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Capítulo Quatro

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– Fico muito contente por me ter ligado, Cynthia. Perguntava-me como se estaria a adaptar à vida real – disse a enfermeira Gwen.

– Por sorte, tenho conseguido evitar muita gente. Imagino que como estive tão mal, querem esperar o maior tempo possível antes de me verem. Duvido que dure muito mais. A minha mãe está a organizar uma grande festa para festejar a minha recuperação. Ontem até falou em contratar uma orquestra. Parece-me tudo tão excessivo...

– As pessoas da sua vida preocupam-se por si, apesar da estranheza da situação. Quanto antes conhecerem a nova Cynthia, antes se irão adaptar. Está a pensar em voltar ao trabalho?

– Não me parece.

– Às vezes, voltar à rotina anterior ajuda.

– Pode ser que sim, mas acho impossível. Se fosse cirurgiã, quereria que voltasse ao trabalho e a operasse, confiando em que recuperaria os meus conhecimentos médicos por arte de magia?

– Suponho que não... – Gwen franziu o nariz.

– Dedicava-me à publicidade, o que não é como ser cirurgião, mas não me lembro de nada de nada. Além do mais, também não me interessa muito...

– E então, o que vai fazer? Vai transformar-se numa dessas esposas que organizam eventos benéficos?

– Oh, não – refilou. – Estou a experimentar outra coisa.

– Conte-me – urgiu-a Gwen.

Cynthia pensou nas centenas de folhas de desenhos de peças que tinha feito durante o fim de semana. No início eram todos muito maus, e pelo menos vinte folhas tinham acabado no lixo. Mas não tinha demorado a melhorar. E quando pôs as suas inibições de lado, as ideias começaram a fluir. As misturas de cor funcionavam e as peças combinavam maravilhosamente. Estava desejosa de vê-las saltar da folha para o cabide, mas aquele era outro obstáculo a salvar. Talvez fosse boa desenhadora e uma costureira terrível.

– Estou a tentar desenhar roupa. Ainda só tenho esquissos, mas segui o seu conselho e estou a deixar-me guiar pelos meus instintos. Pelo que me pede o coração...

– Desenhadora de moda? Bem! E desfruta com isso?

– Imenso – sorriu. – Só me apetece desenhar e desenhar, e quando o Will vem ter comigo fica surpreendido ao ver que passei horas nisso.

– Parece que encontrou um bom caminho...

– Acho que sim. Estou a pensar comprar uma máquina de costura e fazer algumas peças.

– Devia abrir uma boutique e participar na Semana da Moda – animou-a Gwen.

– Calma... – Cynthia riu-se. – Primeiro tenho de aprender a enfiar uma agulha. Depois, se o resultado não for horrível, vejo como continuar.

– Isso é que é progresso na direção certa. Está a criar a sua nova vida. Parece-me fantástico.

Cynthia gostou de ouvir isso. Tinha o apoio de Will, mas às vezes perguntava-se se ele se sentia obrigado a animá-la. A sua mãe tinha simulado interesse durante o almoço, mas era óbvio que teria preferido que se conformasse com o papel de «dama da sociedade», ou que trabalhasse para a empresa familiar. O apoio de Gwen inspirou-a.

– A mim também. Oxalá o resto estivesse a correr igualmente bem.

– Está a falar de quê? – perguntou Gwen.

– Do Will e eu, por exemplo – Cynthia suspirou. Ele enviava-lhe mensagens contraditórias. Tinha passado de lhe dar conselhos para quando ele se fosse embora a beijá-la num banco do parque. Mas mesmo assim, tinha percebido a sua vontade de manter um pé na porta para fugir se fizesse falta. Não era bom sinal. – Não sei como vai. Ele parece distante...

Cynthia sabia que tinha de guardar segredo sobre o fim do noivado e o sobre Nigel, que tinha começado a telefonar insistentemente sempre que Will ia trabalhar. Tinha pensado dizer a Will, mas seria vasculhar um passado que tinham decidido deixar para trás. Mais cedo ou mais tarde, haveria de cansar-se de ligar.

– Talvez ele não saiba como agir. Têm passado muito tempo juntos e agora você é uma pessoa nova. As mudanças, quer sejam boas ou más, requerem sempre uma adaptação.

Cynthia olhou para a metade do hamburguer e as batatas fritas que restavam no seu prato, que já tinha visto que gostava. Gwen tinha razão. A situação devia ser tão difícil para Will como para ela. Quando se beijaram no parque, percebera a sua batalha interior: uma parte dele desejava-a e outra tentava manter as distâncias. Não sabia qual delas tinha ganho.

