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EM BUSCA DE CARREGADORES.

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Chegada a Loanda--O Governador Albuquerque--Não hacarregadores--Vou ao Zaire--O Ambriz--Chego ao Porto da Lenha--Osresgatados--Sei da chegada de Stanley--Vou a Cabinda--Tomo Stanleya bordo daTâmega--Os officiaes da canhoneira--Stanley meuhòspede--O nosso itinerario--Chegada do Ivens.


No dia 6 de Agosto de 1877, chegàvamos a Loanda, no vaporZaire, do commando de Pedro d'Almeida Tito, a quem aqui lavro um testemunho affectuoso de muita gratidão, pelos favores que me dispensou durante a viagem.


Desde a minha saïda de Lisboa, uma preoccupação constante me perseguia. A nossa bagagem era enorme, e tinha de ser ainda muito aumentada, com fazendas, missangas e outros gèneros, que seriam a nossa moeda no sertão.


Em todos os livros de viagens, n'esta parte do continente Africano, li eu as difficuldades em que se encontráram muitos exploradores, por não poderem obter o nùmero sufficiente de carregadores para as cargas indispensaveis. ¿Como os obteria eu? Em Cabo-Verde sube, que uma carta que eu e Capello tìnhamos dirigido ao Ivens não fôra por elle recebida; pois que sube ali, por um telegrama, que Ivens estava em Lisboa, e por isso não podia ter satisfeito ao pedido que n'aquella carta lhe fazìamos, de estudar a questão, e ver se nos obtinha em Loanda os auxiliares precisos. Uma tentativa feita em Cabo-de-Palmas ficou sem resultado, e apesar do apoio que nos prestou o Capitão Tito, nem um só keruboy podémos ajustar ali.


Chegámos finalmente a Loanda, e fomos hospedar-nos em casa do S^{nr.} José Maria do Prado, um dos primeiros proprietàrios e capitalistas da Provincia de Angola, que immediatamente poz á nossa disposição, uma das muitas casas que possue na cidade; casa com accommodações bastantes para receber o enorme trem da expedição.


Do S^{nr.} Prado recebemos innùmeros favores. Na noite do dia 6, fomos procurados por um dos ajudantes-de-campo de Sua Excellència o Governador-Geral, que vinha, em nome do S^{nr.} Albuquerque, fazer-nos os mais cordiaes offerecimentos.


No dia 7, procurámos o Ex^{mo.} Governador, que nos recebeu affectuosamente, mostrando a maior benevolencia em desculpar os meus trajos, que, òptimos para a vida do mato, eram, a não poder ser mais, ridìculos para uma visita ceremoniosa.


O S^{nr.} Albuquerque, depois de nos assegurar, que nos daria a maior assistencia nas terras do seu governo, concluio por nos mostrar a impossibilidade de obtermos carregadores.


Creio que nada mais desagradavel pode haver para quem quer viajar em Àfrica, e tem 400 cargas, do-que dizer-se-lhe:Não ha carregadores.


Decidí immediatamente ir ao Norte da provincia ver se por ali os poderia contratar; e n'esse sentido pedi ao S^{nr.} Albuquerque, me mandasse transportar ao Zaire.


O só navio de guerra que podia ser posto á minha disposição andava cruzando na foz do Zaire; resolvi d'ir procural-o, e no dia 8, parti n'um escalér, tripulado por 8 prêtos cabindas, que me foi fornecido pela

capitanía do Porto. Levava ordens do Governo para o commandante da canhoneira. Não ha nada mais desagradavel do-que fazer uma viagem de 120 milhas em um escalér. De Loanda ao Ambriz comi apenas umas sardinhas e bolachas. Tendo resolvido fazer a viagem no escalér no mesmo dia da partida, não tive tempo de fazer preparativos.


No dia 9, ao anoitecer, chegava ao Ambriz, bonita villa assente no planalto de um còmoro, cujas escarpas, de 25 metros, sam cortadas a prumo sôbre o mar.


Fazia as vêzes de chefe, um empregado de fazenda, o S^{nr.} Tavares, que caprichou em obsequiar-me, assim como tôdos os habitantes da villa, mormente o S^{nr.} Cordeiro, em casa de quem estive hospedado.


Esperava-me no Ambriz Avelino Fernandes. Tive a felicidade de conhêcer Avelino Fernandes a bordo do vaporZaire, e relações ìntimas se estabelecêram entre nós.


