Читать книгу Uma bala com o meu nome - Susana Rodríguez Lezaun - Страница 8
1
ОглавлениеGosto de me olhar ao espelho quando ainda está embaciado. Esfuma as feições e permite-me acreditar, durante uns minutos, que o tempo não passou e que, por trás do vapor, se esconde uma Zoe Bennett de vinte anos, trinta no máximo, em vez da quarentona que acabou de sair do duche. Costumo escovar o cabelo e espalhar o creme corporal antes de desembaciar o espelho. Quando o faço, descubro uma pele que começa a murchar, uns olhos enfastiados e uma boca que mal recorda como se desenha um sorriso. Sei que não estou mal para a minha idade. Esforço-me para me manter em boa forma, mas vejo perfeitamente as marcas que o tempo vai gravando em mim.
Divorciei-me há quase quinze anos, depois de um casamento breve e aborrecido com o meu namorado da secundária. Lembro-me de estar de pé junto dele, à frente do altar, e de rogar aos gritos na minha alma para que John tivesse a coragem de responder «não» à pergunta do padre. Porém, disse «sim» e eu fiz o mesmo. Embarcámos numa convivência confusa em que, na verdade, nenhum dos dois queria estar. Não houve crianças e vivíamos numa casa arrendada, portanto, a separação foi rápida e assética. Não voltámos a ver-nos depois e a verdade é que me lembro de John em raríssimas ocasiões. Nem sequer mantive o apelido dele. É como um livro que li, que sei que li, mas que não recordo exatamente sobre o que é.
Sou restauradora no Museu de Belas Artes de Boston, especializada em pintura renascentista. Adoro o meu trabalho. Considero-me uma humanista convencida, educada desde pequena para procurar a beleza em tudo aquilo que me rodeia. Foi por isso que escolhi esta carreira. E para apagar a fealdade e o vazio com que convivi durante os primeiros anos da minha vida, um período breve, mais até do que o meu casamento fracassado, mas que receio que tenha deixado um rasto mais profundo em mim do que eu própria imaginava.
Gosto de pensar que sou como a neurocirurgiã de algumas das obras de arte mais valiosas do mundo. Vigio o seu estado com atenção, cuido delas com esmero e, quando adoecem, transfiro-as para a minha clínica privada, onde ponho toda a minha sabedoria e experiência ao serviço dos quadros e das telas danificados pelos elementos ou pelos seres humanos. O meu trabalho faz-me feliz e torna o resto da minha vida ainda mais miserável.
Era sexta-feira à noite e o museu organizara uma festa em honra dos benfeitores que mantêm a instituição. Como responsável da área da restauração, a minha presença era obrigatória, como me recordou o diretor nessa mesma manhã.
— Podes trazer um acompanhante — disse, de passagem.
Sabe perfeitamente que não tenho namorado, portanto, não sei se se esqueceu ou se gosta de me humilhar.
— Vou tê-lo em conta, és muito amável — repliquei, com toda a dignidade que fui capaz de reunir em tão pouco tempo. — De todos os modos, não vou ficar muito tempo. Tenho planos no sábado e não quero estar demasiado cansada.
Era mentira, é claro, e acho que ele soube imediatamente.
— Sabes como são estas coisas, Zoe. Tens de estar disponível para que os nossos benfeitores conversem contigo de forma calma e lhes fales do trabalho fantástico que fazemos aqui. Não podes sair meia hora depois de chegares, não és uma simples convidada. És uma anfitriã.
Tinha os olhos fixos na minha cara enquanto falava, talvez procurando uma forma de aprofundar a sua crítica ou simplesmente observando de perto as rugas das minhas pálpebras. Em qualquer caso, limitei-me a responder com um direto «É claro, Gideon, não te preocupes», antes de me virar e de me dirigir novamente para o meu escritório.
Desembaciei o espelho da casa de banho e comecei o ritual lento de me maquilhar e de me pentear. Não é algo que fizesse com frequência, já que a minha vida social era bastante limitada, mas, neste caso, teria preferido ficar em casa. Maquilhei-me com cuidado, perfilei os meus olhos azuis com sombra escura e marquei as maçãs do rosto com blush. Apanhei o cabelo num coque informal, com alguns caracóis soltos aqui e acolá, e observei o resultado ao espelho. Decidi que não estava mal de todo.
