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O mar estava tranquillo, e o ar puro e diaphano. As costas d'Africa fronteiras, lá na extremidade do horisonte, pareciam uma orla escura bordada no manto azul do firmamento.


A aragem do norte encrespava suavemente a superficie das aguas: as ondas vinham espraiar-se preguiçosas no areial da bahia.


O barqueiro Ranimiro dormia na sua barca amarrada na foz do Palmonio. Uma saudade indizivel attrahia-me para o mar.


Saltei na barca; o ruido que fiz despertou Ranimiro.—«Ao largo»—disse-lhe eu. Empunhou os remos, e partimos.


«Para onde, Presbytero?»—perguntou o barqueiro, depois de vogar alguns momentos em silencio.


«Quero respirar o ar puro e fresco da tarde; mais nada:—repliquei.—Leva-me para onde te approuver.»


—Se vos parece—tornou Ranimiro—rodeiaremos a Ilha Verde, entraremos no canal, e saltareis na margem. Pelo tempo que vai, ella estará agora esmaltada de verdura e boninas.» Calei-me: o barqueiro tomou por approvação o meu silencio. Voltando a proa para poente, corremos ao largo da ilha e, rodeiando a sua margem occidental, abicámos em terra pelo lado da enseada que a separa do continente. Ranimiro não se enganara: como uma tapeçaria riquissima lançada ao som das aguas, a superficie da ilha agitava-se trémula com a aragem da terra, que curvava brandamente as flores e as folhinhas lanceoladas da relva. Assentado á sombra de uma rocha que formava um promontoriosinho do lado do sul, lancei os olhos em volta até onde se descubria o horisonte. Lá, no extremo do Estreito para a banda do mar interior, viam-se na ponta da Africa os cimos das torres de Septum fronteiras aos cerros escalvados do Calpe. De Septum para o occidente as costas africanas contrastavam nas suas ondulações suaves com a penedia aspera das ribas hispanicas, e, confrangido entre os dous continentes, o mar balouçava-se resplandecente com os raios já inclinados do sol. De roda de mim a atmosphera estava impregnada de um halito perfumado: era a natureza que sorria affagada pela primavera. As aves aquaticas redemoinhavam nos ares ou pousavam sobre as aguas e pareciam, nos seus vôos incertos, ora vagarosos, ora rapidos, folgarem com os primeiros dias da estação dos amores. Uma melancholia suave se me erguia lentamente no coração, debaixo daquelle céu puro, n'aquella atmosphera balsamica, ante aquelles horisontes saudosos. As lagrymas rebentaram-me involuntariamente dos olhos. Era feliz neste momento, porque repousava d'amarguras. Olhei para a barca: Ranimiro adormecera de novo á proa. Repousavam bem perto um do outro a materia e o espirito. Bemaventurado, pensei eu comigo, aquelle em quem os affagos de uma tarde serena de primavera no silencio da solidão produzem o torpor dos membros; porque nessa alma dormem profundamente as dores no meio do ruido da vida! E este pensamento trouxe-me pouco e pouco á memoria as tempestades do passado. Ai de mim! Logo se me enchugaram as lagrymas, porque eram de consolação, e essa lembrança as estancou!

Eurico, o presbytero

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