– Passou-se alguma coisa entre vocês desde que voltou para casa?

– Só um beijo – replicou ela, corando como uma adolescente. Dada a sua amnésia, tinha sido como um primeiro beijo para ela.

– Um beijo já é alguma coisa. Se não gostasse, não a teria beijado.

– Mas não aconteceu mais nada desde então.

– Eu não me inquietaria por isso – Gwen encolheu os ombros. – Talvez lhe preocupe a sua recuperação, ou a sua empresa. Você quer que aconteça alguma coisa?

– O que quer dizer? – Cynthia franziu a testa.

– É como se tivesse herdado o Will. Tecnicamente, escolheu estar com ele muitos anos, mas para a nova tu Cynthia ele é um desconhecido. Se encontrasse o Will na rua, atrair-lhe-ia?

Cynthia tentou imaginar-se a jantar, por exemplo. Caía-lhe alguma coisa e ele apanhava-a. O Will da sua mente sorria e, de imediato, os seus olhos azuis-acinzentados, a sua aura, a sua força, o seu passo seguro, a sua forma de mexer-se, enfeitiçavam-na.

Mexeu-se no lugar. Não recordava o passado, mas o seu gosto quanto a homens não tinha mudado com o acidente: não havia dúvida de que Will a atraía.

A questão era se podia dar-se ao luxo de amá-lo. Ele tinha-lhe dito que pensasse bem e ela tinha decidido que queria uma segunda oportunidade, mas não confiava em si mesma. Não se conhecia e não queria voltar a magoar Will. Por isso, talvez fosse melhor acabar a relação, mas custava-lhe pensar nisso.

– Acho que seria difícil resistir a ele – concedeu.

– Então, porque resiste? Tem aí um dos homens mais apetecíveis de Manhattan. Independentemente do passado, não vejo razão para que não tente tirar o melhor partido da relação.

Cynthia lembrava-se de uma boa dúzia de razões para não ficar com Will e só uma para ficar. Infelizmente, aquela razão era mais forte que o sentido comum.

Desejava-o. Muito.

E ia fazer todos os possíveis para construir uma nova relação e continuar com ele.

George Dempsey estava sentado à frente de Will na mesa de mogno da sala de reuniões, coberta de papéis. Os advogados tinham preparado a documentação para o acordo de colaboração sobre o leitor de livros digitais. Mas Will percebia que não iam avançar muito.

– Estou preocupado com a Cynthia – disse o seu futuro sogro, a olhar para um contrato sem focar.

– Os médicos dizem que está a cicatrizar bem.

– Não é a sua cara que me preocupa – respondeu George, deixando cair o contrato. – É a sua cabeça. A Pauline diz que não vai voltar à agência de publicidade e que também não quer trabalhar para mim.

– Não é uma apaixonada pela tecnologia. Se antes não gostava, por que havia de mudar agora?

– Talvez porque tudo o resto mudou. Passa o dia a desenhar vestidos. Tenho a sensação de que já não conheço a minha própria filha.

– É justo. Ela também não te conhece a ti.

– Não faças pouco da situação – disse George, irritado. – Preocupa-me a sua saúde emocional. E, na verdade, preocupa-me este casamento.

Na cabeça de Will soou o sinal de alarme. Só Cynthia, Alex e ele sabiam da história de terem acabado. Ainda que se propusessem a tentar de novo, não havia nada escrito. O beijo no parque tinha sido fantástico mas, como estava preocupado com ir depressa demais e queimar-se de novo, tinha decidido recuar e distanciar-se um pouco naqueles últimos dias. Tinha-lhe comprado um presente para que lhe levassem a casa e pensava levá-la a jantar fora nessa noite, mas não podia predizer o futuro. George não assinaria qualquer contrato se achasse que a relação estava em perigo.

– Talvez o casamento em maio seja precipitado. Pode ser que ela precise de mais tempo para se adaptar.

– E tu? – George inclinou-se e fincou o seu olhar frio em Will. – Talvez estejas com dúvidas?

– Por que diz isso?

– Porque não parecem o mesmo casalinho feliz que não se largava. Já tinha notado o distanciamento antes do acidente. Não quero pensar que possas ser mau caráter ao ponto de abandoná-la agora, mas as pessoas nunca param de me surpreender.

– Não tenho intenção de abandonar a Cynthia no estado em que se encontra. O que acontecer daqui para a frente é impossível de prever. Toda a relação pode fracassar a dada altura.

– Sabes bem que eu prefiro fazer negócios com a família, que normalmente não te dá uma facada nas costas para comprazer os acionistas – George levantou uma sobrancelha. – Se tens dúvidas, mais vale dizer-me antes que assine isto – Gwen mexeu nos documentos.

