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VI.

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—Snr. Valladares—disse o padre ao estudante—minha cunhada ergueu-se da cama para vir comprimental-o...


—É uma grande consideração, que eu lhe não mereço; mas a delicadeza da snr.a D. Amelia é sempre um severo preceito que ella se impõe.


Fallou bem.


N'isto, entrou uma senhora, com um ar de tanta nobreza, que me pareceu uma cousa nova. Eu não conhecia assim nenhuma. Era alta, muito magra no rosto, mas muito bella nos olhos, nos labios, nos cabellos, em tudo se via tanta formosura, tanto donaire, um senhoril tão estreme do vulgo, que eu, creança e poeta, senti-me tão acanhado como o mais boçal dos pastores de cabras d'aquella freguezia.


—Como passou, snr. Valladares?—perguntou ella com voz tremula, tossindo a cada palavra, e aconchegando da face a golla de veludo da sua capa.


—Sempre doente, minha senhora... Por não poder mais, recolho-me a casa...


—Eu bem lhe disse que não fosse... v. s.a teimou, agora já sabe que os conselhos d'uma mulher não são sempre pieguices...


—E os de v. exc.a nunca poderão sêl-o... E a snr.a D. Amelia como está?


—D'este modo que vê... Tossindo sempre, sempre mal, sem descanço d'este lado, que me parece que já não vive, se não para matar o resto de vida que tenho...


D. Amelia indicava o coração.


—Porque não dá um passeio até Lisboa?—tornou o academico.


—Isso lhe tenho eu dito todos os dias—atalhou o padre.


—De que me serve Lisboa?


—São ares patrios, minha senhora. Talvez o contacto do coração com as suas amigas de collegio...


—Eu já não tenho coração para contacto com amigas nem inimigas, snr. Valladares...


—O que v. exc.a tem é uma ardentissima imaginação, alma de poeta, que só tem a sensibilidade do que é triste, e não sabe tirar recursos da esperança...


—Esperança!...—murmurou ella com um triste sorriso, e voltando-se para mim, perguntou-me:


—Já sei que este senhor esteve em risco de passar uma noite divertida com os lobos...


—É verdade, minha senhora; mas a Providencia encaminhou-me ao paraizo, depois de me ter mostrado o inferno.


—Ora ahi tem uma resposta d'um moço, que seria pena comerem-no os lobos!...—disse o padre, desafiando um gracioso sorriso de Amelia.


—Ha-de dizer ao seu parente medico que me salve da sepultura assim como nós esta noite o salvaremos de ser victima dos lobos—disse-me ella, apertando affectuosamente a mão de Valladares, em despedida, porque a tosse exasperava-se cada vez mais.


Esta rapida apparição impressionou-me muito. Queria fazer mil perguntas; mas eu não tinha a quem. O padre e o estudante fallaram em assumptos, que me não interessavam nada. O que eu queria era a vida, a historia, os soffrimentos, a poesia d'aquella mulher. Eu tinha lido, dias antes, não sei que romance, onde vira uma mulher assim...


Appareceu um taboleiro com a cêa. O abbade fez o prato de D. Amelia. Era uma aza de gallinha, que elle mesmo lhe serviu.


Valladares tambem comeu do pucaro da doente. Eu, com o abbade, entramos corajosamente n'um coelho guisado, cuja retaguarda cortamos com um excellente caldo verde, e lourejantes castanhas assadas com manteiga.


No fim, demos graças a Deus.


O padre, segundo o seu costume, foi sentar-se á cabeceira de sua cunhada. Eu e Valladares entramos n'um quarto commum.


Scenas Contemporaneas

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