É filho das margens do Zaire, e tem grande paixão por esse rico solo, onde as àrvores gigantescas da floresta virgem lhe assombráram o berço. Tem 24 annos. A côr morena e o cabello crespo indicam que nas suas veias, de envolta com o sangue Europêu, gira o sangue Africano. Rico, dotado de uma esmerada educação, adquirida nos principaes centros da Europa, e que uma intelligencia superior soube desenvolver, é o verdadeiro typo do cavalheiro palaciano, que não se pôde conhêcer sem que a elle nos prenda logo verdadeira sympathìa. As muitas relações que elle tinha no Zaire podiam facilitar-me os meios de arranjar ali carregadores.


Sube no Ambriz que a canhoneiraTâmega devia chegar áquelle ponto dentro de dois dias; e por isso resolvi esperal-a.


A viagem de Loanda no escalér não me tinha deixado recordações tão fàgueiras, para que eu persistisse em continuar para o norte da mesma forma.


No dia 10, fui visitar a villa e seus suburbios, e em dois traços vou narrar o que vi.


Do planalto em que assenta a povoação Europêa, desce-se para a praia por um caminho em zigzag, que estava sendo reconstruido por alguns grilhetas. Na praia, entre dois soberbos edificios, que sam armazens das casas commerciaes Franceza e Hollandeza, ostenta-se um albergue, meio-derrocado pêla velhice, meio-em-construcção recente não-continuada, que é a Alfàndega; Alfàndega sem depòsitos, onde as fazendas, arrumadas á porta sôbre o areal, pagam um irrisòrio tributo de armazenagem. A N.N.E. da villa, muitos hectares de terreno sam occupados por um pàntano, inferior de 3 metros e 12 centìmetros ao maior preamár; e na encosta da escarpa que do planalto da villa desce ao pàntano, assentam as cubatas da povoação indìgena, nas peiores condições de salubridade. Ao sul da villa, entre umas moitas de mato virgem, é o cemiterio--onde os cadàveres enterrados de dia, sam pasto das hyenas á noite.


A ponte de desembarque, construida de ferro e madeira, está prestes a ser inutilizada; porque a oxidação do ferro em contacto com o ar e a àgua, produz-se cêdo; e a ponte não foi pintada, não ha verba para sua conservação, nem alguem que por ella vigie.


A casa do chefe é um pardieiro derrocado, onde ha verdadeiro perigo em habitar.


O paio ameaçava ruina; e isso fêz-me impressão, porque elle contém a pòlvora do commercio, que não rende menos de duzentos mil réis mensaes para o Estado.


É bem de esperar, que nos dois annos decorridos depois da minha visita ao Ambriz, se tenham dado mais cuidados áquella bonita villa, cuja importancia é patente, sendo um grande centro de commercio.


Um kilòmetro ao N. da ponte de desembarque, lança no Atlàntico as suas àguas o rio Loge, cuja foz é obstruida por um banco de areia, que lhe dá difficil accesso, mas que depois é navegavel por uns trinta kilòmetros.


No dia 11, fui visitar a importante propriedade agrìcula, fundada pêlo cèlebre Jacintho do Ambriz, e hôje pertença de seu filho Nicolao. Esta propriedade representa um dos maiores esfôrços feitos na provincia de Angola, para o desenvolvimento da agricultura.


Jacintho do Ambriz foi levado á Àfrica por uma desgraça ìntima. Filho do povo, sem a menor instrucção, não sabendo mesmo ler ou escrever (mas dotado de uma razão clara, de um espìrito fino, e de muita felicidade), chêgou a fazer uma grande fortuna. Jacintho casou no Ambriz com uma mulhér da sua igualha. Era a tia Leonarda, mais conhêcida portia Lina, natural da Beira-Alta; e em 1877, a conhêci eu vestida sempre á moda das camponezas da Beira, falando a linguagem vulgar que fala o pôvo

d'aquella provincia, como se de lá tivêsse chêgado. Na sua casa comi um jantar beirense, e por um momento julguei-me transportado a uma das hospitaleiras casas dos nossos lavradores do Norte. A tia Lina entrou muito na felicidade que levou Jacintho á riqueza.


Jacintho fazia o commercio, e esse commercio, na Àfrica, obriga a dois distinctos ramos:


Adquirir dos brancos fazendas, e vender-lhes os productos do paiz; e adquirir dos prêtos esses productos, vendendo-lhes as fazendas.


Era Jacintho que fazia o commercio com os brancos, e a tia Lina com os prêtos.


Jacintho, dotado de uma alma generosa, era muitas vêzes vìctima da sua boa fé, e das extorções de alguns chefes; o que provocava uma phrase á tia Lina, que eu muitas vêzes ouvi repetir: "Ah! Jacintho, os brancos esmagam-te; mas eu esmago os prêtos!"


O verbo empregado pêla tia Lina não era precisamente o verboesmagar, mas, por muito enèrgico, substituo-lhe outro algo semelhante.

Como eu atravessei Àfrica do Atlantico ao mar Indico, volume primeiro

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