Comprara um vestido de noite prateado e sugestivo, com um decote generoso à frente e outro ainda mais atrevido nas costas. Completei o conjunto com uns sapatos de salto muito alto, uma écharpe preta e uma mala minúscula da mesma cor em que tive de pôr o telemóvel, as chaves e algumas notas.
Pulverizei à minha frente o perfume muito caro que nunca tivera oportunidade de usar e atravessei a nuvem fragrante muito devagar, permitindo que as gotinhas caíssem no meu corpo.
O andar principal do museu estava cheio de pessoas quando saí do táxi e me dirigi para a entrada principal. Chegava trinta minutos atrasada em relação à hora oficial de início da festa. Por nada do mundo queria ser a primeira a entrar e ver-me obrigada a deambular sozinha por uma sala vazia.
A empresa contratada para organizar a festa esmerara-se nos detalhes. Tinham posto várias mesas compridas e cobertas de toalhas grossas e vermelhas em diversos pontos do espaço enorme. Assim, não incomodavam as pessoas e aqueles que desejassem podiam aproximar-se das obras de arte ali expostas. Gideon ordenara que algumas das obras mais destacadas da nossa coleção de Claude Monet fossem instaladas em cavaletes à frente da sala. O Impressionismo não é a minha etapa favorita da arte, mas tenho de reconhecer que esses óleos têm a capacidade de atrair e prender o meu olhar, que costuma ficar perdido nas pinceladas curtas, rápidas e furiosas do francês. Na minha opinião, Monet foi demasiado prolífico e acomodou-se em apenas alguns temas. Os nenúfares aborrecem-me, mas os céus, sobretudo os de inverno, apaziguam-me o coração, normalmente, tão depressa e furiosamente como o seu pincel. Em qualquer caso, a escolha da decoração fora muito acertada. O comum dos mortais sentia-se muito ditoso ao ver a obra de um artista de renome tão de perto, independentemente do seu valor, e os convidados lançavam exclamações de aprovação ao descobrir os Monet espalhados por toda a sala e tiravam fotografias junto dos quadros. No entanto, a minha alma de conservadora não conseguia evitar tremer quando todas aquelas pessoas aproximavam as mãos da tela para apalpar a pintura com a ponta dos dedos ou para tocar na madeira da moldura. Meu Deus! Respiravam tão perto que podiam derreter o óleo com o calor da sua respiração. Porque não mantêm a distância? Bolas, porque é que Gideon não pusera um cordão de segurança? Fazia tudo para que abrissem os seus livros de cheques…
Os vestidos das senhoras cintilavam à luz dos focos, enquanto os cavalheiros endireitavam as costas e encolhiam a barriga para usar os seus smokings com elegância. Distingui Gideon assim que entrei. Atento a todos os detalhes, esperava junto da sua esposa perto da porta, pronto para cumprimentar cada benfeitor assim que atravessasse a soleira. É claro, não mexeu um músculo quando me viu. Aproximei-me dele com um sorriso na cara e cumprimentei afetuosamente Rachel, a esposa dele.
— Estás radiante — elogiei, com sinceridade. — O vermelho assenta-te bem.
— Obrigada. — A sua surpresa era evidente, tal como o seu prazer ao ouvir o elogio. — Mas nunca me ficará tão bem como em ti. As minhas ancas são as de uma matrona que passou três vezes pela maternidade, enquanto que as tuas continuam lisas e firmes. Sinto uma inveja…
Decidi aceitar aquilo como um elogio e não como uma lembrança da minha situação de vida e cumprimentei o marido.
— Acabaste por vir sozinha — observou.
Isso já não era um elogio, nem sequer uma lembrança. Era uma punhalada nas costas. Até Rachel se apercebeu do comentário inapropriado.
— Sabes o que dizem: Mais vale só…
Não acabei a frase. Sorri cortesmente e dirigi-me para o canto mais afastado, em que tinham instalado a mesa das bebidas. Os empregados deambulavam pela sala com bandejas cheias de taças de champanhe, mas, naquele momento, precisava de algo mais forte.
Cumprimentei várias pessoas pelo caminho, quase todas cavalheiros que admiraram o meu decote sem pudor, antes de alcançar o bar improvisado.
— Vodca com sumo de limão — pedi, enquanto observava a sala.
Um minuto depois, apareceu um copo alto com a bebida ao pé da minha mão. Agarrei-o e decidi dar uma volta pela sala. Se algum benfeitor tivesse interesse em falar comigo, teria de ser agora.
