem quer”.

Às vezes dizem que é fria “e é verdade, eu tenho essa grande capacidade de ser fria nos momentos mais sérios. Tive de ser assim, senão corria o risco de me perder” – reflete, analisando-se.

Se pudesse partilhar algumas das coisas que aprendeu, Mimi gostaria de dizer que acredita que a vida é muito mais do que viver um dia de cada vez. Que devemos sempre olhar em frente e dar-nos a oportunidade de ver o que está por vir. No fundo, precisamos de dar um crédito ao futuro.

Ressalva, no entanto, que não é preciso errar para aprender. Porque se pode olhar à volta e, com os exemplos dos outros, não se cair nos mesmos erros.

“Devemos dar-nos sempre a oportunidade de ser felizes. A disponibilidade para conhecer os outros e nos darmos a conhecer. Se tivermos a capacidade de esperar para ver, podem acontecer coisas muito boas”.

O segredo para tanto pensamento positivo foi sem dúvida nunca ter deixado de acreditar: “A pessoa deve sentir, e quando precisa de chorar, deve chorar, mas não é preciso entrar em depressão. Para quê alimentar os pensamentos negativos? Não se fechar, não se isolar, mas saber afastar-se quando é necessário. Eu tive de fazer isso, sei do que falo. Por conselho da diretora, a certa altura afastei-me um pouco da minha família e vivi a minha vida. Percebi que às vezes temos de nos fechar para não nos perdermos com eles”.

Há limites de sobrevivência que têm de ser assegurados para que a família seja uma dádiva, e não um veneno: “Nós podemos amar incondicionalmente a nossa família, que é do nosso sangue, mas a pessoa tem de se conhecer, senão vive em função do que os outros querem que ela seja, e não pode ser. Tu tens de ser o que tu queres ser”.

Além disso, conclui Mimi, “família não é só a biológica. Às vezes as pessoas que não são de sangue sobrepõem-se, se calhar é algo de vidas passadas. Mas aparecem pessoas que nos dão amor e atenção sem ter qualquer obrigação de o fazer. A doutora Cecília nunca desistiu de mim, e ela tinha lá tantas crianças para se preocupar…”.

Esperança, gratidão, perdão e amor são as molas impulsionadoras de Mimi.

São o que sempre a atirou para a vida.

Em 2003, iniciou um estágio profissional em Lisboa, no grupo Marriot, uma cadeia internacional de hotéis, ao abrigo de uma parceria com a Casa de Acolhimento onde morou. Um ano depois foi integrada no quadro permanente e, a convite do diretor-geral, foi realizar um estágio num hotel do grupo em Londres.

Tal oportunidade permitiu-lhe aperfeiçoar o inglês e viver mais uma experiência no estrangeiro.

Trabalha no mesmo hotel em Lisboa até hoje.

É casada e tem três filhos. A vida continua a pregar-lhe algumas partidas, como a doença do marido, que esteve quase a morrer — mas Mimi não saiu do lado dele e a situação foi ultrapassada.

Da vida não pede muito: se pudesse fazia mais algumas viagens, mas na verdade o que quer mesmo é calma, estabilidade e paz.

Criar os filhos com amor e felicidade e nunca perder de vista a família que tem e ama, apesar de tudo.

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