Читать книгу Uma bala com o meu nome - Susana Rodríguez Lezaun - Страница 9
2
ОглавлениеO local estava cheio de pessoas que conversavam aos gritos, se mexiam ao ritmo da música e sorriam com um copo na mão. No palco, cinco músicos vestidos de couro e ganga cantavam as suas canções que eram repetidas em coro e com entusiasmo pela maioria dos presentes.
— São os Officers, conheces? — gritou Noah, aproximando a sua boca do meu ouvido e causando-me um calafrio imediato. — São muito bons. Recentemente, encheram o Fenway Park e o Walter conseguiu fazer com que toquem esta noite no seu bar.
A verdade é que as músicas não me eram completamente desconhecidas, embora fosse incapaz de seguir a letra de alguma delas. Em qualquer caso, eram muito boas, o ambiente era ótimo e as pessoas pareciam estar a divertir-se imenso. Noah agarrou-me a mão e mergulhámos de cabeça na pista de dança. Bebemos, rimo-nos e saltámos aos sons da música até cairmos rendidos. Os braços fortes dele afastavam-me e aproximavam-me a cada poucos segundos, num vaivém enjoativo e embriagador. Cada vez que a minha cara se aproximava do seu peito, sentia o cheiro do seu perfume e o meu estômago apertava-se de uma forma muito pouco recatada. Há muito tempo que as minhas pernas não tremiam por nada nem por ninguém. Estava a desfrutar imenso, é claro que sim. Sentia-me jovem e atraente, usava um vestido de sonho, uns saltos vertiginosos e, ao meu lado, mexia-se um homem extraordinariamente bonito que sorria com aspeto feliz e não me soltava a mão.
Já passava das três da madrugada quando outro táxi nos levou até minha casa. Nem sequer pensei. Agarrei-lhe a mão e, sem dizer uma palavra, convidei-o a sair do carro e a acompanhar-me a casa. Como esperava, Noah não se fez de rogado. Pagou o táxi, saiu e rodeou-me a cintura com um braço.
Depois, só me lembro das minhas mãos a empurrar o casaco para trás, a desabotoar os botões da camisa e a abrir o fecho das suas calças. Audaz, atrevida e cheia de desejo por esse homem que olhava para mim com os olhos brilhantes por causa da luxúria.
Conduzi-o até ao meu quarto e, sem pensar duas vezes, transformei-o no primeiro homem que se deitava na minha cama em mais de cinco anos. A vodca engoliu o medo e ofereceu-me a coragem necessária para não parecer uma dissimulada ignorante. Supri a falta de experiência com doses grandes de imaginação desinibida, uma faceta de mim própria que estava a descobrir ao mesmo tempo que um Noah experiente e complacente.
Foi uma noite realmente fantástica, prazenteira e gratificante, surpreendente em tantos aspetos que seria impossível enumerá-los todos. Desfrutei do meu corpo e do sexo como nunca e acho que participei ativamente para que ele também alcançasse cotas altas de prazer.
Cansada e feliz, aninhei-me junto do seu corpo quente e adormeci.
O sol acordou-nos várias horas depois. Doía-me a cabeça, tinha a boca pastosa e as pernas pesavam uma tonelada. Ao meu lado, Noah continuava a dormir profundamente. Afastei-me dele com cuidado, procurei o meu robe e dirigi-me para a casa de banho.
Olhar-me ao espelho foi como receber uma bofetada na cara. É claro, tinha-me deitado sem me desmaquilhar e a maquilhagem que, com tanto cuidado, apliquei na tarde anterior espalhara-se ao redor dos olhos, dando-me o mesmo aspeto do que um panda espetral. Estava pálida, suja e despenteada.
Tranquei a porta, livrei-me do robe e entrei no duche, onde esfreguei cada centímetro de pele para eliminar os restos de suor alcoólico. Saí do duche limpa, mas o meu aspeto não melhorara demasiado. Tinha um jovem imponente na cama que estava prestes a descobrir a velha com quem fora para a cama. Apostava que não demoraria mais de dez minutos a ir-se embora.
