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I.--Como eu fui Explorador.

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No correr do anno de 1869, fiz parte da columna de operações que no baixo Zambeze sustentou cruenta guerra contra os indìgenas de Massangano. O S^{nr.} José Maria Latino Coelho, então Ministro da Marinha e Ultramar, dera ordem ao Governador de Moçambique, para que, finda a guerra, me proporcionasse os meios de subir o Zambeze, a fazer um detalhado reconhecimento do paiz, tão longe quanto me fôsse possivel.


A ordem foi dada, mas não foi cumprida; e depois de vãs instancias, e de um ligeiro passeio pelas terras Portuguezas d'Àfrica Oriental, voltei á Europa, com mais desejo que antes, de estudar o interior d'aquelle continente, que mal tinha entrevisto.


Razões particulares de familia fizéram adiar, se não aniquiláram, os meus projectos.


Official do exèrcito, sempre de guarnição em pequenas terras de provincia, fazia das minhas horas de òcio horas de trabalho; e ainda que mal antevia a possibilidade de ir á Àfrica, era o estudo das questões

Africanas o meu ùnico e exclusivo passatempo.


As sublimes questões de astronomia não eram por mim desprezadas, e o muito tempo que me deixava a vida da caserna era repartido entre o estudo da Àfrica e do ceo.


Servia em Caçadores 12 no correr de 1875, e ali tive por camarada um dos mais intelligentes homens que tenho conhecido, o Capitão Daniel Simões Soares.


Pouco depois de havermos feito conhecimento, èramos ligados por estreita amizade.


O quarto mesquinho do illustrado official, na caserna da Ilha da Madeira, reunia-nos durante as horas em que o regulamento nos obrigava a viver ali; e quantas vezes, estando um de nós de serviço, têve a companhia do outro! Àfrica, e sempre Àfrica, era o nosso assumpto de conversação. Apraz-me recordar esse tempo, essas horas que fazìamos correr velozes, debatendo questões, que eu mal pensava seria chamado a resolver um dia.


Em fins de 1875, redigi uma memoria, que submetti á crìtica de Simões Soares, e de outro meu camarada, o Capitão Camacho; memoria filha das nossas interminaveis palestras Africanas.


Propunha eu um meio de estudar parcialmente o interior das nossas colonias de Àfrica Oriental, e isso com a maior economía para o Estado.


Depois de muito debatida a questão por nós tres, foi a memoria enviada ao Governo de Sua Magestade; mas sube depois que nunca chegara ás mãos do Ministro da Marinha.


A esse tempo, eu pensava outra vez em voltar á Àfrica, apesar de ser chefe de familia, e de me prenderem a Portugal interesses de subida importancia.


Por fins de 1876 voltei a Lisboa, e conheci que as questões Africanas tinham ali tomado grande interesse com a creação da Commissão Central Permanente de Geographia, e com a fundação da Sociedade de Geographia de Lisboa.


Falava-se muito n'uma grande expedição geogràphica ao interior d'Àfrica Austral.


Fui procurar immediatamente o Ministro das Colonias. Era o S^{nr.} João d'Andrade Corvo. Se não é facil explorar a Àfrica, não é menos difficil falar ao Ministro, e sôbre tudo se esse Ministro é o S^{nr.} João d'Andrade Corvo. Sua Excellencia tinha a seu cargo duas pastas, Marinha e Estrangeiros, e o tempo não lhe sobejava para falar aos importunos.


Persegui-o uns oito dias, e na vèspera da minha partida de Lisboa, obtive uma audiencia do Ministro dos Negocios Estrangeiros.


Sua Excellencia recebeu-me com secura, dizendo-me, que podia dispôr de pouco tempo, e perguntando-me, ¿o que eu queria?


Travou-se entre nós o seguinte diàlogo:--


"Ouvi dizer, que V. Ex^{a.} pensa em enviar á Àfrica uma expedição geogràphica; e sôbre isto venho falar."


O Ministro mudou logo de tom para comigo, e mandou-me sentar com toda afabilidade.


"¿Já estêve em Àfrica?" me perguntou elle.


"Já estive em Àfrica, conheço um pouco o modo de viajar ali, e tenho-me occupado muito em estudar questões Africanas."


"¿Quer ir fazer uma longa viagem na Àfrica Austral?"


Declaro que hesitei um momento em responder. "Estou prompto a ir," disse por fim.