Devagar, deambulei entre as pessoas, os Monet e as esculturas branquíssimas de corte clássico que enfeitavam a entrada, bebendo pequenos goles do meu copo. Conversei com quatro ou cinco pessoas e sorri sempre que pude. Até aceitei dançar com um industrial bostoniano, um homem cujo apelido, tal como a fortuna da sua família, remontava à época colonial. Senti como os seus dedos acariciavam distraidamente as minhas costas. Fingi que não me apercebia, ou que não me importava, enquanto o magnata sorridente me falava das suas últimas aquisições nos leilões de arte de metade do mundo.
— Sei que muitos colecionadores confiam em comerciantes e galeristas — comentou, com quatro dos cinco dedos da sua mão direita a aproximar-se perigosamente da beira do decote das costas —, mas prefiro ver a obra pessoalmente. Resisto a comprar às cegas, por muito que os catálogos a descrevam e incluam fotografias detalhadas. Talvez, algum dia, gostasse de me acompanhar a um desses leilões. O seu conselho de perita seria de grande utilidade. Pagaria pelos seus serviços, é claro…
Sorri e agradeci a Deus em silêncio por a música ter acabado naquele momento. Agradeci-lhe pela dança e despedi-me com uma inclinação coquete de cabeça. Tenho a certeza de que lamentou abandonar o refúgio das minhas costas.
Quando me virei, quase choquei com um dos empregados. O jovem esticou a mão e ofereceu-me um copo semelhante ao que acabara.
— Acho que precisa disto — comentou, simplesmente.
Surpreendida, aceitei a bebida sem dizer uma palavra. Ele virou-se e desapareceu entre os casais que tinham acabado de começar uma nova dança.
A festa estava em pleno apogeu. As pessoas divertiam-se, as gargalhadas ecoavam entre as colunas e havia um desfile constante de bandejas com canapés e taças de champanhe. Pus um sorriso na minha cara até me doerem as faces e deslizei com discrição para uma das janelas abertas, perto da zona do bar e atrás de um Monet impressionante que me servia de escudo. Abençoado fosse o francês, os seus óleos grandes e as molduras douradas e enormes que os rodeavam. Amanhã, poderia preocupar-me com o estado em que ficavam depois da festa, com tanto calor, semelhante grau de humidade e todas essas pessoas a tocar neles, a usar os flashes dos seus telemóveis e a falar tão perto deles que quase conseguia ver as gotinhas de saliva a voar para as telas.
Deixei o copo vazio num canto da mesa comprida e dirigi-me para a varanda. Estava uma noite magnífica, ideal para celebrar uma festa. Então, porque não era capaz de me divertir? Se pensar nisso agora, a resposta é muito simples: Porque estava sozinha e porque, certamente, continuaria assim durante o resto da minha vida. Não é que tivesse medo da solidão. Antes pelo contrário, desfrutava da minha independência e agradecia o facto de não ter de dar explicações a ninguém. Mas a solidão é uma companheira ingrata, exigente, que rouba as palavras até nos deixar mudos, que cobre a alma de pó e mofo e que costuma convidar fantasmas indesejados quando menos esperamos. Um prato, uma chávena, uma escova de dentes. Um só lado da cama quente.
A quem contamos o desafio maravilhoso que enfrentamos no trabalho? Quem se senta ao nosso lado para ver um filme e comer pipocas? Com quem partilhamos a alegria, a dor, o medo, a ilusão… a vida?
O sorriso congelara-me na cara e parecia insensível e dormente. Sorria para o vazio, para a noite quente que se abria à minha frente do outro lado da janela. Perdida nos meus pensamentos, não ouvi o empregado chegar até a mão dele me tocar no ombro com suavidade. Na bandeja que segurava com elegância havia uma nova mistura de vodca e um pires com dois canapés de caviar. Desta vez, olhei para a cara dele. Era um homem muito bonito. O cabelo ondulado, da cor do trigo maduro (acho que Monet teve alguma coisa a ver com as minhas apreciações), fora disciplinado para trás com gel. Observavam-me dois olhos azuis risonhos e divertidos, a condizer com o sorriso fabuloso que atravessava um rosto quase perfeito. Vestido de preto dos pés à cabeça, como o resto dos empregados, era, pelo menos, um palmo mais alto do que eu, apesar dos saltos. O arco do braço com que segurava a bandeja marcava uns músculos definidos por baixo da camisa e apostaria que a barriga estaria igualmente trabalhada.