Sequei o cabelo e deixei-o solto. Depois, apliquei uma camada generosa de creme hidratante por baixo dos meus olhos e distribui uma dose discreta, mas reparadora, de maquilhagem pela minha cara. Um pouco de rímel e um bocadinho de blush completaram o trabalho de restauração. Não estava perfeita, mas, pelo menos, estava apresentável para passar pela despedida sem me envergonhar demasiado.
No quarto, Noah continuava a dormir. Olhei para ele por um instante. Estava a ver o homem mais atraente que alguma vez conhecera. Estive tentada a voltar a deitar-me ao seu lado, mas, em vez disso, decidi ir à cozinha e fazer o pequeno-almoço. Não era que tivesse fome, mas precisava de me ocupar com alguma coisa.
Fiz café, torrei pão, fritei alguns ovos e pus fruta num prato. Tirei manteiga, leite e doce do frigorífico e pus tudo na mesa da cozinha. Estava prestes a servir-me de uma chávena de café quando Noah apareceu na soleira da porta. Vestira os bóxeres. E mais nada. Fiquei com falta de ar e, quando esboçou um sorriso, acho que me ferveu o sangue nas veias. Dirigiu-se para mim e beijou-me no cabelo com delicadeza.
— Cheiras muito bem — murmurou. — Eu, pelo contrário, cheiro mal. Lamento muito.
Acariciei-lhe a mão que depositara no meu ombro.
— Não cheiras mal — garanti, porque era verdade. — Toma o pequeno-almoço e, depois, poderás tomar banho antes de…
Deixei a frase a meio. Não quis dizer antes de se ir embora, se bem que fosse o que pensava. O meu coração e o meu cérebro debatiam-se numa luta interna feroz. Por um lado, entendia que isto era uma aventura e que, como tal, o melhor era acabá-la quando ainda perdurava o bom ambiente. Mas, por outro lado, fora tão curta que não me importaria de a prolongar um pouco mais. Só um pouco mais.
Testemunha muda do meu debate interior, Noah sentou-se em silêncio na cadeira mais próxima da minha e serviu café nas duas chávenas. Deu-me uma e bebeu da dele. A intensidade do seu olhar começava a incomodar-me.
— Vou-me embora assim que mo pedires — declarou.
Abanei a cabeça e insultei-me mentalmente.
— Não me interpretes mal — repliquei. — Não é que queira que te vás embora ou que fiques. Quero que faças o que queres. Não és obrigado a ficar para me fazer sentir bem. Já estou bem. De facto, melhor do que estive em muitos anos. Mas entenderei que queiras ir-te embora o quanto antes. A luz do sol revela as verdades que a noite esconde.
— A única verdade aqui — interrompeu —, é que gosto muito de ti. Ontem, deslumbraste-me. Hoje, estás a fascinar-me.
Levantei-me e criei um pouco de distância entre os dois. Tremiam-me as mãos e achava que, se ficasse ali sentada, o tamborilar do meu coração também seria evidente para ele.
— Quantos anos tens? — perguntei, sem rodeios.
— Vinte e seis.
— Eu tenho quarenta.
— E isso é importante por algum motivo?
Noah bebia devagar da sua chávena de café, sem parar de olhar para mim. Respirei fundo e decidi dizer o que me consumia há um bom bocado.
— Podemos divertir-nos, mas não vamos mais além. As nossas vidas são diferentes, certamente, tal como os nossos interesses e as nossas aspirações na vida. Gosto muito de ti — reconheci, com um suspiro —, mas…
— Achas que sou um preguiçoso? Um ignorante que ganha uns trocos a trabalhar como empregado de mesa e arredonda a tarefa a seduzir senhoras ricas? Estás muito enganada. Não quero nada teu. Nada material, pelo menos.