– É um bom acordo que beneficia ambas as empresas. O Observer também é um negócio familiar com sessenta anos de investimento. Entendo as suas reservas, mas garanto-lhe que, com ou sem casamento, o sucesso da Corporação Dempsey interessa-nos sobremaneira.

– Mais vos vale – o velho falcão perscrutou o seu rosto e pareceu acreditar nele. – Mas digo-te mais uma coisa.

– Sim?

– Conheço muita gente nesta cidade. Negócios à parte, se magoares a minha filhota, farei quanto estiver ao meu alcance para acabar contigo e com este jornal, como se fossem insetos rastejantes.

Will engoliu em seco e assentiu. Até então, só estivera preocupado com a hipótese de Cynthia o magoar.

Quando Cynthia regressou do seu almoço com Gwen, o porteiro chamou-a.

– Senhorita Dempsey?

– Boa tarde, Calvin – disse ela, dirigindo-se ao balcão. – Como está hoje?

– Muito bem, senhorita – Calvin sorriu com uma sinceridade que não mostrara nos primeiros dias. – Trouxeram uma encomenda para si. É bastante pesada. Quer que a mande para cima?

– Isso seria ótimo, obrigada Calvin.

Subiu para casa e, poucos minutos depois, bateram à porta. Era Ronald, outro dos porteiros do edifício, com uma grande caixa branca.

– Pode pô-la na mesa da cozinha, se faz favor.

Roland saiu e ela foi procurar uma tesoura para cortar a fita adesiva. Dentro da caixa estava uma linda máquina de costura de alta gama. Pesava tanto que não foi capaz de tirá-la da caixa e ficou a admirá-la de cima. Tirou o manual de instruções para o ler. Estava mesmo a acabar quando ouviu a porta. Levantou-se de um salto e correu para ir receber Will.

– Vejo que já chegou – disse ele, ao ver a sua expressão de entusiasmo.

– Sim, chegou! – exclamou ela. – É maravilhosa!

– Comprei-a hoje de manhã. Garantiram-me que era a melhor do mercado e que a entregariam ainda hoje.

Sem hesitar, ela abraçou-o com força e beijou-o. Só queria agradecer-lhe mas, quando os seus lábios se encontraram, o seu plano fracassou. Will rodeou-lhe a cintura com os braços e puxou-a para si. Tinha estado tão distante desde o último beijo que ela tinha achado que não se sentia atraído por ela. Mas a sua língua e os seus dedos convenceram-na de que não era bem assim.

– Obrigada – disse. Sentia-se vermelha como um tomate, mas Will não fez comentários.

– De nada – sorriu com ironia. – Se soubesse que ias reagir assim, já a teria comprado há dois anos. Ou, pelo menos, na semana passada.

– Estive... estive a ler como se usa – murmurou Cynthia, ainda nos seus braços.

– Já estás a estudar? – perguntou ele, soltando-a e dando uns passos para trás.

– Já. Acho que amanhã já a posso ter a funcionar – disse ela. – Importas-te de ir às compras? Gostava de comprar tecido, linha, botões...

– Acho muito bem – Will tirou o casaco. – Tinha pensado levar-te a jantar fora. Podemos passar pela loja de caminho. Espera que mude de roupa.

Minutos depois, entraram num táxi para ir para o distrito têxtil. Quando chegaram à Mood, a meca dos tecidos de alta costura, ela entrou e Will ficou à porta, a tratar de negócios ao telefone.

Reuniu-se com ele meia hora depois, triunfal, com um enorme saco preto. Entregavam-lhe o manequim em casa no dia seguinte. Uma das empregadas da loja ajudara-a a escolher as coisas básicas e tinha-lhe explicado como usar tudo. Cynthia não sentia uma energia igual desde que acordara após o acidente. O destino tinha fechado a porta do passado, mas tinha aberto uma janela para um futuro carregado de emoção e novas possibilidades.

– Compraste a loja inteira?

– Hoje não. Talvez para a semana.

– É bom ter objetivos – riu-se ele. – Pronta para ir jantar? Há um restaurante especializado em carnes a poucos quarteirões daqui. Apetece-te?

– Parece-me muito bem.

Will pegou no saco e foram a pé até ao restaurante. Assim que entraram, Cynthia ficou imóvel. O restaurante era luxuoso e, com umas simples calças de ganga e uma camisola normal, não se sentia à altura.

– Este lugar é demasiado elegante – murmurou.

– Estás ótima – garantiu-lhe ele.