— Trago-lhe outra bebida, mas permiti-me acrescentar alguma coisa para comer. Com a vodca, o que condiz melhor é o caviar, sem dúvida.
Hesitei por um instante, mas só um. Depois, estiquei a mão e agarrei num dos canapés. Era delicioso. Acompanhei as ovas com um gole generoso da bebida refrescante, tudo isso sem desviar o olhar dos seus olhos.
— Quer um? — perguntei, em voz baixa.
— Estou a trabalhar. Se não fosse assim, adoraria jantar consigo.
— Gosta de caviar? — continuei a perguntar, juntando-me à sedução descarada.
— Claro e quem não gosta?
— Poderia nomear mais de vinte pessoas nesta sala que detestam ovas de esturjão e que só as comem porque são caras e porque, supostamente, é o que os ricos fazem.
— Aparentar?
— Comer caviar e tomar banho em champanhe.
Ampliou o seu sorriso sem parar de olhar para os meus olhos.
— É uma delas?
— Uma de quem?
— Uma snobe.
Quase me engasguei com o canapé.
— Foi a impressão que dei? — perguntei. Ele não respondeu. Continuou a olhar para mim como se tentasse ler a resposta na minha mente. — Não, claro que não, não sou uma snobe. Nem sequer sou rica. Estou aqui porque trabalho no museu. Sou restauradora de arte.
— Deve ser uma profissão apaixonante.
— É, ainda que, às vezes, signifique ter de vir a eventos aborrecidos como este e ver como os convidados maltratam todas estas obras de arte. Tudo é possível pelo orçamento do próximo ano!
Levantei o meu copo teatralmente e bebi um gole. A vodca estava deliciosa.
— O meu turno acaba às onze — disse, em voz baixa, com os olhos cor de cobalto fixos nos meus. Por um instante, achei que tentava hipnotizar-me. E talvez conseguisse. — Se lhe pareço um descarado, é livre para me esbofetear, mas fui convidado para uma festa e adoraria que me acompanhasse. Uma festa a sério. Música, dança, bebida, diversão…
Não consegui evitá-lo. Talvez fosse por causa do efeito do álcool ou porque a sua proposta, na verdade, parecia uma piada, mas a questão é que deixei escapar uma gargalhada que fez com que os convidados mais próximos virassem a cabeça para olhar para mim. O empregado jovem observou-me, perturbado. Era muito bonito, portanto, imagino que não estaria habituado a ser rejeitado, mas eu também não estava habituada a ver que se riam de mim.
— Não queria ofendê-la, lamento — murmurou, visivelmente envergonhado.
Vi-o a corar e senti-me malvada. O jovem só tentava ser atencioso. E seduzir-me, é verdade, mas eu participara com muito gosto no jogo do cortejo.
— Não — contradisse, finalmente —, eu é que lamento. Não queria ser indelicada, nem ferir os seus sentimentos. Foi muito amável comigo durante toda a noite, mas não é obrigado a entreter-me fora das suas horas de trabalho. Agradeço, mas não é necessário.
— Engana-se — declarou, quando já começara a afastar-me dele. — Não é uma obrigação. Antes pelo contrário, para mim, seria uma honra se me acompanhasse a essa festa. Não costumo convidar desconhecidas e muito menos mulheres com tanta classe como a senhora, mas estou convencido de que é fascinante e de que poderíamos divertir-nos muito juntos.
Como num romance barato, senti a intensidade do seu olhar e a tensão da sua boca enquanto esperava pela minha resposta e, sem conseguir evitá-lo, imaginei os lábios dele na minha pele.
— Porque não? — repliquei, sem conseguir acreditar nas minhas palavras.
O jovem relaxou a expressão e mostrou um sorriso de galã.
— Obrigado, tentarei fazer com que se divirta e com que se esqueça de tudo isto — declarou, apontando para a sala com um movimento da cabeça.
Sorri e deixei-me levar pela emoção do momento.
— Para começar, terá de parar de me tratar com tanta cerimónia. O meu nome é Zoe. Zoe Bennett.
— Eu sou o Noah Roberts e acabaste de me fazer o homem mais feliz do mundo.
Não sei se exagerava ou se realmente se alegrava por eu o acompanhar. Nesse momento, não parei para pensar em nada senão no meu ego, que brilhava como uma supernova por causa dos elogios. Era altamente improvável que houvesse um homem mais atraente no museu naquele momento e acabara de me convidar para o acompanhar a uma festa. Não só me convidara, como insistira.