Pousou a chávena na mesa e levantou-se. Eu não sabia o que dizer. Interpretara mal as minhas palavras, não era isso que queria dizer.
— Não me entendeste — balbuciei. — Por favor, senta-te e vamos falar. Não podes ir assim.
Noah olhou para mim por uns segundos e, finalmente, acedeu. Voltou a sentar-se e fixou os seus olhos azuis em mim.
— Bom — comecei a dizer —, sinto consciência de quem sou. De facto, sinto-me consciente do que gostaria. E não me refiro ao meu cargo no museu ou ao facto de ter uma vida mais ou menos desafogada. Refiro-me a mim. Tenho quarenta anos, estou sozinha por decisão própria e não entendo os motivos que um homem como tu pode ter para querer estar comigo. E não falo do teu trabalho, do teu dinheiro ou da tua formação. De facto, não sei nada sobre ti. Falo da tua idade e da minha, do meu aspeto e do teu. Quero divertir-me. Há tantos espaços em branco na minha vida que, às vezes, eu própria me assusto. Sou uma pessoa solitária que fala com as plantas dos vasos, que murmura para as pinturas com que trabalha e a quem nunca aconteceu algo extraordinário. Tu és extraordinário e é por isso que estou à defesa, porque me preparo para quando desapareceres. O que aconteceu ontem foi fantástico. Viverei com essa lembrança durante muito tempo. Mas não tem sentido fingir que pode repetir-se, não achas? Sê sincero também.
— Sabes? Acho que não pode haver nada pior do que perceber, no teu leito de morte, todas as coisas que não fizeste e que a tua vida foi uma merda. Devia haver um inferno para essas pessoas, que passariam a eternidade a lamentar as oportunidades perdidas. Eu não quero ser uma delas. Não tenciono deixar o meu rasto na história, prefiro que a vida me marque. Por isso, quando alguma coisa me chama a atenção, quando descubro alguma coisa que acho que pode enriquecer a minha vida, vou atrás dela. Ontem, vi-te. Vi uma mulher muito atraente, com muita classe, que estava sozinha e aborrecida e quis conhecê-la. Gostei do que descobri e ponto final. E aqui estou, a deixar que a oportunidade me leve para onde quiser. Tenho vinte e seis anos. Tu, quarenta. Não vejo onde está o problema. Mas se preferires que me vá embora, só tens de mo dizer.
Observei-o atentamente.
— Acaba o pequeno-almoço e toma um duche — consegui dizer. — Na verdade, cheiras realmente mal.
Noah foi-se embora três horas mais tarde, depois de mais sexo, um almoço esplêndido e o compromisso da minha parte de que jantaria com ele. Não voltámos a separar-nos até à tarde de domingo.
As semanas seguintes decorreram numa nuvem plácida. Trabalhava com um sorriso nos lábios e precipitava-me pela escada assim que o meu dia de trabalho acabava para ir ter com Noah, que me esperava no estacionamento do museu junto da sua mota. Passeámos pela praia, comemos, bebemos e fizemos amor como se aqueles fossem os nossos últimos dias na Terra. Eu continuava a ter as minhas dúvidas sobre a conveniência dessa relação, mas era mais fácil deixar-me levar pela maré de sensações prazenteiras. A outra opção era regressar à solidão, ao silêncio e ao ostracismo. Queria viver. Por uma vez, queria desfrutar daquilo que os outros pareciam ter por direito próprio e que me tinham negado desde que conseguia recordar. Ou que eu própria negara, não sei.
Comprei roupa, estreei sapatos de salto e maquilhava-me diariamente. Praticava à frente do espelho. Fazia poses e olhares, ria-me sozinha como uma parva, à procura da forma de sorrir sem marcar os pés de galinha à volta dos olhos. Informei-me na Internet sobre os grupos de música que estavam na moda e até vi alguns filmes de pornografia, em busca de alguma coisa com que pudesse surpreendê-lo na cama. Tomei nota mental de várias posições e tentei pô-las em prática, mas a realidade e as minhas limitações físicas impuseram-se e acabei por me conformar com o que já sabia fazer, que também não era assim tão mau.