"Bem;" me disse elle, "penso em enviar uma grande expedição á Àfrica, bem provida de recursos; e quando tratar de organizar o pessoal, não esquècerei o seu nome."


"É verdade"; me disse, quando eu já ia a sahir, "¿que condições e que vantagens pede por esse serviço?"--"Nenhumas," lhe respondi eu, e sahi.


Fui do Ministerio dos Negocios Estrangeiros á Calçada da Gloria, N^{o.} 3, e procurei o D^{or.} Bernardino Antonio Gomes, Vice-presidente da Commissão Central Permanente de Geographia. Tivémos larga conferencia, e o distincto sabio, então todo entregue a questões geogràphicas, disse-me, que já tinha pensado em um distincto Official da nossa Marinha de Guerra, Hermenigildo Capello, para fazer parte da expedição.


No dia seguinte parti para o Norte. A viagem e os ares do campo fizéram arrefècer um pouco o febril enthusiasmo que se apossara de mim em Lisboa, e pensando maduramente, resolvi não ir explorar em Àfrica.


Minha mulhér e minha filha eram laços difficeis de romper, e cada vez que a idéa de me privar das caricias da meiga criança me passava pela mente, arrefècia completamente em mim o ardor das explorações.


De um lado, a familia, e do outro a Àfrica, eram dois poderosos atractivos que me tinham perplexo. Encontrei um meio de resolver a questão. Se eu fosse nomeado Governador de um districto, podia ir estudar uma parte d'Àfrica, sem me separar da familia. Fui collocado no 4 de Caçadores, e na minha viagem para o Algarve, passei alguns dias em Lisboa. Não se falava mais em expedição exploratoria, e apenas um enthusiasta, Luciano Cordeiro, não tinha descrido de que ella se faria; e na sociedade de geographia, de que era Secretario, tinha levantado um alto brado a favor d'ella. O D^{or.} Bernardino Antonio Gomes, já de idade provecta, tinha cedido ao peso do seu incessante labutar, e sentia já os primeiros symptomas do mal que, pouco depois, arrancando-lhe a vida, devia arrancar a Portugal e ao mundo uma das maiores illustrações Portuguezas do sèculo 19.


Eu não conhecia a esse tempo o homem ardente e illustrado a quem hoje me prende verdadeira amizade--Luciano Cordeiro.


Todos aquelles a quem falava de exploração, me diziam ser cousa adiada. Ao passo que o estado em que encontrei as cousas em Lisboa me compungia, pois que via perder-se a luz que um momento brilhara, para dar um impulso harmònico ás explorações Portuguezas em Àfrica; por outro lado, sentia um certo prazer em ver-me, por esse meio, libertado do meu compromisso; compromisso que me separaria dos entes que me sam caros.


Nutri então a idéa de ir governar, e de me estabelecer em Àfrica, n'essa Àfrica em que eu queria trabalhar, sem por isso me separar dos meus.


Fui falar ao Ministro.


D'essa vez fui logo cordialmente recebido. Estranhei o caso, não se falando já de explorações.


"¿O que o traz por aqui?"--"Venho pedir a V. Ex^{a.} o governo de Quillimane, que está vago." O S^{nr.} Corvo rio-se. "Tenho missão de maior monta a confiar-lhe;" me disse; "preciso de si para cousa

differente de governar um districto em Àfrica; e por isso não lhe dou o governo de Quillimane."--


"¿Então V. Ex^{a.} ainda pensa em fazer explorar a Àfrica? Eu com franqueza digo, que hoje não creio que a idéa se realize."--


"Dou-lhe a minha palavra de honra," me disse o Ministro, "que ou hei de deixar de ser João de Andrade Corvo, ou na pròxima primavera, uma expedição organizada como ainda se não organizou expedição alguma na Europa, ha de partir de Lisboa para a Àfrica Austral."--


"¿E conta comigo?"--


"Conto comsigo," me disse, "e em breve terá noticias minhas."


Sahi aterrado do Gabinete do Ministro.


Cheguei ao Hotel Central, e escrevi o seguinte: "Não tenho a honra de o conhecer, mas preciso falar-lhe, e peço-lhe uma entrevista." Sôbreescritei, a "Hermenigildo Carlos de Brito Capello--Official de

guarnição a bordo do couraçadoVasco de Gama."


No dia immediato, recebi a seguinte resposta:--"Estou hoje no Café Martinho, ás 3 horas.--Capello."