Faltava quase uma hora para as onze da noite, portanto, fui buscar uma nova vodca com limão (A terceira? A quarta?) e dei várias voltas pela sala, sorrindo, generosa, beijando alguma face e conversando animadamente com todos os benfeitores que encontrei pelo caminho. Cada vez que me virava, encontrava Noah a olhar para mim com um sorriso nos lábios. Era o mais parecido com estar no paraíso. Sentia-me atraente, bonita, graciosa, desejada, sensual… Era o maior aumento de autoestima que experimentara em toda a minha vida e tencionava aproveitá-lo até às últimas consequências.
Deixei que passassem uns minutos depois das onze antes de abandonar o museu. Entretive-me a despedir-me de Gideon e da esposa que, sem dúvida, bebera mais champanhe do que devia e olhava para mim por trás da cortina alcoólica que lhe toldava os olhos, e saí para a noite quente, mexendo subtilmente as ancas. Não sabia onde Noah estaria, mas esperava que conseguisse ver-me a emergir como uma deusa de onde quer que estivesse à minha espera. Um segundo depois, o jovem materializou-se ao fundo da escada e esboçou um dos seus sorrisos perfeitos. Estendeu uma mão para mim e, como um cavalheiro impecável, ajudou-me a chegar até ao chão. Beijou-me os nós dos dedos e conduziu-me para o portão da entrada, onde nos esperava um táxi. Abriu a porta, esperou que me acomodasse e fechou-a, antes de dar rapidamente a volta ao veículo e sentar-se ao meu lado.
Livrara-se do seu uniforme de empregado e vestira umas calças de ganga, um casaco escuro e uma camisa branca. Uma gravata de ganga completava o traje e dava-lhe um ar sofisticado que me deixava com falta de ar.
Deu uma morada de uma rua próxima do porto ao motorista. Nessa zona, havia vários locais da moda de que ouvira falar mais de uma vez, mas que nunca visitara. As minhas amizades escassas limitam-se a pessoas relacionadas com a minha profissão e quase não conheço ninguém fora desse mundinho. Nunca fui íntima de quem sua ao meu lado no ginásio, nem mantenho contacto com as minhas amigas da secundária ou da universidade. Essa foi uma época da minha vida bastante anódina, que aconteceu por acontecer, sem eventos destacáveis e que está bem onde está: Esquecida.
— Obrigada por me convidares — agradeci, para quebrar o gelo.
— Eu é que tenho de te agradecer por aceitares. Passei o tempo todo a recear que te arrependesses e decidisses não vir.
— Era por isso que olhavas tantas vezes para mim? Para evitar que me escapulisse sem ser vista?
Noah riu-se com vontade.
— Não! — exclamou, entre gargalhadas. — Os meus olhos dirigiam-se para ti. Eras a mulher mais bonita da festa.
Sentia-me lisonjeada, mas não podia permitir que o meu ego arruinasse a noite.
— Sei que não é verdade, mas obrigada na mesma — redargui, com um sorriso tímido. Ficava lindamente a Audrey Hepburn e esperava que tivesse o mesmo efeito na minha cara. — Onde vamos?
— Ao Rock Club. Antes, era um antro, mas o meu amigo Deke Carter remodelou-o por completo e transformou-o no centro da noite de Boston. Inaugurou-o há três meses e, depois disso, encheu todas as noites. Hoje, dá uma festa privada e convidou-me há vários dias. Não tencionava ir, mas pareceu-me a desculpa perfeita para passar mais tempo contigo.
— Não acho que o meu vestido seja o mais adequado para um bar de rock…
— Estás linda e muito adequada.
Sorri novamente e fixei a minha atenção na rua. Precisava de pensar por uns instantes, pensar com calma no que estava a acontecer. Estava num táxi com um desconhecido muito mais jovem do que eu, que me levava a uma festa privada numa casa de jogo clandestino do porto de Boston. Aquilo podia ficar-se por uma história, uma noite diferente e divertida, ou transformar-se num verdadeiro pesadelo. A tentação de pedir ao motorista para me levar a casa materializou-se na minha mente, mas a mão de Noah a tocar distraidamente nos meus dedos por cima do estofo do banco fez com que se evaporassem todas as minhas dúvidas.
«Uma noite» — pensei — «não vai acontecer nada se me divertir uma noite, se for outra pessoa durante algumas horas. Amanhã, voltarei a ser eu. Amanhã.»
Portanto, virei o pescoço para o meu acompanhante jovem e bonito e sorri.