A desinibição natural de Noah, que passeava nu pelo apartamento sem nenhum pudor, olhava para mim com descaramento e tocava em lugares em que nenhum ser humano tocara antes, acabou por me contagiar e atrevi-me a experimentar, a pedir e a dar. Deixei-me levar pelo instinto e desfrutei como nunca antes, ainda que, no fim, cobrisse o corpo com o lençol até ao pescoço.
Fomos algumas vezes ao apartamento dele, um apartamento com um quarto minúsculo, uma cozinha sem porta e uma sala estreita, mas a maioria dos encontros acabava em minha casa, muito mais ampla, prática, discreta e acolhedora.
Contou-me que se licenciou em Jornalismo, mas que ganhava a vida como empregado de mesa em festas privadas enquanto continuava à procura de um emprego de acordo com as suas aspirações. Confessou que adoraria ser um grande repórter, mas que, enquanto isso não acontecia, trabalhara como instrutor num ginásio, assistente de dentista e carregador no porto.
Gostava dos filmes de gangsters e de rock, lia romances policiais, livros de história e ensaios sobre economia e globalização, para além das centenas de livros de banda desenhada que se empilhavam em equilíbrio precário no interior do armário do corredor do seu apartamento.
Os pais e o único irmão viviam em algum lugar da Pensilvânia a que não tencionava regressar, exceto no dia de Ação de Graças e no Natal. Pessoas normais numa vila normal, demasiado aborrecida para um jovem com umas inquietações mínimas. Saíra de casa assim que acabara a secundária e conseguira uma bolsa para estudar na Universidade de Massachusetts, que não era a sua primeira opção, mas fora a única que o aceitara com as suas qualificações.
Relatou-me as suas viagens ao longo dos Estados Unidos, algumas vezes de mota e outras de comboio, autocarro ou à boleia. Vivera mais intensamente nos últimos cinco anos do que eu em toda a minha vida. As minhas viagens, que não tinham sido poucas e que me tinham levado a percorrer boa parte da Europa, foram sempre tão académicas e profissionais que mal me tinham proporcionado histórias para contar. Recordava a recompensa do estudo, o espanto das obras que, até então, só conhecera nos livros, a admiração que suscitavam em mim as palavras daqueles mestres tão eruditos, tão extraordinários… Mas mais nada. Nada de diversão, nada de turismo, nada de seduções no bar do hotel. Nada de nada.
Pelo contrário, falei-lhe do meu trabalho, das peças que passavam pela minha mesa, das dificuldades que enfrentava, das dúvidas que me assaltavam às vezes, quando hesitava sobre a melhor técnica para aplicar em cada caso… Não era tão emocionante como as aventuras dele, mas era a minha vida.
— Adoraria ver onde trabalhas — comentou, uma noite, enquanto me acariciava as costas nuas com a ponta dos dedos —, conhecer o espaço em que te mexes, em que és a rainha.
— O meu trabalho não é nada do outro mundo — indiquei. — Passo horas inteiras inclinada por cima de uma peça, quase sem me mexer, a remexer entre tintas e pigmentos até encontrar o tom adequado. Ou pior, no meu escritório, a organizar a distribuição de tarefas, os dias feriados, a preencher pedidos de material, a ouvir queixas… É muito aborrecido.
— Não acredito. A julgar pela forma como os teus olhos brilham quando me contas o que fazes, tem de ser apaixonante.
— É para mim, certamente, mas para quem não estiver na minha pele, ver uma pessoa sozinha e em silêncio a mexer milimetricamente uma ferramenta tem de ser um verdadeiro aborrecimento.
— Gostaria de conhecer os teus domínios, a sério.
— É complicado, é proibida a entrada de qualquer pessoa que não trabalhe no museu — expliquei. A sua careta desiludida comoveu-me e suavizou-me o coração ao ponto de ceder em menos de um minuto. — Talvez possa levar-te algum dia, ao fim da tarde.