Ás tres horas entrava no Café Martinho, e vi que as mesas estavam completamente desertas. Só a uma dellas estava sentado um primeiro tenente de marinha, que eu não conhecia mesmo de vista. Devia ser o meu homem. Bebia pausadamente um grog, e tinha a cabeça descoberta.


Era de mediana estatura, tanto quanto eu pude avaliar estando elle sentado. Moreno, de olhar plàcido; o cabello raro, e grisalho, o pequeno bigode já esbranquiçado, davam-lhe um ar de velhice, que era desmentido pela tez desenrugada, e apresentando o lustre da juventude.


"¿É o S^{nr.} Capello?"--


"Sou; ¿é o S^{nr.} Serpa Pinto? já o esperava, e sei que, provavelmente, vem falar-me d'Àfrica."--


"É verdade. ¿Então está decidido a fazer parte da expedição?"--


"Estou; e já n'isso falei ao D^{or.} Bernardino Antonio Gomes."--


"Foi elle que me falou no S^{nr.}; ¿que compromissos tem?"--


"Nenhuns. Não sei bem o que o Governo quer; falei duas vezes com o D^{or.} Gomes; ainda não vi o Ministro, e apenas lhe posso dizer, que, se for á Àfrica, escolherei para companheiro um meu amigo, e camarada na armada, Roberto Ivens. ¿Conhece-o?"--


"Não o conheço. Falei ao Ministro e elle disse-me, que contava comigo para a expedição."--


"N'esse caso, uma vez que já tem compromissos com o Ministro, eu desisto de ir."--


"¡Ora essa!... então desisto eu."--


"Mesmo, eu não creio que a cousa vá a effeito."--


"Nem eu creio muito; mas emfim, se for a effeito, ¿porque não havemos de ir ambos? Não nos conhecemos, é verdade; mas em breve travaremos ìntimas relações, e creio bem chegaremos a ser amigos."--


"¿E porque não? Então, se a expedição for ávante, iremos juntos, e escolheremos para nosso companheiro ao meu amigo Roberto Ivens."--


"Esta dito. ¿Pensa sèriamente que o Governo votará uma tão grande verba como a que é precisa para uma empresa d'estas?"--


"Não sei, duvido; e agora ùltimamente fala-se menos na expedição."


Conversámos largamente, e separámo-nos; tendo a ìntima convicção de que a expedição nunca se realizaría.


Ainda me encontrei com Capello nos dias seguintes, e depois separámo-nos. Elle seguio viagem no couraçado Vasco da Gama para Inglaterra; e eu fui tomar o commando da minha companhia em Caçadores 4, no Algarve.


Com o descanço da vida de guarnição, voltei ao estudo, e tive a felicidade de encontrar um amigo no Algarve, Marrecas Ferreira, distincto official de Engenheiros, que, meu companheiro nas mesas do trabalho, tinha sempre um bom conselho a dar-me, nas questões mathemàticas, que elle maneja com intelligencia superior. Foi por seu intermedio que travei relações epistolares com Luciano Cordeiro, a quem depois me devia ligar estreita amizade.


Por esse tempo, redigi duas pequenas memorias, que por intermedio de Luciano Cordeiro chegáram ás mãos do Ministro da Marinha, em que tratava do modo de organizar uma expedição de exploração na Àfrica Austral.


Passáram-se mezes, e não mais me faláram de expedição.


Recebi duas cartas do Capello, em que me mostrava a sua completa descrença em que a cousa fosse a effeito. Eu mesmo nutria igual descrença. Na Commissão Permanente de Geographia discutiam-se varios projectos de expedições; mas tudo ficava em discussões.


Um dia, vi nos jornaes, que o Ministro, o S^{nr.} João d'Andrade Corvo, apresentara no parlamento um projecto, pedindo um crèdito de 30 contos para uma expedição em Àfrica; mas, pouco depois, cahio o Ministerio, e foi o S^{nr.} José de Mello Gouvea encarregado da Pasta das Colonias; quando o projecto ainda não tinha sido votado no parlamento.


Tornava-se a falar da projectada exploração; mas os jornaes davam por escolhidos exploradores que eu não conhecia, e ás vezes apenas falavam em Capello.


Eu então estava em Faro, e se me não descurava dos meus estudos astronòmicos e Africanos, ouvindo os conselhos de João Botto, distincto professor da escola de Pilotos de Faro, não nutria já idéas de viajar. O meu tempo era passado entre as caricias da familia e os meus livros de estudo, e sentia-me muito feliz, nos conchêgos do lar domèstico, para pensar em trocar a minha vida plàcida pelo bulicio e azares das viagens.