O maître guiou-os até uma mesa situada num canto, um espaço reservado. Pelos vistos, o homem achava que era um encontro romântico. Ela não achava o mesmo, especialmente porque Will voltava a estar concentrado no seu telemóvel, em vez de na ementa.

– Gostariam de provar um vinho da nossa seleção de hoje? – perguntou o empregado quando chegou.

Will deixou o telemóvel e olhou para ela, expetante. Supostamente, ela gostava de vinho, mas naquele momento o que lhe apetecia mesmo era um copo de Coca-Cola light muito fria, e foi o que pediu.

– Coca-Cola light para a senhorita e um copo de Merlot para mim, faz favor – pediu Will.

Quando o empregado de mesa foi embora, Cynthia tentou concentrar na ementa. Decidiu pedir um prato combinado de carne e marisco.

Depois de pedir, e já com as bebidas na mesa, Cynthia percebeu que o restaurante era realmente romântico. Numa parede havia uma enorme lareira de pedra e o fogo dava a tudo uma luz dourada muito favorecedora.

Cynthia engoliu em seco e humedeceu os lábios com a língua. Ele sorriu e o seu olhar pareceu abrasá-la. Tinha vestido uma camisa verde escura que se esticava sobre o peito e os ombros, marcando aqueles músculos que ela tanto desejava sentir. A sua imaginação voou.

– É um lugar muito agradável – disse. Tinha a garganta seca, de modo que deu um grande gole no refresco.

– Sim. Fico contente de ter vindo provar.

– Está tudo a correr bem com o teu trabalho? – Cynthia queria um tema de conversa que lhe impedisse de pensar em tocar Will.

– Atarefado, como sempre. Hoje estive com o teu pai.

– Sim, a mãe mencionou-me que ia ver-te. Está tudo bem? – aquele tema certamente abafaria o seu calor.

– Bem. Estivemos a rever os detalhes do acordo de colaboração. Devemos poder lançá-lo na primavera.

– Em que consiste exatamente?

– Tem a ver com tecnologia para um leitor de livros digitais. A sua equipa criou um ecrã tátil tão leve, fino e barato que em breve toda a gente poderá usá-lo. Esperamos mesmo oferecê-lo com as assinaturas de longo prazo no jornal digital.

– O teu jornal tem problemas?

– Não, mas hoje em dia tudo se passa na Internet. Há vários anos que já temos as assinaturas eletrónicas, mas acho que os leitores digitais são a nova bomba para a indústria editorial. Quero que o Observer e a Corporação Dempsey estejam na crista da onda. Levar a minha empresa ao seguinte nível de excelência e qualidade. Há anos que luto por isso.

Cynthia assentiu, ainda que não percebesse bem. Ela ainda gostava de sentir um livro na mão e ia demorar a renunciar a esse prazer por um tablet. Mas parecia um assunto promissor para ambas as empresas.

– É por isso que vamos casar?

– Não foi por isso que te pedi em casamento – respondeu Will depois de uma leve pausa.

– Mas foi por isso que continuaste comigo, mesmo que me tivesse transformado numa pessoa difícil...

– Ambos tínhamos os nossos motivos para casar, mesmo que não fossem os melhores.

– A colaboração parece um bom negócio. Por que tens de casar comigo para fechar o negócio?

– Não é bem assim – insistiu Will. – A minha declaração não teve nada a ver com a empresa do teu pai. Isso só aconteceu depois. Foi só um incentivo para aguentar quando começaste a ser... «difícil», usando a mesma palavra que tu. O teu pai prefere trabalhar com família. Quando acabei contigo, fi-lo sabendo que o projeto ficaria em águas de bacalhau assim que ele soubesse.

– E se esta segunda tentativa não funcionar, isso não irá prejudicar a tua empresa?

– Não nos prejudicará. Mas também não ajudará, claro.

– Posso falar com ele. Sou a razão de termos acabado. Não deveria penalizar-te a ti e aos teus empregados por uma coisa que eu fiz.

– É uma oferta muito doce, mas acho que não preciso do teu heroísmo, por enquanto.

Will estendeu o braço sobre a mesa para pegar na sua mão. Ela sentiu o calor a envolvê-la e a subir pelo seu braço como um choque elétrico. Teria gostado de afastar os olhos e perder-se só nas sensações, mas o seu olhar tinha-a hipnotizado.

– O que te leva a pensar que esta segunda tentativa não vai funcionar? – perguntou ele. O seu sorriso quase a convenceu de que podia mesmo funcionar.

Quase.

Memórias ocultas - Perseguindo os sonhos

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