— Seria ótimo! — exclamou, imediatamente. — Desde que não te metas numa confusão, é claro.
— Não haverá problemas. Quando o museu fecha, só ficam dois vigilantes e estão habituados a ver-me a deambular fora das horas de trabalho. Não vão surpreender-se se os avisar de que vou entrar por uma das portas laterais. Vou dizer-lhes que vou com um técnico que precisa de verificar algum material.
— Estou desejoso de ir.
— Está bem, iremos amanhã.
— Oh, não! — exclamou. — Amanhã, tenho trabalho, achava que te tinha dito…
— Não faz mal, podemos ir na segunda-feira.
Como resposta, inclinou-se para mim e ofereceu uma fileira deliciosa de beijos que acabou, como quase sempre, com os nossos corpos unidos a rebolar a um ritmo suave e cadencioso, no meio de sussurros e gemidos.
Estava a habituar-me demasiado depressa a esta situação. Noah era um homem atencioso e um amante fantástico. Era bonito e divertido e parecia sentir-se bem ao meu lado. Os meus sentimentos, tão claros e contundentes no dia em que nos conhecemos, estavam a mudar a pouco e pouco para uma zona de águas profundas, perigosas e desconhecidas e eu nem sequer sentia consciência do lamaçal em que estava a afundar os pés.
Como esperava, na segunda-feira à tarde, o vigilante do museu não estranhou quando me viu a aparecer na câmara de vigilância. Abriu a porta e foi ter comigo. Parou ao descobrir Noah ao meu lado, mas deixou-nos passar quando lhe recordei que já avisara de que viria acompanhada de um técnico.
— Não vamos demorar muito tempo — garanti.
— Demore o tempo que precisar, senhora Bennett, eu vou estar cá toda a noite.
O guarda, um cinquentão roliço de sorriso fácil, regressou ao balcão de onde controlava o edifício. Não vi rasto do segundo vigilante, por isso pensei que estaria a fazer a ronda habitual pelas salas e pelos diferentes andares do museu.
Noah olhava para tudo com curiosidade. Parou à frente de várias obras e interessou-se por uma coleção de figurinhas pré-colombianas que mostravam as suas barrigas volumosas e seios enormes por trás de uma vitrina mal iluminada àquelas horas da noite, longe da hora de visitas.
— O museu possui obras de arte procedentes dos cinco continentes — expliquei. — Temos a segunda coleção permanente mais importante do país, só o Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque nos supera. E, depois, há as exposições temporárias. Agora, há uma exposição de joias realmente espetacular.
— Joias num museu?
— Também são arte! A exposição tem uma seleção de joias antiquíssimas, como uns brincos egípcios de oitocentos anos antes de Cristo e peças espetaculares de joalharia moderna inspiradas no Mundo Antigo: Da Cartier, Bulgari, Castellani… As minhas favoritas são um conjunto de colar e brincos renascentistas feito de platina, ouro, diamantes, rubis, safiras, pérolas e umas pedras de crisólita verde que brilham como os olhos de um gato.
— Ficarias linda com esses brincos — murmurou, por cima do meu pescoço.
— Não poderia pagar nenhuma das gemas que os formam.
— Custam assim tanto?
— Se estivessem à venda, o seu valor superaria um milhão de dólares.
Calou-se durante um breve instante. A sua cara de pasmo foi resposta suficiente para a informação que acabara de lhe dar.
— E não há algo mais… acessível?
— Bom — respondi, depois de examinar as maravilhas expostas na minha mente —, partindo do princípio de que nenhuma está no mercado… há um colar de ouro e âmbar que está assegurado em cerca de trezentos mil dólares. Foi fabricado por um ourives italiano por volta de 1880, é bastante sóbrio para a época e para o lugar, mas continua a ser uma peça importante. Além disso, não me imagino a usar joias de semelhante tamanho. As donas originais eram tudo menos discretas.