Seguia com interesse nos jornaes as noticias de Lisboa, e vi que o nôvo ministro, José de Mello Gouvea, havia no parlamento apoiado a proposta de João d'Andrade Corvo, e que fôra votada a somma de 30 contos para uma exploração. A morte de Bernardino Antonio Gomes, vìctima, talves, do muito interesse que dedicou ao estudo das questões Africanas, n'uma idade em que as fadigas passadas lhe aconselhavam completo repouso de espìrito, a morte d'esse eminente sabio, veio produzir um grande vàcuo na Commissão Central de Geographia. Outros, é verdade, tomando grande interesse nas questões palpitantes, levantavam a voz no seio da commissão; mas discussões repetidas iam adiando a pràctica urgente.


Eu, apesar de se ter votado a verba no parlamento, já não via possibilidade de se levar a effeito a expedição em 1877; e em vista do que sabia pela imprensa, não pensava que se lembrassem de mim, se

aquella fosse a affeito; e devo dizel-o, dava-me isso um certo prazer.


O Algarve é um paiz delicioso; reina ali uma atmosphera oriental, e as copas elegantes das palmeiras que se inclinam sôbre as casas em terraços, faz-nos, ás vezes, esquècer de que vivemos no prosaïsmo da Europa. Eu era ali o commandante militar, quer dizer, que afazeres poucos tinha.


O convivio de uma sociedade escolhida; os carinhos da familia; os meus livros de estudo, e os meus instrumentos de observações, faziam-me passar horas bem felizes, d'essa plàcida felicidade que a muitos não é dado conhecer. O lar caseiro, o xambre e os pantufos chegáram a ser para mim o ideal do bem-estar.


Findara o mez d'Abril, e com o de Maio viera o calor, que se faz fortemente sentir em Faro; e eu fazia projectos para o verão; quando, um dia, recebo um telegrama em que me ordenavam de me apresentar immediatamente ao General commandante da Divisão; e ali achei uma ordem para me apresentar sem perda de tempo ao Ministro das Colonias.


Adeos casa, adeos xambre, adeos pantufos, adeos vida tranquilla e plàcida junto dos meus; ahi vôlvo a correr mundo.


Quatro dias depois, em torno de uma grande mesa, n'uma grande sala do Ministerio da Marinha, uma duzia de graves personagens, uns d'òculos, outros sem òculos, uns velhos outros nôvos, todos conhecidos, ou pelas sciencias, ou pelas letras, ou pelos seus serviços pùblicos, tratavam de questões Africanas. Presidía a esta solemne sessão o Ministro José de Mello Gouvêa.


Eram Secretarios D^{or.} José Julio Rodrigues e Luciano Cordeiro. Conde de Ficalho, Marquez de Souza, D^{or.} Bocage, Carlos Testa, Jorge Figaniere, Francisco Costa, o Conselheiro Silva, e Antonio Teixeira de Vasconcellos, lembra-me que estavam ali.


Lá no fundo da mesa a um canto, encaixado na poltrona, estava um homem de basto cabello e basto bigode grisalho, a olhar para mim por entre os vidros da luneta de tartaruga. Era João de Andrade Corvo, que me dizia com o olhar: "Eu bem lhe afiancei que a cousa se havia de fazer."


Junto de mim estava Capello, e ao cabo de duas horas sahìamos d'ali, com as instrucções precisas para a nossa viagem. Tìnhamos escolhido um terceiro socio, e esse era o tenente Roberto Ivens, o amigo de Capello, que eu não conhecia, e que a esse tempo estava em Loanda a bordo do seu navio de guerra. Estàvamos a 25 de Maio, e tomámos o compromisso de partir a 5 de Julho. Era muito, porque tìnhamos que vir preparar a expedição a França e Inglaterra, e só dispùnhamos de um mez para isso.


Então Francisco Costa, Director Geral do Ministerio, tomou a peito desfazer todos os obstàculos que os indispensaveis caminhos burocràticos nos podiam trazer; e andou de modo, que a 28 de Maio eu e Capello partìamos para Paris e Londres, a comprar o que se nos tornava necessario. Levàvamos um crèdito de oito contos de réis.


Como eu atravessei Àfrica do Atlantico ao mar Indico, volume primeiro

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