Читать книгу Sobre(viventes) - Susana Gaião Mota - Страница 9

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Notas da autora

Quando recebi o convite para escrever estas histórias aceitei de imediato. Antes de mais porque me é grato falar de casos de superação e vidas com estórias felizes.

Gosto de testemunhar e mostrar aos outros que o nosso destino não nos escolhe, mas nós podemos escolher o nosso destino.

Sou jornalista há mais de 15 anos e por isso adoro uma boa história. Sou psicoterapeuta há menos tempo, mas os estudos nesta área levaram-me a ter vontade de aprofundar e compreender melhor a mente humana.

Com interesse por ambas as temáticas, ter a oportunidade de escrever um livro como estes é uma dádiva, da qual estou muito grata.

Mas tenho de sublinhar que, mais do que as boas histórias ou as pessoas complexas que encontrei, o melhor foram as lições de vida e de humanidade que estes jovens adultos me deram e certamente darão aos leitores.

Tentei encontrar-lhes denominadores comuns, e identifiquei alguns que irei referir mais à frente, mas o maior de todos, sem qualquer dúvida, é a generosidade com que olham a vida, apesar de ela já ter sido tão dura com eles.

São pessoas com grandes corações e uma capacidade de perdão incomum.

Todos tiveram infâncias trágicas, famílias disfuncionais, no seio das quais tantas vezes se esqueceram de que eram crianças para garantirem a própria sobrevivência ou para cuidarem dos pais, de irmãos, de sobrinhos, dos que se autodestruíam à sua volta.

Tudo indiciava que não teriam capacidades físicas nem emocionais para lidarem com tamanhas missões. Mas tiveram, resistiram, e assim que a tempestade acalmou desabrocharam mais bonitos e maduros numa espécie de renascimento.

Quando penso nestes jovens, vem-me à cabeça a minha flor favorita — a flor de lótus. Ela é especial, pela sua simbologia e pela sua história. Uma espécie de lírio de água que simboliza a criação, a fertilidade e, sobretudo, a pureza, porque emerge das águas turvas e estagnadas mantendo a sua beleza sempre intacta. Com distanciamento e proteção, consegue crescer sem se sujar nas águas que a envolvem (a raiz está na lama, o caule na água e a flor ao sol).

Na crença hindu, o lótus simboliza a beleza interior: “viver no mundo sem se ligar com aquilo que o rodeia”. No Egipto representa a “origem da manifestação”, ou seja, o nascimento e o renascimento, visto que abre e fecha consoante o percurso da luz do sol.

A flor de lótus tem por isso a capacidade de enfrentar a escuridão de noite e florescer todos os dias limpa, bonita e pura.

Estes jovens são flores de lótus, e, mesmo tendo sido filhos de uma infância menor, tornaram-se adultos talentosos e funcionais.

Poderia sublinhar que são pessoas de sucesso, mas acho que mais importante do que isso é o facto de serem adultos conscientes, respeitadores, cumpridores e tremendamente humanos.

Diz-se que quem é vítima de maus-tratos, maltratará, quem é educado para perder, perderá, quem cresce com maus exemplos irá por maus caminhos. Estas ideias feitas não passam de preconceitos.

Há pessoas terrivelmente lúcidas que aprendem com os maus exemplos a não os replicar. Convivem com realidades das quais, logo que podem, se procuram distanciar Pessoas que apesar de maltratadas jamais maltratam, que apesar de não terem sido amadas conseguem amar profundamente.

Mas todos têm uma qualidade que faz delas especiais – a capacidade imensa de perdoar. Porque onde há escuridão não entra a luz e para amar é preciso primeiro perdoar.

Perdoar não significa compreender as atitudes do outro, não significa condescender com elas, limita-se a aceitá-las como são e a acreditar que não puderam ou não conseguiram ser melhores.

Perdoar liberta: quem carrega o peso da raiva não tem espaço para as coisas boas. E eles sabem isso desde muito tenra idade.

À medida que as entrevistas iam decorrendo, confesso que o entusiasmo deu lugar à dor: como sorrir para alguém que me disse que em criança sofreu maus tratos, passou fome, foi abandonado ou viveu na rua?

Quando regressava a casa e tinha de escrever sobre as histórias relatadas muitas vezes protelava esse momento com um desconforto enorme.

Saber destas realidades já é tão doloroso que nem consigo imaginar o que será passar por elas. Eu também já fui criança, tenho um filho, e nem nos piores pesadelos me imaginaria a passar, ou a fazer passar o meu filho ou qualquer criança do mundo, por situações destas.

É utópico dizê-lo, mas maltratar crianças devia ser algo inexecutável. Infelizmente não é — e nem é preciso ser órfão, nem crescer longe dos pais, para se ser vítima de maus-tratos físicos, psicológicos ou morais.

Um alento ao ouvir estas histórias foi saber que nos momentos mais críticos apareceu sempre alguém na vida destes jovens que fez a diferença. Por isso eles não se perderam, por isso eles estão aqui, por isso eles têm a imensa gratidão e a sensibilidade de nunca recusar ajuda a ninguém. Sabem que um pequeno gesto pode fazer toda a diferença para outras pessoas em momentos de fragilidade.

Curiosamente, quase todos trabalham no campo da ação social, dedicados ao serviço ao próximo e à comunidade. Alguns foram, ou ainda são, voluntários.

Quando chegava ao conforto da minha casa fazia o exercício de pensar como seria não ter um lar, não ter um canto a que chamar meu, e sobretudo não ter uma família que ampara nos momentos difíceis e comemora nos momentos de conquista.

Mas muitos destes jovens têm famílias. Têm pais, têm mães que em algum momento lhes deram amor, olharam por eles. Não foi o suficiente, mas foi o necessário para os porem no mundo. Nem sempre quem ama consegue cuidar. Nem sempre podemos acreditar que os nossos pais são as pessoas que melhor nos tratam na vida. Nem sempre é verdade!

Por outro lado, estes jovens sabem que respeitar-se a si próprios, encarar a sua missão de viver, e fazer algo de bom enquanto estão neste mundo é mais importante do que ter um pai ou uma mãe presentes. Viver a vida é um dever e cada um deve fazê-lo da forma mais feliz que conseguir.

Estes jovens são muito dignos, conquistaram o seu espaço, construíram as suas famílias e carreiras, e depois destes caminhos ainda estenderam as mãos aos que um dia lhes viraram as costas.

O que eles fizeram e fazem são lições de vida. Tenho por isso muito orgulho em ter podido conhecer o seu passado e o seu presente, em ter podido ouvi-los e, de alguma forma, mostrá-los como um exemplo e uma inspiração.

Eles foram deserdados e isso fê-los procurar o seu próprio tesouro. Tiveram fé suficiente para achar o mapa que os levou lá. O tesouro está no interior de cada um de nós. Essa é a nossa maior herança.

Quando quisermos avaliar onde cada um chegou, devemos sempre procurar saber qual foi o seu ponto de partida. É o caminho que faz a diferença, não lugar onde se chega.

Que o mundo possa aclamar pessoas tão ricas de espírito e com tanta nobreza de sentimentos.

(Sobre)viventes: devemos-lhes uma grande obrigada, porque estão entre nós como exemplos de amor, dignidade e humanismo!

Sobre(viventes)

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