Sorri e continuei a avançar. Talvez pudéssemos vir um dia e fazer uma visita completa ao museu. Não há nada de que goste mais do que de falar de arte e, vendo como Noah se mostrava recetivo com os dados que lhe dera, pensei que seria uma boa forma de nos aproximarmos, de ele conhecer o mundo em que gosto de me perder, sempre cheio de beleza, mesmo quando descreve a morte.
Passei o meu cartão pelo leitor, escrevi o código e empurrei a porta da oficina da restauração. Entrei com Noah colado ao meu corpo. Senti um nó no estômago e um arrepio no corpo. Aquele homem excitava-me com apenas sussurrar algumas palavras.
Acendi as luzes e desviei-me para lhe mostrar o meu santuário. A sala enorme, de mais de trinta metros de comprimento e quinze de largura, contava com um teto muito alto do qual pendiam focos extensíveis, gruas e cabos de todo o tipo. À direita, vários cavaletes acolhiam diversas obras em diferente estado de restauração. Junto das telas, candeeiros grandes de LED encarregavam-se de iluminar o trabalho do restaurador sem produzir um calor que poderia ser perigoso para os pigmentos. À esquerda da sala, havia mesas de diferentes tamanhos, alturas e inclinações, para poderem trabalhar nelas com obras muito diversas, como pergaminhos, tabuletas ou esculturas. Por cima das mesas, pendiam os purificadores imensos de ar que depuravam o ambiente da oficina, muitas vezes carregado de emanações de vernizes e tintas, para além de pó de mármore, argila ou pedra.
— Isto é impressionante — sussurrou Noah, como se a sua voz pudesse incomodar as personagens que nos observavam dos quadros. — Muito mais do que esperava.
Devagar, avancei para o interior da divisão, explicando a utilidade de cada elemento que encontrávamos, e contei-lhe pequenas histórias das obras que dormiam na oficina, à espera de regressar às salas como as grandes estrelas que eram.
Mostrei-lhe uma tela linda de madeira do século XII, uma escultura chinesa da dinastia Ming que representava Guanyin, o mestre da compaixão para os budistas. A sua pose tranquila, o olhar baixo e a marca do terceiro olho na testa emanavam tranquilidade, quietude e confiança. Estava há vários dias na oficina, onde tentávamos devolver todo o seu esplendor à policromia original, muito desgastada com o passar dos séculos.
Senti a mão de Noah na minha cintura. Não fez mais nada, mas foi suficiente para que deixasse escapar um gemido involuntário. Aproximou-se ainda mais de mim e baixou-se para me beijar no ombro.
— Sinto-me insignificante entre tanta beleza — disse.
— Tu és muito mais atraente do que esses dois — declarei, apontando para uma tela de Piero di Cosimo que também estava a ser restaurada —, e são anjos.
— Não gosto de anjos — declarou, parando à minha frente —, não têm sexo.
Agarrou-me o queixo com os dedos para me obrigar a levantar a cara e encontrei os seus lábios a dois centímetros dos meus e os seus olhos de fogo a estudar-me sem piedade. Beijou-me enquanto deslizava as mãos pelas minhas costas até chegar às nádegas, que apertou e massajou ao mesmo tempo que me empurrava para as suas ancas, onde me esperava uma ereção enorme. O meu cérebro devia ter paralisado nesse mesmo momento, porque o empurrei para a parede que tinha mais perto e deslizei as minhas mãos até ao seu rabo para imitar os seus movimentos provocadores.
Com uma rapidez espantosa, Noah virou-me e, de repente, dei por mim com as costas contra a parede e o corpo dele a deixar-me com falta de ar. Pôs a mão por baixo do meu vestido e acariciou provocantemente as minhas zonas mais sensíveis. Tremiam-me as pernas e mal conseguia respirar. A sua boca devorou-me sem compaixão enquanto as suas mãos pareciam decididas a encontrar um tesouro por baixo da minha roupa, explorando avidamente cada centímetro de pele.
