Читать книгу Uma bala com o meu nome - Susana Rodríguez Lezaun - Страница 7
Prólogo
ОглавлениеEstá frio.
Está frio e tenho medo.
Noah flutua ao meu lado, não sei se morto ou inconsciente, e eu concentro as poucas forças que me restam na ponta dos meus dedos, com os quais agarro um ramo quase podre enquanto tento fazer com que a corrente do rio não nos arraste.
Certifico-me de que a cabeça de Noah continua fora de água, mas é difícil. Mal consigo manter-me à tona. E, apesar de tudo, tenho de reconhecer que tivemos sorte. O carro em que fugíamos voou como uma seta em direção ao rio, mas, felizmente, caiu num areal pouco profundo e consegui sair. Antes de me afastar do veículo, arrastando Noah, certifiquei-me de que partia todos os faróis, que brilhavam como pirilampos furiosos no meio da noite. Tínhamos de ser invisíveis se quiséssemos sobreviver. Era possível que, apesar de tudo, ter caído ao rio acabasse por nos salvar a vida.
Não sei onde estamos. Noah conduzia como um louco, com os olhos esbugalhados e uma careta aterrorizada na cara. Não me atrevia a perguntar para onde íamos. Estavam prestes a caçar-nos, portanto, era mais do que provável que, muito em breve, nos transformássemos em dois cadáveres frios. A curva era muito cerrada e Noah ia demasiado depressa para a fazer corretamente, portanto, o carro seguiu em frente, voou durante uns segundos eternos e aterrou na água.
O mais curioso de tudo é que nenhum dos dois gritou enquanto nos dirigíamos para o que ambos pensávamos que seria o nosso fim. Lembro-me de que olhei para Noah, que continuava agarrado ao volante como se ainda tivesse algum tipo de controlo sobre ele. Tinha os lábios afastados, mas não dizia nada. Tinha os olhos fixos no espaço aberto à nossa frente. Não olhou para mim ou falou, nem sequer a breve oração que os condenados murmuram.
Por instinto, cravei os pés no chão e agarrei-me com força ao meu banco. Uma eternidade depois, ouvimos o estrondo da água ao chocar com a chapa do carro. Bati com a cabeça na janela, mas não cheguei a perder os sentidos. Noah, no entanto, bateu contra o volante e jazia, imóvel, no seu banco, numa posição incómoda por causa do cinto de segurança.
Esperei. Ouvira dizer que tínhamos de esperar até o carro se encher de água antes de tentar abrir as portas. Chamei Noah e gritei, mas não se mexeu. A água gelada começou a cobrir-nos as pernas, mas parou antes de chegar aos joelhos. Continuava a ver o céu através dos vidros. Não estávamos a afundar-nos.
Aquela podia ser uma situação passageira, portanto, livrei-me do cinto de segurança e também tirei o de Noah, que caiu aparatosamente para um lado. Apoiei-o contra a porta e abri a minha. Tive de empurrar com força, mas consegui afastá-la o suficiente para sair. Com a água até à cintura, dei a volta ao carro e tirei Noah de lá. Desabou como um fardo. Era uma noite cerrada e não conseguia distinguir a margem. A lógica dizia-me que, se tínhamos continuado em linha reta, devia seguir a trajetória do carro.
Arrastei Noah até encontrar um matagal e uma faixa minúscula de areia e seixos. Não sabia se o nosso perseguidor já teria passado por ali e se o carro seria visível da estrada. Com os faróis partidos, a escuridão voltava a ser a rainha do lugar.
E estou aqui, à espera.
Espero pela morte e suplico para que seja rápida. Já são demasiadas as feridas que enchem o meu corpo. Só quero acabar. De facto, estou tentada a soltar os ramos e a deixar-me arrastar pela corrente, mas morrer afogada parece-me uma forma horripilante de abandonar este mundo.
Espero pela paz. Pensei que conseguiria e que, por uma vez, seria mais inteligente do que eles, mais rápida do que os meus adversários e que o troféu seria só meu. Foi a minha ansiedade ridícula de aventura, de me sentir viva pela primeira vez desde que consigo recordar, que me trouxe até aqui. Só queria uns dedos a acariciar-me a pele, uma boca a beijar-me com deleite, um homem jovem e atraente disposto a fazer tudo por mim. Queria uma alegria que me fizesse sorrir todas as manhãs, que me permitisse cruzar e descruzar as pernas devagar na espreguiçadeira de uma praia. Sinto-me imbecil. Vou morrer a sentir-me uma estúpida. Acho que não há nada pior do que isso. Morrer por uma estupidez.
Contudo, também espero sobreviver, sair daqui, dar uma sova a Noah e correr até à primeira esquadra que encontrar para me entregar e explicar o que aconteceu desde o começo.