Sem prévio aviso, os meus pés perderam o contacto com o chão. Agarrei-me ao pescoço de Noah e cruzei as pernas à volta das suas ancas. Conseguia sentir as mãos fortes a segurar-me pelo rabo.
— Desejo-te tanto — admitiu, num tom rouco. — Não consigo pensar em nada senão em ti. Todo o dia. Cada minuto.
Beijou-me com força e paixão, profundamente, quase sem me deixar respirar. Eu respondi imediatamente, sem hesitar, e deixei que o meu beijo lhe explicasse quanto medo tinha e que, às vezes, a insegurança me apertava a garganta até quase me asfixiar, que passara tantos anos morta, vazia e sozinha que tremia com a simples ideia de perder o que acabara de começar a saborear e que não conseguia evitar pensar que talvez fosse melhor se me afastasse do festim e continuasse a olhar do outro lado da janela antes de me ver expulsa do banquete e ser lançada novamente para o inferno. Porque agora sabia que, até então, não vivera, mas que me limitara a manter-me com vida, a sobreviver. Agora, estava viva. Noah ativara cada uma das minhas terminações nervosas e transformara-se no oxigénio de que precisava para subsistir.
Sem parar de me beijar, estendeu uma mão até alcançar a beira das minhas cuecas. Com um só movimento, arrancou-as e deixou-as cair ao chão. Gemi e colei-me mais a ele. Não pensei que alguém podia entrar na oficina e surpreender-nos. Não havia mais ninguém ali, só nós e a voz doce e louca da minha cabeça que me encorajava a continuar.
Demorou um pouco mais a abrir o fecho das calças e a baixá-las o suficiente. Durante um instante, Noah parou, afastou-se um pouco de mim e olhou-me nos olhos, procurando a minha aprovação. A modo de resposta, mexi as ancas, arqueei as costas e apertei as pernas para me aproximar ainda mais do seu corpo.
Com um só movimento, Noah penetrou-me e afundou-se ao mesmo tempo na minha boca, marcando o ritmo com as ancas e puxando-me para ele, fazendo-me subir e descer cada vez mais depressa.
A minha mente esvaziou-se de medos e de dúvidas. Só havia espaço para as sensações.
O clímax alcançou-me quase sem prévio aviso, formigou entre as minhas pernas, explodiu no centro do meu organismo e espalhou-se através das extremidades até chegar ao meu cérebro. Quando parei de tremer, abracei Noah com força e recebi o seu orgasmo como próprio, feliz e satisfeita.
Acariciou-me o rabo com suavidade e depositou um carreiro de beijos desde o meu ombro até à boca. Desta vez, beijou-me com ternura e carinho. Talvez estivéssemos a partilhar amor, talvez a paixão e a necessidade fossem dois dos vimes com que o amor tecia as suas pontes intrincadas. No entanto, aquele não era o momento de semelhantes pensamentos tão profundos.
Noah levantou-me com delicadeza, saiu do meu interior e deixou-me no chão com cuidado. Senti como os fluidos de ambos deslizavam entre as minhas pernas e procurei um lenço na mala para me limpar. Ajudou-me com um sorriso atrevido na cara, depois de abotoar as calças.
Dez minutos mais tarde, saíamos dali, com os farrapos das minhas cuecas no fundo da minha mala. Fechei a porta, voltei a escrever o código de segurança para ativar o alarme e dirigimo-nos para a saída.
O semblante corado e estupefacto do vigilante fez-me sentir consciência de um pequeno detalhe que evitara por completo: Na oficina, tal como no resto das salas, havia câmaras. A central de controlo, de onde o guarda não parava de nos observar, vermelho até à raiz do cabelo, contava com vários monitores que reproduziam em tempo real o que acontecia no interior das divisões.
Parei, demasiado chocada com o que acabara de descobrir. Noah, que ia atrás de mim, quase chocou contra as minhas costas.
— O que se passa? — perguntou.
— As câmaras — respondi, num sussurro.
— Que câmaras?
— Há câmaras na oficina. Viu-nos. Filmaram tudo. Oh, meu Deus, o diretor vai ver amanhã.
— Ena…
Noah pareceu meditar durante uns instantes. Depois, olhou brevemente para mim e pediu-me para esperar por ele ali enquanto tentava resolver as coisas. Resolver as coisas? O desastre que se abatia sobre a minha cabeça não tinha solução possível.
Aproximou-se da zona da receção e pôs os cotovelos no balcão. O guarda olhou para ele sem pestanejar. Falaram durante um bom bocado, enquanto a pele do vigilante recuperava, a pouco e pouco, o seu tom normal. Apanhei-o algumas vezes a lançar-me olhares furtivos, portanto, virei-me e escondi-me atrás de uma coluna, fingindo que observava os quadros que enfeitavam o vestíbulo.
Noah demorou uns quinze minutos a voltar.
— Podes ficar tranquila — disse, enquanto me agarrava o braço e me dirigia para a porta. O meu cérebro estupefacto recusava-se a coordenar a ação das minhas extremidades, por isso Noah teve de me empurrar na direção correta. Levantou a mão para se despedir do guarda, que lhe devolveu o cumprimento como se fossem dois velhos amigos.
— O que se passou?
— Está tudo resolvido. Expliquei-lhe que um incidente como este pode arruinar a tua vida e a tua carreira se chegar às mãos erradas, já para não falar do que aconteceria se fosse visto pelo teu chefe ou pelos teus colegas. Um vídeo assim podia tornar-se viral nas redes sociais numa questão de minutos. Falei-lhe da tua reputação, do teu profissionalismo e de como fomos estúpidos e acedeu a apagar esses quinze minutos do registo digital de imagens. É um homem bom e honrado. Garantiu-me que ninguém perceberá, porque todas as salas estavam vazias durante esse tempo, o colega ainda não regressou da ronda e o corte temporário será impercetível.
— E acedeu assim, sem mais nem menos?
— Bom, sem mais nem menos, não. Dei-lhe trezentos dólares, tudo o que tinha na carteira nesse momento. Não queria aceitar, mas insisti que era o mínimo que podia fazer, dado o grande favor que está a fazer-nos. Gosto do Scott.
— Quem é o Scott?
— O vigilante, claro.
Nesse momento, não sabia se devia rir-me ou chorar. Abracei-o com força e optei pela segunda alternativa. As minhas lágrimas estavam a sujar-lhe a camisa, mas não parou de me abraçar. Chorei de raiva por ser tão estúpida (mais uma vez), de medo e de alívio. Criticara tantas vezes com amargura aqueles que arriscam o presente e o futuro para ter sexo e eu acabara de fazer o mesmo! Estava espantada. Castiguei-me mentalmente, insultei-me e prometi-me não voltar a ser tão idiota.
Conduzi em silêncio até ao seu apartamento e rejeitei a oferta de subir um pouco.
— Preciso de me acalmar e de pensar um pouco — expliquei, sem desligar o motor.
Não ia deixar-me convencer, estava demasiado afetada.
— Como queiras — acedeu —, mas não esqueças que não tens nada a lamentar. As imagens já não existem e, mesmo que o Scott comente com alguém que uma restauradora teve prazer na oficina, não tem nada para o provar. Se contar e não houver imagens, ficará mal por as ter apagado. Não dirá nada, podes ficar tranquila.
Lutava para me convencer de que tinha razão, de que não ia acontecer nada e de que tudo não passaria de uma história, um pouco aterradora agora, mas divertida assim que adquirisse a perspetiva do tempo. Enquanto esse momento chegava, não conseguia evitar tremer dos pés à cabeça.
Beijou-me e saiu do carro. Nem sequer olhei para trás. Voltei para a estrada e acelerei até me afastar.